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Dos 11 mil naufrágios que
teriam ocorrido no litoral do Brasil, pouco mais de mil estão
catalogados nos arquivos da Marinha
(19/3/2000)
Historiadores e aventureiros
disputam sobra de naufrágios
KAMILA FERNANDES
PAULO ZOCCHI
da Agência Folha
Sob
as águas do oceano Atlântico, na costa brasileira,
destroços de navios naufragados nos últimos 500 anos
despertam a atenção de pesquisadores e a cobiça
de caçadores de tesouros, que investem milhões de
reais em buscas.
Apenas parte da história do fundo do mar do Brasil foi decifrada:
dos prováveis 11 mil naufrágios, pouco mais de mil
foram catalogados nos arquivos da Marinha. O levantamento particular
do pesquisador paulistano
Marcello De Ferrari aponta 2.800 navios afundados documentados.
Desses, no máximo 600 foram efetivamente descobertos.
Um dos problemas é a escassez de documentação,
principalmente das embarcações mais antigas. O primeiro
naufrágio oficial brasileiro, da nau de Gonçalo Coelho,
de 1503, integrante de uma comitiva liderada por Américo
Vespúcio, continua sendo um mistério.
Outro grande entrave às pesquisas é o alto investimento
necessário. A exploração de um naufrágio
pode chegar a custar US$ 45 mil (R$ 78 mil) por dia, dependendo
das dificuldades do local.
Para caçadores de tesouro, o custo pode ser recompensado
pelo valor dos objetos submersos. Mas esse interesse comercial preocupa
arqueólogos, que vêem nos restos dos navios um patrimônio
da humanidade.
Por conta da fiscalização insuficiente, parte das
peças acaba nas mãos de exploradores ilegais. Na Marinha,
existe só um responsável por acompanhar pesquisas
por todo o litoral brasileiro, o arqueólogo Luiz Octavio
Cunha.
O próprio acervo do Espaço Cultural da Marinha, no
Rio de Janeiro -cerca de 2.000 peças-, corresponde a pouco
mais de 20% do que foi resgatado oficialmente no país, isso
sem contar a exploração irregular desconhecida. É
possível ver no local de moedas raras de ouro a peças
chinesas e japonesas de porcelana, equipamentos náuticos,
canhões e jóias.
"Quem investe em uma pesquisa sempre quer algum retorno. É
uma forma de incentivar as buscas", disse Cunha.
E o retorno pode ser grande. Um dos navios submersos em águas
nacionais mais cobiçados é o Santa Rosa, afundado
em 1726 no Nordeste, em um ponto ainda incerto. Acredita-se que
a nau portuguesa saía de Salvador em direção
à Europa com o equivalente a US$ 1 bilhão em ouro.
Há três anos, o empresário francês Denis
Albanese iniciou a empreitada, auxiliado por firmas estrangeiras,
para localizar o navio, mas, segundo ele mesmo, nada foi encontrado.
"O Santa Rosa pode estar entre 500 metros e 4.500 metros de
profundidade, o que torna quase impossível encontrá-lo.
Mas não irei desistir", disse.
Albanese prepara-se agora para outra busca milionária: a
do navio Rainha
dos Anjos, naufrágio ocorrido em 1722 na Baía de Guanabara.
A embarcação levava, da China para Portugal, um carregamento
de porcelana avaliado em US$ 450 milhões. Quando encontrada,
a carga poderá ter seu preço multiplicado -o retorno
deve ultrapassar o valor orçado para as buscas, US$ 2 milhões,
de acordo com o próprio empresário.
Na contramão da caça aos tesouros, entidades como
o Icomos (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios)
e a Unesco (Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura) consideram
o que está no fundo do mar como patrimônio da humanidade,
que não pode parar nas mãos de aventureiros.
Neste sentido, é visto como o ideal retirar o menor número
possível de
peças dos naufrágios, preservando o sítio arqueológico.
"O resgate de objetos não é arqueologia. Trabalhamos
com o contexto", afirmou Gilson Rambelli, arqueólogo
da USP (Universidade de São Paulo) e representante do Brasil
no Icomos.
Francisco Alves, diretor do Centro Nacional de Arqueologia Náutica
e Subaquática de Portugal, tem a mesma opinião. "Os
caçadores de tesouros agem como um legista que arranca os
anéis de ouro e destrói o cadáver sem investigar
a causa da morte."
Para Rambelli, o fascínio provocado pelo mistério
do que existe no fundo dos oceanos, como tesouros e objetos valiosos,
é o que impede a manutenção dos sítios
subaquáticos intocados. "É um fetiche. Apenas
com um trabalho longo de conscientização será
possível diminuir o número de saques a naufrágios."
O sonho de encontrar riquezas praticamente destruiu o Príncipe
de Astúrias, o Titanic brasileiro. Afundado em 1916 em Ilhabela
(SP), um ano após o naufrágio mais famoso do mundo,
o navio estaria carregando ouro, além de 447 passageiros
e um número incerto de refugiados alemães da Primeira
Guerra.
Na busca dessas riquezas, aventureiros usaram explosivos e destruíram
parte do navio. Entre as peças da embarcação
resgatadas está uma estátua de mulher, de quase dois
metros de altura. Ainda existiriam outras 12 estátuas iguais
dentro do Príncipe de Astúrias. O objeto foi resgatado
pelo empresário grego Jeannis Michail Platon, que o entregou
à Marinha.
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de quilombos ainda esperam pela terra
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