|
O Peabiru atravessava Brasil,
Paraguai, Bolívia e Peru; o caminho era usado
pelos índios guaranis antes da chegada dos europeus
(20/02/2000)
Paraná
guarda últimos trechos da estrada indígena que cortava
a América do Sul
WAGNER OLIVEIRA
da Agência Folha, em Pitanga
Pequenos
trechos do Peabiru, trilha indígena pré-Descobrimento
que ligava o sul do Peru ao lugar onde hoje está a cidade
de São Vicente, no litoral paulista, ainda resistem nos municípios
paranaenses de Campina da Lagoa e Pitanga -mas correm o risco de
desaparecer em breve.
O Peabiru era usado pelos índios guaranis para buscar e transportar
caça, ligar diversas aldeias e, de acordo com alguns estudos,
procurar o que chamavam de "Terra sem Males", um lugar
paradisíaco que imaginavam existir a leste. Com a chegada
dos europeus, o caminho foi utilizado pelos conquistadores para
penetrar no território sul-americano.
Hoje os trechos que restaram no Brasil estão abandonados
pelos órgãos que cuidam do patrimônio histórico.
O pedaço da trilha ainda preservada está no Paraná,
que formava, com o Paraguai, o centro do território guarani.
A trilha também "serviu para as andanças e até
grandes migrações de povos indígenas e, mais
tarde, para a descoberta de riquezas, criação de missões
religiosas, comércio, fundação de povoados
e cidades", resume a escritora Rosana Bond, autora do livro
"O Caminho de Peabiru".
A agricultura apagou a maior parte da trilha. Em São Paulo,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, os pesquisadores
não conhecem a existência de nenhum resto do caminho.
Um tronco principal e vários ramais formavam a estrada. O
leito era uma valeta de, em média, 1,40 m de largura e 40
cm de profundidade, forrado por uma gramínea que impedia
o crescimento de outra vegetação e a erosão.
Um dos últimos vestígios do Peabiru foi encontrado
no início da década de 1970 pela equipe do professor
Igor Chmyz, do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas
da Universidade Federal do Paraná. A equipe achou cerca de30
km da trilha na área rural de Campina da Lagoa. Para o professor,
a parte descoberta era um ramal. Ao longo da trilha, o pesquisador
descobriu sítios arqueológicos com restos de habitações
utilizadas, provavelmente, quando os índios estavam em viagens.
O trabalho foi publicado na revista "Dédalo", do
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo,
em 1971.
Após 30 anos da descoberta, restam poucos segmentos da trilha,
localizada dentro de propriedades particulares do município.
Em Pitanga, restos da trilha também estão em áreas
privadas, em uma extensão de menos de 10 km. "Alguns
pedaços do caminho foram preservados porque o desenvolvimento
da soja não foi tão rápido na região
de Pitanga. Não fosse isso, também já teriam
desaparecido", disse Chmyz. Os vestígios localizados
em Pitanga provavelmente faziam parte do tronco principal do Peabiru.
Segundo Almir Pontes Filho, geógrafo e arqueólogo
do Patrimônio Histórico do Paraná, o governo
estadual está desenvolvendo o projeto Caminhos Históricos,
na tentativa de encontrar e preservar trilhas antigas.
Atualmente os pesquisadores trabalham no Caminho de Itupava, que
ligava, pela serra do Mar, Curitiba a Paranaguá no século
18.
"O projeto prevê trabalho sobre o Peabiru. O problema
é que a identificação de caminhos indígenas
é muito mais difícil, por ser de uma época
remota e haver poucas referências físicas", afirmou
Pontes. "Os caminhos indígenas pré-cabralinos
têm uma grande importância. Nossa intenção
é preservá-los, apesar de a paisagem ter mudado bastante
nos últimos 500 anos", disse o superintendente regional
do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), José La Pastina.
Para a arqueóloga Zulmara Sauner, do Museu de História
do Paraná, só a pesquisa sobre o Peabiru é
insuficiente. "Ou se faz uma conservação posterior,
com desapropriação da área, ou é melhor
deixar como está", afirmou.
Leia mais: Xavantes
abrem "embaixada" em São Paulo
|
|