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manuel da costa pinto
Brasileiros gravam peças de câmara do compositor Johannes Brahms
Brahms é o mais clássico dos compositores românticos, disciplinando a emoção pela estrutura severa. A afirmação, recorrente nos manuais de musicologia, pode obscurecer aquilo que existe de expressivo e perturbador da ordem na obra do compositor alemão. Dois lançamentos com intérpretes brasileiros nos aproximam da parte mais complexa de sua obra: a música de câmara.
"Meeting Brahms" reúne suas três sonatas para violino e piano, com Emmanuele Baldini (italiano radicado no Brasil e "spalla" da Osesp) e Caio Pagano (pianista célebre por sua abordagem do repertório contemporâneo).
Em "Brahms & Franck - Sonatas", o violoncelista Raïff Dantas Barreto e o pianista Alvaro Siviero interpretam a primeira sonata de Brahms para os dois instrumentos e uma transcrição da "Sonata para Violino" do belga César Franck.
"Meeting Brahms" foi registrado nos EUA, onde Pagano leciona na Universidade do Arizona, e pode ser encomendado pelo site da gravadora. As sonatas nº 1 e 2 são exemplares do equilíbrio brahmsiano: obliteram o virtuosismo e, com lirismo puro e controlado, expõem a inventividade melódica de Brahms (algo de que nenhum ouvinte de seus quartetos de cordas jamais duvidou).
A "Sonata nº 3", porém, pertence a outra escala de criação, não apenas por ter quatro movimentos (contra os três da sonata convencional), mas por seu progressivo vigor.
Depois da "forma-sonata" inicial, da cavatina do segundo movimento e da rapsódia do terceiro (em contagiante interpretação de Baldini e Pagano), essa obra poderosa do Brahms tardio, irmã gêmea de seu "Quinteto para Piano Opus 34", traz variações que examinam um tema tempestuoso sob todos os ângulos, descobrindo arestas no limite da dissolução harmônica.
A "Sonata para Piano e Violoncelo nº 1" só não é a maior da história porque, nesse gênero, Beethoven foi precursor inatingível de um gênio quase à sua altura. Com Dantas Barreto e Siviero, contrastes entre passagens lentas e aceleradas marcam diferença na interpretação de uma peça muito frequentada -e têm a virtude de nos lembrar, pela sonoridade arcaizante, a dívida de Brahms com Bach.
Na transcrição da sonata de Franck, perde-se a perturbadora histeria do violino no refrão que atravessa a versão original (no qual muitos leitores de Proust reconhecem a peça imaginária que, no romance "Um Amor de Swann", está associada ao torturante ciúme do protagonista). Em contrapartida, essa música do austero organista belga soa mais próxima do classicismo romântico de Brahms.
DISCOS
MEETING BRAHMS ****
ARTISTA: Emmanuele Baldini e Caio Pagano
GRAVADORA: Soundset (US$ 25,20; www.soundset.com)
BRAHMS & FRANCK: SONATAS ***
ARTISTA: Raïff Dantas Barreto e Alvaro Siviero
GRAVADORA: Clássicos (R$ 25)
*
LIVROS
A OBRA-PRIMA IGNORADA ***
Honoré de Balzac; tradução de Teixeira Coelho (Iluminuras, 112 págs., R$ 33).
O conto de Balzac, sobre um pintor do século 17 que enlouquece com a ousadia de sua arte, não chega a ser uma obra-prima. Mas o ensaio "Entre a Vida e a Arte", de Teixeira Coelho, publicado junto com sua tradução, descobre ressonâncias insuspeitadas entre o realista francês e a arte romântica e moderna, num texto que é uma obra-prima da reflexão estética.
O RUMOR DOS CORTEJOS ***
Vários; organização e tradução de Pablo Simpson (FAP-Unifesp, 376 págs., R$ 40)
Na era das vanguardas, floresceu na França uma literatura de extração católica, representada na prosa por Bernanos e Mauriac. A antologia, com o subtítulo "Poesia Cristã Francesa do Século 20", reúne poetas (Paul Claudel e Pierre Reverdy entre eles) que recusam a ironia moderna, mas acolhem a estética pós-simbolista numa nova espiritualidade.
FILME
A DANÇARINA E O LADRÃO **
Fernando Trueba (Paris, locação; blu-ray, R$ 106,90)
Golpista célebre sai da cadeia com o propósito de se regenerar, encontra a ingratidão de mulher e filho -e um jovem meliante que o idolatra. Trueba flutua no escapismo para tratar do Chile
pós-Pinochet, mas o ator argentino Ricardo Darín, com sua melancolia malandra, serve de lastro para a fábula baseada em livro de Antonio Skármeta.
Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.
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