Mulheres voltam aos cachos e salões criam técnicas para tirar progressiva

O reino da escova progressiva e da chapinha começa a ruir. Quinze anos depois da consagração da técnica, salões de São Paulo oferecem truques para enrolar cabelos alisados e, na internet, meninas arrastam milhares de seguidores com dicas para criar cachos perfeitos sem química.

As histórias de quem virou refém do alisamento começam todas no mesmo cenário: o colégio. Meninas com fios lisos, que balançam para lá e para cá em rabos de cavalo no alto da cabeça; e moças de cabelos cacheados que, sem ter outra referência de beleza, correm para o salão em busca do mesmo balanço.

"Depois da educação física, as minhas coleguinhas iam tomar água no bebedouro, o cabelo delas caía no rosto e elas colocavam atrás da orelha. Eu queria fazer isso com o meu cabelo também", diz Maraísa Fidelis, 27.
"Durante a minha adolescência, a musa da época era a Avril Lavigne, com aquele cabelo liso. Eu vivia de trança e cabelo preso", conta a maquiadora Cíntia Fonseca,30.

Os anos se passaram e, com eles, diferentes tipos de produtos químicos escorreram pelos cachos dessas meninas. Relaxamento, amaciamento, hene, até que, algumas, se renderam ao golpe final: a escova progressiva. Não havia mais curvas, apenas uma linha reta.

No começo dos anos 2000, o formol deixou de ser sinônimo para bichos em conserva e passou a significar cabelo liso. Em agosto de 2002, Fátima Bernardes apareceu com um cabelo particularmente estranho na bancada do "Jornal Nacional". Ela também havia aderido ao então chamado "alisamento japonês".

Mais de dez esticados anos depois, as mulheres começam, lentamente, a fazer o caminho inverso. "Eu era refém da química, da escova e da chapinha. E meu cabelo parecia cada vez mais artificial", diz a assistente administrativa Ana Cláudia Teixeira, 28 anos –dez deles alisados.

O movimento de retorno aos cachos pode ser explicado, segundo a professora Andréia Mirón, da Faculdade Santa Marcelina, por dois fatores: o barateamento das soluções para alisar os cabelos, que fez com que os cacheados se tornassem uma forma de diferenciação; e uma vontade feminina de construir um estilo próprio. "Há 15 anos, a beleza do cabelo da mulher era definida pelos olhares dos outros [principalmente dos homens], hoje quem decide se está belo é ela", diz Mirón.

Os cabelões volumosos e crespos não são novidade recente. Eles estavam lá nos anos 1970 e 80, como marcas da contracultura e da mulher "selvagem". A volta, agora, se relaciona com o tão falado "empoderamento feminino", mas também com um sentimento de cansaço, afirma Denise Bernuzzi de Santana, autora do livro "História da Beleza no Brasil". "A mulher está farta. Cansada dessa imposição da indústria da moda e da beleza. E isso é novo."

"O que está acontecendo agora é que as brasileiras, principalmente as afrodescendentes, estão mais engajadas na luta pelos seus direitos e pela afirmação da sua identidade", diz a modelo Ari Westphal, 21.

Para Cíntia, sair da progressiva foi como queimar sutiã em praça pública. Depois de cortar os fios bem curtinhos e esperá-los crescer, ela, que diz ter sido a "louca da progressiva", se sente libertada. "Eu saio de casa com o cabelo molhado, não sou mais refém da chapinha."

O REGRESSO

Cortar o cabelo para voltar aos cachos ainda é uma questão séria para muitas mulheres. E, com isso, as fabricantes de cosméticos e os salões viram nascer um filão: processos químicos que cacheiam cabelos alisados.

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Cintia Fonseca assumiu os cachos depois de anos de progressiva

Robson Trindade, do Red Team, oferece o tratamento "Inverter & Reverter", com produtos à base de amônia da marca de cosméticos Bien. O procedimento é feito em três fases: o primeiro produto, "quebra" a progressiva. O segundo, penetra nos fios, que são enrolados no bigudinho. Depois de uma hora, eles são lavados e hidratados. A técnica atraiu a estudante carioca Júlia Torres, 17 —na progressiva desde os 12—, que veio a São Paulo para ter o cabelo enrolado de novo. "Antes, tinha que ir ao salão a cada três meses. Agora é só lavar, passar o creme, amassar e está lindo!"

O cabeleireiro Jr. Hordan passou algum tempo estudando cabelos alisados para criar a técnica batizada de "reondulação". Hoje, além de fazer o processo, ele dá cursos sobre o método para outros profissionais.

Antes de qualquer procedimento é preciso fazer o teste da mecha. "É preciso, pois nunca se sabe o que tem [de química] no fio", afirma Trindade. Sobrepor químicas (permanente sobre alisamento) desperta a desconfiança entre profissionais. Heloísa Assis, a Zica, sócia da rede Beleza Natural, diz que ainda está estudando o método.

Seu maior medo é que a amônia, a longo prazo, resseque ainda mais o cabelo crespo. No Beleza Natural, as opções para quem quer sair do alisamento são: o corte supercurto, passar o super-relaxante (um produto químico que "solta os cachos") só na raiz ou começar a hidratar duas vezes por semana e deixar os fios crescerem totalmente naturais.

Mais radical, a jornalista e cabeleireira Sabrinah Giampá é contra qualquer produto que mexa na estrutura do fio. "A mulher quer se livrar da química para ter um cabelo com vida e saudável. Eu nunca faria um permanente em cima de uma progressiva." Ela começou a militar pelo cabelo natural em seu blog "Cachos e Fatos" e acabou abrindo um salão em sua garagem, onde atende as cacheadas.

Editoria de Arte/Folhapress
A fitagem deixa os cachos super definidos sem o aspecto melecado de creme

INTERNET ENCARACOLADA

Maraísa, porém, foi radical e se arrependeu. Depois de dois relaxamentos num intervalo curto de tempo, os fios começaram a cair e ela decidiu cortar os cabelos. "Chorei tanto que minha mãe até queria cortar também para me dar uma força."

Foi na internet que encontrou consolo: postou uma foto com os fios curtos e recebeu elogios e dicas sobre como cuidar deles. Nasceu, então, um diário em vídeo para acompanhar a saga. O cabelo e o número de seguidoras cresceram exponencialmente –hoje são 80 mil só no YouTube.

Rayza Nicácio, 23, também deve parte de sua fama aos cachos. "Viciada" em relaxamento desde os nove anos, passou, há quatro anos, a cultivar o visual natural. A mudança gerou tantas perguntas que Rayza, cansada de se repetir, gravou um vídeo, e assim começava sua vida de youtuber. Nesse processo, ela descobriu a "fitagem", que lhe rendeu o status de celebridade na web – hoje, tem mais de 300 mil seguidores. O vídeo abaixo, no qual mostra como fazia o cabelo aos 15 anos e como faz agora tem quase 1 milhão de visualizações.

Rayza Nicário

A busca pelo termo no YouTube gera quase 30 mil vídeos com meninas ensinando como passar creme no cabelo. Parece simples, mas não é. "Eu já trabalhava há anos com as diferentes texturas dos produtos para criar esses cachos quase que individualmente, mas o nome eu aprendi com a Rayza", brinca Wilson Eliodório, cabeleireiro da atriz Taís Araújo, também adepta da técnica.

A opção pelos cabelos cacheados não quer dizer que haja um look único. Miriam de Oliveira Matis, 26, cabeleireira da rede Beleza Natural, diz, por exemplo, que as paulistanas gostam de volumão. "Lá no Rio, elas usam mais baixinho", diz. Para "subir" o cabelo, basta passar os dedos na raiz, como se fosse um pente, sem ir até as pontas. Bater o cabelo de um lado para o outro também ajuda.

Ela virou cabeleireira para sair da progressiva. "Passava chapinha até para ir à padaria", brinca. Adotou a profissão e os fios cacheados. "Nunca mais volto para a progressiva."

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Salões para encrespar:

Red Door - Rua Bueno Brandão, 113, Vila Nova Conceição, tel. 3045-5586. Tratamento Inverter & Reverter, de R$ 1.900 a R$ 3.000

Beleza Natural - Shopping Center Lapa. Rua Catão, 72, loja 209, Vila Romana, tel. 3881-0128. Super-relaxante, R$ 99,90

Studio Hordan - R. das Esmeraldas, 176, Jardim, Santo André-SP, tel. 4427-7824. Reondulação, de R$ 250 a R$ 1.000

Garagem dos Cachos - garagemdoscachos@gmail.com Corte e hidratação, R$ 135

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Confira como fazer a fitagem e deixar os fios sem divisão:

Rayza Nicácio

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