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08/11/2012 - 09h02

Brasil não é ingênuo em relação à China, diz analista política

DA BBC BRASIL

A China trata o Brasil de maneira diferente dos demais países latino-americanos por conta da menor 'ingenuidade' do governo brasileiro na relação bilateral, na visão da analista política Julia Strauss, considerada uma das maiores autoridades do mundo ocidental em assuntos governamentais e sociais da China.

Atualmente lecionando na Universidade de Londres, ela é ouvida por formadores de políticas dos Estados Unidos e da América Latina. Por mais de uma década até 2011, Strauss foi editora do China Quarterly, a renomada publicação da Cambridge University Press que é redigida e analisada por acadêmicos especializados nos mais diversos aspectos do governo e da sociedade chineses.

Em entrevista à BBC Brasil em recente visita a Washington, Strauss afirmou que o Brasil tem uma posição mais dura de negociação e compete diretamente com a China em questões como os investimentos na África, por exemplo.

"Dilma Rousseff não é alguém com quem se pode brincar. O governo brasileiro não vai ceder à China em negócios com a África", disse.

Leia a seguir a entrevista.

*

BBC Brasil - A China diz ter uma "parceria estratégica" com a América Latina. O que isso significa exatamente?

Julia Strauss - Ninguém sabe. Os chineses usam o termo "parceria estratégica" como uma maneira de identificar que um país ou região em particular é prioritário e está recebendo atenção especial, mas ninguém sabe em que consiste essa "atenção especial", pois seu conteúdo varia muito de acordo com o país.

A China está cada vez mais envolvida com organizações internacionais e regionais, mas, quando examinamos o conteúdo de suas políticas, quase tudo é negociado bilateralmente.

Esse interesse especial na região pode provocar atrito nas relações entre Pequim e Washington?

Os acadêmicos e os elaboradores de políticas chineses são cautelosos em relação a qualquer envolvimento do país na América Latina.

Eles estão incrivelmente cientes de que o domínio e a presença dos Estados Unidos na região datam de séculos atrás e fazem de tudo para assegurar a Washington que a China não quer interferir nessa relação.

Os chineses, inclusive, usam o termo "quintal dos Estados Unidos" para se referir à região.

Mas o comércio da China com a região está cada vez mais forte. Isso pode transformar a região em um palco de uma disputa estratégica entre Washington e Pequim?

Não. Pelo que sei, os representantes do Departamento de Estado americano dizem que não estão preocupados com uma concorrência com a China na América Latina.

Eles avaliam que um maior comércio e mais afluência na região é algo bom e que a China participa de um processo de globalização de modo positivo, e que, portanto, não há nada a temer.

A senhora diz que os chineses tratam o Brasil de maneira diferente do que outros países latino-americanos. Por quê?

Em parte, isso se deve à maneira pela qual os governos e as elites de alguns países latino-americanos aceitam a retórica chinesa e a repetem sem pestanejar.

O Brasil, entretanto, é um país maior e congrega mais vozes que participam direta ou indiretamente da formação das políticas estaduais e federais.

Tome-se o exemplo do Chile. Diferentemente do Brasil, ali a tomada de decisões está nas mãos de um grupo relativamente pequeno de pessoas formadas pelas mesmas normas neoliberais do início da década de 90.

Se você falar com ativistas comunitários de áreas pobres, com mineração e ecologicamente frágeis do Peru, você ouvirá uma visão bem diferente sobre a presença chinesa e o neoliberalismo do que ouve na capital.

Podemos dizer, então, que o Brasil seria menos "ingênuo" ao negociar com a China do que seus vizinhos?

Em comparação com outras nações da America Latina, o Brasil não é tão ingênuo. Por causa do tamanho, escala e, mais recentemente, crescimento econômico do Brasil, a China coloca o país em uma categoria diferente.

Há uma retórica dos Brics sobre o que dizem representar e o que as suas nações realmente fazem. Há uma enorme concorrência entre o Brasil e a China em países menos desenvolvidos como aqueles na África.

Os investidores do governo brasileiro são muito claros, particularmente em países luso-africanos, ao dizer que fazem negócios de modo diferente da China e se importam com direitos humanos, responsabilidade corporativa e meio ambiente, além de falarem o mesmo idioma.

Dilma Rousseff não é alguém com quem se pode brincar. O governo brasileiro não vai ceder à China em negócios com a África.

Em 10 anos, quem a senhora acha que estará no topo desse triângulo formado pela China, América Latina e Estados Unidos?

O crescimento rápido da China transformou completamente a economia mundial e vai continuar a fazer isso, por um único motivo: escala.

As taxas de crescimento, inevitavelmente, devem desacelerar. Mesmo assim, não podemos ignorar a China por causa de seu tamanho, por ter 1,3 bilhão de habitantes e por ser a fábrica do mundo.

A China está fazendo um enorme investimento em ensino e planejando para o futuro. A maior parte desse investimento é nas regiões costeiras, mas a população jovem das zonas rurais está migrando para as áreas urbanas.

Não vejo uma nação no topo do triângulo, mas uma interconexão e o aprofundamento de relacionamentos em ensino, indústria, investimento e transporte entre China, América Latina e Estados Unidos.

A China está escolhendo seus novos líderes. Qual é a sua expectativa para o país em mundo cada vez mais globalizado?

Um aspecto da globalização é que todos somos produtores e consumidores. Como a China é maior, ela pode produzir mais. Mas ainda não sabemos como as companhias chinesas vão mudar, conforme os salários sobem no país, para se adaptar a uma economia mais baseada em pesquisa e desenvolvimento e conhecimento.

Mas a China tem uma visão de longo prazo, com as decisões que o país está fazendo agora em investimentos em ensino, que não vejo nos Estados Unidos nem na América Latina. Por isso, acredito que a China provavelmente vai ficar muito à frente dos outros países em ensino e tecnologia.

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