O prédio de tijolos onde hoje funciona, na Luz, a Pinacoteca do Estado, já foi um dia sede de oficinas e ateliês —o local, erguido em 1900, foi projetado pelos arquitetos Ramos de Azevedo e Domiziano Rossi para o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
Na década de 1910, época que a Pinacoteca foi criada, o Liceu começou a deixar o prédio, até desocupá-lo totalmente em 1932.
Agora, a Pina Luz recorda o passado de trabalhos manuais com a instalação “Laura Lima - Alfaiataria”, que ocupa, a partir deste sábado (7), o Octógono, espaço dedicado a obras de arte contemporânea no primeiro andar do edifício.
Além da relação com o passado, a artista vê um diálogo com o entorno. Ainda que não intencionalmente, diz ela, seu trabalho dialoga com o vizinho Bom Retiro, bairro conhecido por suas tradicionais oficinas de costura e confecções.
No centro do museu, costureiros e alfaiates se dividirão em dois turnos. O visitante verá as obras feitas de tecido ganhando forma ao longo do tempo.
“Há o estigma do mundo do entretenimento de que sempre temos que agradar o espectador. Aqui, a pessoa pode se sentir intrusa, por ocupar um local em que há pessoas trabalhando”, diz a artista Laura Lima.
O trabalho, inédito no Brasil, deriva de outro, concebido em 2014.
Naquele ano, Lima foi a Maastricht, na Holanda, a fim de receber um prêmio do Bonnefanten Museum, para o qual teve de idealizar um projeto. Nasceu assim “The Fifth Floor” (o quinto andar), em que alfaiates criavam ternos para molduras de madeira.
A artista costuma utilizar não só humanos, mas seres vivos em geral em seu trabalho, por se sentir tentada a mostrar a frequência das obras.
Foi o caso de “Ágrafo” (2015), na galeria Luisa Strina, em São Paulo, em que gatos tinham à disposição de suas unhas obras embaladas. Ou em 2007, quando apresentou, no Centro Dragão do Mar, em Fortaleza, “Galinhas de Gala e Galinheiro de Gala”, em que penas alheias foram aplicadas a aves, o que lhe gerou acusações de maus-tratos aos animais.
Apesar da presença de seres vivos, Laura Lima não gosta de chamar seus trabalhos de performance. Para ela, rótulos costumam diminuir e restringir trabalhos.
Desta vez, a instalação dialoga sobre o tempo e valor do trabalho. Como no caso da exposição holandesa, os alfaiates e costureiros darão vida a uma coleção de trajes confeccionados sobre molduras vazias, criando retratos abstratos. A ideia é que, até outubro, fiquem prontas cerca de 30 dessas peças.
Segundo a curadora Fernanda Pitta, “a ideia é observar a arte acontecendo”. “É pensar nesse tipo de questão e outras modalidades de atenção que não a do engajamento ou contemplação.”
Para Pitta, a mostra confronta “o modelo expositivo tradicional” e propõe uma reflexão sobre como nos relacionamos com obras de arte.
Laura Lima: Alfaiataria
A partir deste sábado (7), às 11h. De qua. a seg. das 10h às 17h30. Até 8/10. Pina Luz. Praça da Luz, 2, tel. (11) 3324-1000. R$ 6 (grátis aos sábados).
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