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13/09/2010 - 15h45

Enfermeira explica a importância da velocidade da comunicação em hospitais

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THEREZA BROWN
DO "THE NEW YORK TIMES*

Nos hospitais, há um tipo especial de comunicação entre médicos e enfermeiros muito difícil de aprender, a qual apelidei de "tagarelice".

Na tagarelice, a velocidade é muito mais importante que o estilo e as conversas contêm jargões incompreensíveis para quem não trabalha na área --são termos médicos de difícil compreensão, cuidadosamente organizados para relatar a história de um paciente.

Você precisa falar rapidamente e existe uma pressão enorme para acertar. Se você não falar direito, informações importantes podem ser perdidas e --sem querer exagerar-- o paciente pode morrer.

Aprendi esta lição no início de minha carreira como enfermeira. Certa vez, uma paciente soltou um gemido repentino, parecido com o de um animal. Sua cabeça balançava descontroladamente. O episódio durou poucos segundos e então ela passou a se queixar de que seu braço direito estava dormente.

Isso aconteceu no momento da mudança de turnos, de modo que outra enfermeira estava no quarto comigo e testemunhou o ocorrido. Assustadas com o estranho estado da paciente, resolvemos acionar uma equipe de emergência para se dirigir ao quarto.

Quando a equipe chegou, uma enfermeira do setor de tratamento intensivo perguntou se a paciente havia perdido a consciência. Recordando meu passado como professora de redação, levei um tempo para pensar sobre o que aconteceu, a fim de que pudesse descrever os fatos com exatidão.

A paciente desmaiou? Foi um ataque epilético? Será que ela teve um derrame cerebral? Foi então que percebi que meu esforço para dar uma resposta sensata
estava incomodando a enfermeira da UTI.

Ela me olhou exasperada. O tempo estava passando. Ela não queria a resposta perfeita, mas apenas uma resposta.

Naquele instante entrou Julie, a enfermeira que estivera no quarto comigo. "Ela parece ter desmaiado", disse ela num impulso. Foi neste momento que descobri que as narrativas dentro do hospital tinham mais a ver com E.E. Cummings do que com Tolstoy.

Outro paciente precisava ser transferido para a UTI. A médica residente planejava relatar ao médico da UTI sobre a transferência. Porém, como ela precisou se afastar, coube a mim fazer o relatório e tagarelar.

Os médicos da UTI não concedem leitos com muita facilidade, por isso eu precisava convencê-los de que este paciente realmente precisava ser transferido. Eu conhecia o médico, porém não sabia que tipo de pressões ele sofria e se poderiam contrabalancear com meu pedido.

Então apelei para a tagarelice: "paciente IL-2, hipotenso, PA variando entre 7 por 4 e 6 por 3, taquicardia ocasional, medicação pela manhã para pressão de 8 por 5, recebendo mais medicação neste momento, sobrecarga de líquidos presente, crepitações nas bases."

Respirei por um instante e então perguntei blefando: "Existe algo mais que gostaria de saber?" Eu tinha acabado de informar o médico que, como resultado da quimioterapia, o paciente apresentava uma pressão extremamente baixa, seus batimentos cardíacos estavam muito acelerados, e nós já havíamos ministrado mais medicação intravenosa que seu corpo poderia suportar.

Eu não tinha mais nada a acrescentar, nenhum outro problema médico, mas pensei que seria bom sugerir que seus problemas eram sérios o bastante para que se dissesse mais alguma coisa.

"Não", respondeu o médico. Ele permaneceu em silêncio por um minuto até que, à sua maneira, aceitou meu blefe.

"Geralmente estes casos são terapias de altos e baixos", disse ele, lembrando que aquela crise poderia ser resolvida assim que o paciente fosse para a UTI. "Mas ele pode ser transferido para um quarto, sim."

"Sério?!", disse eu, abandonando meu papel de profissional segura e determinada e comemorando como uma criança de cinco anos que vai ganhar um cachorro de presente. Fiquei feliz e aliviada --a tagarelice havia funcionado.

O alívio durou pouco. Enquanto nos preparávamos para transferir o paciente para a UTI, ocorreu uma chamada no outro andar, o que significava que meu paciente poderia perder o leito que lhe fora prometido.

Me senti fisicamente mal. De tempos em tempos, os enfermeiros precisam cuidar de pacientes que deveriam estar na UTI, porém não há leitos disponíveis. É um trabalho difícil e desgastante.

Depois de longos cinco minutos, recebi o sinal verde da enfermeira responsável. Seja lá o que tenha ocorrido naquela chamada, o leito na UTI ainda era do meu paciente. Pegamos o elevador. A pressão arterial do paciente ainda estava perigosamente baixa.

Finalmente chegamos à UTI e, muito embora eu lhes tenha fornecido um boletim gravado em fita sobre o paciente, a enfermeira queria saber mais.

Respirei fundo e comecei a tagarelar.

Theresa Brown é enfermeira especializada em oncologia e contribui com um blog de saúde para o "New York Times". Ela é também autora do livro "Critical Care: A New Nurse Faces Death, Life and Everything in Between"

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