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15/06/2012 - 09h15

Brasil desistiu de liderar agenda ambiental, diz Marina Silva

DA BBC BRASIL

Embora avalie que o Brasil avançou na proteção ambiental desde a Eco-92, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva diz que o país tem vivido um acelerado retrocesso no setor e que abriu mão de liderar as discussões globais sobre o ambiente.

"O Brasil nem busca mais essa liderança, ainda que reúna as melhores condições para fazer isso", diz Marina.

Em entrevista à BBC Brasil antes do início da Rio+20, a ex-ministra critica a atuação do governo na reforma do Código Florestal e cita duas iniciativas que, segundo ela, ameaçam os avanços conquistados: a Medida Provisória 558, que reduziu oito unidades de conservação na Amazônia; e a PEC 213 (Proposta de Emenda Constitucional), que tramita no Congresso e busca transferir do Executivo para o Legislativo a responsabilidade de demarcar terras indígenas.

"A base legal que fez com que, desde 2004, se conseguisse reduzir a pobreza e o desmatamento agora está sendo abolida", afirma Marina.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - A Rio+20 poderá ter resultados equivalentes aos da Eco-92?
*Marina Silva - A Eco-92 teve um esforço virtuoso, mas a agenda de implementação dos aspectos de mitigação não aconteceu porque não foi priorizada. A pauta continuou a ser o desenvolvimento no velho padrão, os recursos não foram mobilizados, e o Pnuma (Programa da ONU para o Meio Ambiente) não supervisionou o processo.

Após 20 anos, chegamos aqui com aumento significativo de governança ambiental nos Estados nacionais, mas com fragilidade na governança ambiental global. Por isso defendo a criação de um órgão na ONU para o meio ambiente, a exemplo dos que existem para o comércio, saúde, cultura.

Chegamos também com problemas graves em termos de prioridade política, porque percebemos que os países --sobretudo da Europa, em crise, mas também a China e os Estados Unidos-- não estão priorizando essa agenda. Como são sujeitos muito importantes, se não se mobilizam, fica difícil ter resultado positivo.

BBC Brasil - Como avalia o papel que o Brasil tem desempenhado nas discussões?
O governo brasileiro, que deveria ter tido papel de líder para que a Rio+20 permitisse revisitar os compromissos da Eco-92, fez questão de tirar o tema ambiental do debate. Estamos chegando à conferência, em que pese o avanço da consciência da população, com governos em posição totalmente refratária.

Houve também um exílio da ciência, por pressão de interesses econômicos, que domesticaram boa parte das lideranças políticas.

Se líderes políticos não querem falar, que pelo menos os líderes morais, a comunidade científica, possam dizer qual a avaliação desses vinte anos, quais os desafios.

BBC Brasil -Então o Brasil, na sua opinião, não exerce mais uma liderança na área ambiental?
O Brasil nem busca mais essa liderança, ainda que reúna as melhores condições para fazer isso. Se buscasse, não estaria promovendo o atual retrocesso em relação ao que já alcançamos, a menos que ache que terá liderança por marketing.

A base legal que fez com que, desde 2004, se conseguisse reduzir a pobreza e o desmatamento, agora está sendo abolida nas ações do Código Florestal, no movimento do Congresso sobre as terras indígenas, na pressão para diminuir unidades de conservação protegidas.

Assim como no Velho Mundo uma mulher (a chanceler alemã, Angela Merkel) tenta segurar a crise do velho modelo do século 21, no Novo Mundo poderíamos ter uma mulher buscando a nova economia do século 21.

Obviamente, se quiser corrigir rumos o governo tem condições, mas hoje o que prevalece é a hegemonia do pensamento atrasado de pequena parte do agronegócio, em que pese 80% da população ser contrária.

BBC Brasil - Boa parte das discussões sobre economia verde, um dos focos da Rio+20, se centram na busca de precificar (atribuir preço a) recursos ambientais e no papel dos mecanismos de compensação, como o REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Essa ênfase é correta?
Correta seria uma discussão sobre o desenvolvimento sustentável. Confinar a discussão ao debate econômico não levará a lugar nenhum, assim como se fizermos um debate puramente ambiental. É preciso integrar economia e ecologia numa mesma equação.

A sustentabilidade não pode ser uma nova métrica, mas uma força ética a orientar a maneira de ser. A partir desse ideal é que vamos reorientar nossa maneira de fazer as coisas e, ao mesmo tempo, preservar.

BBC Brasil - A senhora acredita, conforme dizem muitos governantes, que a proteção do ambiente só ocorrerá se for lucrativa?
Não há como ter desenvolvimento se não houver água potável ou terra fértil. A proteção desses ativos é que viabiliza a economia. O debate de pôr em métrica (os recursos ambientais) não está levando em conta que corremos o risco de comprometer o equilíbrio da terra.

Cuidamos de um idoso não pelo que ele poderá produzir ou nos ofertar, é pelo respeito que temos, por cuidado, amor. O mesmo deveria valer para recursos de milhares de anos que estão sendo sacrificados em nome do lucro de algumas décadas.

É preciso ressignificar a nossa experiência civilizatória: como ser feliz e livre num planeta limitado?

Não é fácil, mas para resolver precisamos começar a direcionar o desejo de felicidade para outras dimensões que não sejam ter e fazer. A humanidade se orienta para fazer e ter desde o Mercantilismo, mas antes disso as pessoas queriam ser.

BBC Brasil - Temores quanto aos efeitos da crise mundial no Brasil têm feito com que o governo adote ações em busca de garantir o crescimento econômico, como os recentes estímulos fiscais à indústria automobilística. Aumentar o PIB deve ser uma prioridade do governo?
O Brasil pode se desenvolver sem ser refém do crescimento pelo crescimento. O país tem condições de se desenvolver e gerar riqueza sem precisar de política de terra arrasada sobre a legislação ambiental, mas para isso tem que priorizar investimentos em outras tecnologias, em alternativas energéticas. Com bagaço e palha da cana daria para fazer três "Belo Montes".

BBC Brasil - Por que o governo e parlamentares simpáticos às causas ambientais não têm conseguido fazer frente à bancada ruralista nas discussões sobre o Código Florestal no Congresso?
Os parlamentares ambientalistas conseguiram muito para a quantidade que são. Obviamente há um descompasso entre o que Congresso faz e a sociedade. Há setores do Congresso que fazem escolhas em posição de minoria conservadora. Por outro lado, há uma omissão do governo, que não quer liderar agenda ambiental, mas mobiliza sua base em vários outros temas, como quando discute o pré-sal ou o salário mínimo.

Agora o governo deixou o assunto no comando do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) e 700 emendas foram apresentadas para piorar o que é impossível de ser piorado. Depois da Rio+20 veremos o resultado: será avassalador.

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