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20/06/2010 - 06h00

Torcedor do Uruguai, criador do uniforme verde-amarelo, compara Neymar a Garrincha

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THAIS BILENKY
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CAPÃO DO LEÃO (RS)

Dona Marlene, 75, está revoltada. Desde que conheceu seu marido, há quase 55 anos, é a mesma história: chega a Copa do Mundo e Aldyr está lá, com o coração na mão pela seleção que, em 1950, tirou do Brasil o sonho do primeiro título.

Aldyr Garcia Schlee, 75, criou há 57 anos a camisa verde e amarelo da seleção --um dos mais eficientes cartões de visita brasileiros, da Palestina aos Alpes suíços. Mas ele vai torcer pelo Uruguai, como faz desde que se entende por gente.

Nada de birra, garante. É que Aldyr nasceu em Jaguarão, cidade do Rio Grande do Sul que faz fronteira com o país vizinho, e cresceu "escutando na rádio tangos, boleros e notícias do Uruguai".

Ele morava em Pelotas (RS) quando, aos 19 anos, soube do concurso aberto pelo extinto jornal "Correio da Manhã". O desafio: dar nova cara ao uniforme da seleção brasileira, azul e branco.

Veja vídeo

O jovem Aldyr correu para comprar "uma tinta guache holandesa, que foi paga em prestações por quase um ano". E começou a rabiscar.

Usar as quatro cores da bandeira no uniforme era uma das exigências da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antepassada da CBF). O horror para Aldyr, já que "isso não é uma tradição no futebol mundial".

Para driblar o regulamento, ele decidiu "despejar o azul e branco nas meias e calções". A ideia colou.

Reza a lenda que o modelo repaginado serviria para tirar a zica daquela derrota para o Uruguai no Maracanã. "Precisa desmentir isso", diz. "Tanto que o Brasil perdeu em 1954, na Suíça".

No dia 15 de dezembro de 1953, o "Correio da Manhã" reproduziu pela primeira vez o modelo canarinho.

O vencedor recebeu convite para estagiar como ilustrador no jornal, "uma bolada que dava para comprar um carro popular" e "uma cadeira 'perpétua' no Maracanã".

Pouco depois, Aldyr foi entregar sua criação aos jogadores. Na vez de Zizinho, craque do Bangu, escutou o que até hoje considera "a maior definição" para o esporte.

"Como torcedor, encaro futebol com paixão. Mas tenho certeza de que, em épocas de amadorismo ou hiperprofissionalismo, nada mais certo do que a frase do Zizinho: 'Futebol é uma merda'".

Ritual

Toda Copa ele faz sempre tudo igual. Com um mês de antecedência, começa a confeccionar um livrinho da Copa, uma espécie de álbum de figurinhas artesanal.

Nele, registra todos os resultados, desenha a carinha dos jogadores de cada seleção e anota impressões gerais sobre o torneio.

Ele e a mulher acompanharão todos os jogos --na primeira fase, são três por dia, ou 270 minutos diários de futebol.

Aldyr não gostou da escalação de Dunga. Mas não viu tanto problema no técnico ter deixado Neymar de lado na hora de montar a equipe. Garrincha, afinal, também ficou de fora em 1954. Quatro anos depois, deu no que deu.

'Inimigo da pátria'

De 1953 para cá, Aldyr foi rebatendo todas as bolas que a vida lhe jogou. No passado, dividiu plantões de trabalho e mesas de bar com ilustres do jornalismo, de Samuel Wainer a Nelson Rodrigues.

Também foi professor de direito internacional. Por conta disso, na metade dos anos 1960, virou persona non grata para a ditadura. Chegou a ser banido de uma faculdade no Rio Grande do Sul por três anos, acusado de "atividades filocomunistas", segundo documento que afirma ter recebido em 1965.

Tudo intriga da oposição, já que mexer com política não era a dele, garante Aldyr. Afirma, contudo, diz ter abrigado em seu apartamento de Pelotas algumas "cabeças a prêmio" do regime militar.

No começo daquela década, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (região Sul) por uma matéria, sobre combustível mineral, que entusiasmou o presidente Jango. A década de 1980 lhe rendeu dois prêmios na Bienal.

Escritor prolífico, Aldyr tem duas gavetas cheias de livros de sua autoria, com temas que vão de historietas de futebol a uma suposta "identidade secreta uruguaia" de Carlos Gardel.

Vive num sítio em Capão do Leão (perto de Pelotas). Numa parede da casa, a plaquinha da "Rua Uruguai". Dona Marlene nem esquenta a cabeça: prefere jogar na cara do companheiro a vitória contra o Uruguai, de 4 a 0, nas eliminatórias-2010.

Esta reportagem faz parte do projeto 12emcampo, da Editoria de Treinamento da Folha.

 

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