Publicidade
Publicidade
Deed Poll e a mão da morta
IVAN LESSA
COLUNISTA DA BBC BRASIL, EM LONDRES
Eu vou mudar meu nome para Deed Poll e passar a ser detetive particular ou policial na Suécia, já que está na moda.
Vou virar romance, série de televisão, filme e entrar numa nota firme.
Sempre trabalhando na cidade do interior do país escandinavo, morando sozinho, fazendo amizade complicada com uma micreira exótica, tomando minha cervejinha em meu apartamento de homem divorciado, ouvindo meu Bach no moderno e vistoso aparelho de som.
O nome é tudo. Por isso, força é de vez em quando mudá-lo. Ou, para ser mais preciso, mudá-lo uma vez só na vida. Ser uma pessoa apenas é tedioso e desgastante. Duas ou três, dá em psicoterapia urgente.
Deed Poll. Dividindo o prenome com uma aspa única eis-me cantor ou diseur de rap. De'ed Poll. Sem papas na língua, controvertido, um passado com entrada em delegacia e um presente envolvendo mulheres de má fama e boníssima estampa.
O melhor é simplificar isso. Deed Poll é o termo em inglês --um documento legal-- em que a pessoa vai e muda oficialmente de nome.
Digamos que a apagada figurinha que o senhor tem ao seu lado nasceu e viveu uns bons 40 anos com o nome de John Harvey Smith. E John Smith, como é mais conhecido, nunca fez nada na vida a não ser viver a vida que os John Smith vivem aqui no Reino Unido. Vidas nada interessantes. De uma sem graceza única.
Daí um dia, bate-lhe um anjo, ou demônio, às costas e segreda em seu ouvido, de onde vai cair fundo na pobre alminha de nosso --herói?-- a sugestão, "Ei, cara, cê tá bobeando. Muda seu nome para um negócio mais quente, mais incrementado. Enver Hoxha, Bilbo Baggins, um troço assim, tá?"
E John, que era também, Smith, entra online e, numa questão de minutos, muda oficialmente de nome. Por uns cobres insignificantes. Quer dizer, ele foi de Deed Poll.
E tem gente que não acaba mais por aqui fazendo o mesmo. Mudando de nome, indo de Deed Poll.
Neste ano da impagável graça de 2010 um número recorde de pessoas trocou de nome, talvez na esperança de assim trocar também de vida: 90 mil para citar o número adiantado pela organização especializada que cuida dessas coisas, a Legal Deed Poll Service. Um nome, convenhamos, de dar água na boca e fazer coceiras nos documentos oficiais.
Um boneco de 29 anos, lá de Aberdeen, na Escócia, tal de David Lennox, tornou-se oficialmente Her Majesty The Queen, que não ponho nem entre aspas e, com alguma má vontade, dou apenas a tradução para os que chegaram mais atrasados: Sua Majestade A Rainha.
O indivíduo em questão alegou ter adotado o extremado gesto com o objetivo de angariar fundos para as caridades que combatem o câncer.
Eu, de meu canto sorumbático, vejo na medida, para ser franco, uma tentativa de fantasia de luxo num Carnaval escocês, que por certo deve existir. Algo assim feito "Catedral Submersa" ou "Sonho Inca". Por aí.
Uma outra, de Manchester, Jane Nash (poderia ser nome da namorada do mocinho), quando completou 40 anos, ganhou de presente de uma amiga, o nome de Miss Jelly St Totts.
O dado é preocupante. Quer dizer que se alguém quiser pode entrar no computador e mudar meu nome sem me consultar? Para outra coisa que não seja Deed ou De'ed Poll?
Acuso uma falha legal no modernoso sistema.
Nada mais justo do que os imigrantes que não param de chegar queiram anglicizar seu nome. Trata-se de uma forma de agradecer a hospedagem e ir se acostumando aos hábitos e cacoetes locais.
Outro dia mesmo, segundo a mesma organização que rege a mudança de nomes, houve o caso de um muçulmano que respondia ao nome de Tariq Ahmed e que adotou o nome de Daniel Jacob, beirando, assim, quase que uma circuncisão. Um belo gesto de paz.
Pena que Tariq/Daniel tenha mais tarde voltado atrás e resolvido continuar sendo o Ahmed de pia batismal, se é que os islamitas, mesmo os destituídos de cinturão de explosivos, são dados a esses hábitos ocidentais. O que o terá feito mudar de ideia, pergunta o broto de detetive que há em mim.
De qualquer forma, continuarei encarando a possibilidade de, mesmo tarde na vida, eu passar a ser Deed Poll. Ou mesmo De'ed Poll.
Uma coisinha, Dona "Escritora Holandesa", e a Holanda, como é que fica nessa história toda?
+ Canais
+ Notícias em Mundo
+ Livraria
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alvo de piadas, Barron Trump se adapta à vida de filho do presidente
- Facções terroristas recrutam jovens em campos de refugiados
- Trabalhadores impulsionam oposição do setor de tecnologia a Donald Trump
- Atentado contra Suprema Corte do Afeganistão mata 19 e fere 41
- Regime sírio enforcou até 13 mil oponentes em prisão, diz ONG
+ Comentadas
- Parlamento de Israel regulariza assentamentos ilegais na Cisjordânia
- Após difamação por foto com Merkel, refugiado sírio processa Facebook
+ EnviadasÍndice