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Artes Cênicas

Luta de grevistas é vista como desmedida ideológica em 'Eles Não Usam Black-Tie' atual

Montagem serve como termômetro dos tempos confusos em que vivemos

Paulo Bio Toledo

Eles Não Usam Black-Tie

  • Quando Sex. e sáb., às 20h30, dom., às 19h. Até 16/9
  • Onde Teatro Aliança Francesa, r. Gen. Jardim, 182
  • Preço R$ 60
  • Classificação 12 anos

“Eles Não Usam Black-Tie” é talvez a peça de teatro mais importante da história recente do Brasil. Quando estreou em 1958, no Teatro de Arena de São Paulo, deflagrou o maior ciclo de engajamento político nos rumos do teatro nacional.

Mas, apesar da importância, ela contém uma contradição estrutural. Os assuntos decisivos ali, como a luta social, a carestia e a solidariedade entre trabalhadores, ficam eclipsados pela forma dramática da peça. Os conflitos e dilemas privados de Tião, o filho do sindicalista Otávio que se indispõe contra o pai e contra a greve, se sobrepunham aos temas públicos que começavam a interessar os jovens do Teatro de Arena em 1958.

Anos mais tarde, quando Guarnieri e Leon Hirszman escrevem o roteiro para a adaptação cinematográfica em 1981 eles modificam esta estrutura.

No filme a greve se impõe como tema capital. Ao contrário da dramaturgia de 1958, a ação não se restringe mais ao barraco da família. O assunto da luta social invade o interior da vida doméstica. Em alguma medida, o próprio autor buscou superar os entraves formais da peça que a tornavam ambivalente.

É o movimento contrário do que faz a adaptação dirigida por Dan Rosetto. A retomada da obra é toda centrada na personagem que Guarnieri queria criticar desde 1958. O Tião interpretado por Kiko Pissolato se transforma no herói. Ele é representado como um jovem altivo e batalhador, preocupado com os seus, mas sabedor dos imperativos de construir sua própria vida. A encenação coloca-o no centro de tudo e enfatiza o aspecto compreensível e corajoso de suas decisões.

A greve, em contrapartida, aparece como o fator desagregador. Por um lado é reduzida a um tipo de ideia fixa anacrônica vinda de um velho Otávio que bebe sem parar. 

Ao mesmo tempo é a origem de um sectarismo violento, como quando Bráulio, exemplar sindicalista, aparece armado e ameaça de morte Tião por ter furado a greve. Logo em seguida, todos os personagens aparecem segurando pedras em torno de um Tião isolado. A cena criada pela encenação coloca-o como vítima de uma grande injustiça.

Na montagem atual, a luta dos grevistas é vista como desmedida ideológica. A solidariedade daqueles que não usam black-tie se transfigura no comportamento de manada que ataca e quase lincha o direito de escolha de Tião. 

A peça se transforma então no seu exato oposto, um drama novelesco sobre um homem obrigado a tomar difíceis decisões. Tal disparate não deixa de ser, contudo, um termômetro dos tempos confusos em que vivemos.

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