Quem pretender julgar “Uma Questão Pessoal” pela história que conta corre o risco de fazer mau juízo —nos dois sentidos.
Afinal, se quiser exigir muito da verossimilhança o espectador poderá se perguntar qual o sentido de o jovem Milton correr de um lado para o outro, em plena Resistência, na Itália, durante a Segunda Guerra. Milton corre riscos enormes e coloca os combates entre parênteses apenas para encontrar seu amigo Giorgio, que foi preso pelos fascistas.
Esse é o erro de julgar os filmes pelas histórias que conta. É por trás delas que tudo se define. E aqui o que existe, na verdade, é a história de uma casa: num primeiro momento, o país já está em guerra, mas não eles. É uma casa cheia de vida. Milton está apaixonado pela bela Fúlvia, porém não sabe se Fúlvia ama o amigo Giorgio, conforme suspeita.
No momento seguinte eles já estão entre os resistentes, Fúlvia foi para longe. E em dado momento, certa madrugada, Milton avista a casa. Agora vazia, ou quase: ao buscá-la em plena luta o que ele busca realmente é memória, o tempo passado. Esse retorno realimenta suas dúvidas de amante.
Ora, é pouco depois que Giorgio é preso. Então, Milton inicia sua jornada particular em busca de um fascista a quem ele possa trocar pelo amigo. Mas, pergunta-se: será que ele quer salvar o amigo devido à profunda amizade que os une, ou para descobrir o que, afinal, aconteceu entre Giorgio e Fúlvia? Ou ambos?
Existe ainda um terceiro momento em que se pode ver a casa. Quando o local está ocupado pelos fascistas. Então o que em um momento foi belo e em outro foi uma madrugada brumosa torna-se francamente repulsivo. Não é mais a casa dos amores, da beleza, da juventude: é apenas um lugar funesto, conspurcado.
Sim, a história de Milton chegará a um fim, mas ele não vem ao caso aqui.
Outras coisas importam mais: o sentido estético apurado dos Taviani continua intacto. Sua capacidade de integrar os personagens e a paisagem, de evocar uma época pelas transições da paisagem, de fixar o que uma árvore, um abrigo, uma neblina têm a contar sobre a história, a capacidade de integrar o personagem à paisagem e a paisagem ao tema: tudo isso resiste ao correr do tempo e fala da maestria dos Taviani.
Pode não ser um “Pai, Patrão” ou um “Bom Dia Babilônia”, mas ainda vive o vigor dessa dupla inseparável. Ou antes, separada apenas pela doença e pela morte, já que, se assinam o roteiro em conjunto, por uma vez coube apenas a Paolo Taviani a assinatura na direção do filme. O irmão, Vittorio, siamês cinematográfico, morreria pouco depois de concluído o filme. Mas não será errado dizer que esse é o último filme dos irmãos Taviani.
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