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31/12/2008 - 11h16

Brasileiros revelam drama nos dois lados do conflito

ALESSANDRA CÔRREA E FERNANDA NIDECKER
da BBC Brasil, em Londres e São Paulo

No meio do fogo cruzado, brasileiros que moram na faixa de Gaza e em uma das cidades israelenses próximas à fronteira com o território palestino dizem que conviver diariamente com o medo da morte já se tornou parte de suas vidas.

Mohamed Abdel Malik, 17, e Ilan, 24, moram em lados opostos do conflito e relataram por telefone à BBC Brasil o drama que têm vivido desde que os recentes confrontos entre palestinos e israelenses começaram no último sábado.

Filho de pais palestinos, Mohamed Abdel Malik deixou Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, há dois anos e meio e se mudou com a mãe e as três irmãs para Deir el-Balah, no centro da faixa de Gaza.

Ele diz que, assim como grande parte da população local, já se acostumou com a violência do dia-a-dia no território palestino.

"A gente vai fazer o quê? Não tem um lugar para fugir. Todo mundo já se acostumou a viver na rua. Eu estou andando no meio da rua e os aviões estão sobre a minha cabeça, você pode até ouvi-los", disse Mohamed à BBC Brasil.

Experiência semelhante é compartilhada por Ilan, um paulista de 24 anos que há três mora na cidade de Ashkelon, no sul de Israel. O local fica a apenas 10 quilômetros da fronteira com Gaza e é uma das áreas mais atingidas pelos foguetes palestinos.

"Viver em Ashkelon é conviver com o medo da morte diariamente", afirma Ilan. "Todos os dias, as sirenes tocam de cinco a dez vezes e temos que parar o que estamos fazendo e ir para um dos abrigos, que são áreas construídas com materiais especiais que protegem contra mísseis", conta o paulista, que pediu que seu sobrenome não fosse publicado.

"No meu apartamento, um dos quartos é um bunker. Se estou em casa já ajuda, mas se estiver de carro na rua, tenho que parar imediatamente, deixar o carro onde estiver e correr para o lugar mais perto de proteção ou deitar no chão e cobrir a cabeça".

Caos

Apesar de estar habituado com a situação de conflito na Faixa de Gaza e afirmar que não alterou sua rotina, Mohamed sentiu o impacto dos ataques iniciados no fim de semana.

'Eu estava no meio de uma prova quando caiu uma bomba, no primeiro dia. Todos os garotos estavam fazendo a prova e começou um bombardeio perto da escola. Todo mundo correu para casa', disse o estudante, que cursa o equivalente ao segundo ano do ensino médio.

'Todas as escolas estão fechadas, as lojas, está tudo fechado.'
Segundo Mohamed, a situação no território é caótica. 'Os hospitais estão lotados. Há gente dormindo no chão, pessoas sendo atendidas na rua', disse. 'Você vê pedaços de carne humana nas ruas.'

O estudante disse que outro problema é a falta de luz. 'Só há eletricidade por quatro ou seis horas, no resto do dia fica tudo escuro. Agora, enquanto falo com você, estou no meio da rua, na escuridão.'

Em Askelon, Ilan diz que antes mesmo do anúncio do fim da trégua por parte do Hamas no último dia 19, a cidade já vinha sendo atingida por foguetes disparados pelo grupo palestino.

"Há algumas semanas estava jogando bola na praia com outros amigos brasileiros e a sirene tocou. Não tínhamos para onde fugir e um míssil caiu a cerca de 50 metros de onde estávamos. Se não houvesse um desnível entre o calçadão, onde o explosivo caiu, e a areia, teríamos sido atingidos certamente", conta Ilan.

"Foi um dos momentos em que mais me senti ameaçado", diz.

Ilan, que trabalha com construção de redes de segurança para prédios, relembra ter vivido outra situação de perigo em fevereiro, quando seu carro foi completamente destruído por estilhaços de um foguete.

"Tinha acabado de chegar ao banco quando ouvi o barulho. A sirene tocou, todo mundo ficou apavorado e tivemos que ficar lá dentro por um bom tempo. Quando saí, encontrei meu carro completamente destruído".

No lugar de fogos, bombas no céu

Apesar de ter passado por situações como estas, o paulista diz que "o medo da morte não é maior do que a convicção de sua vida é em Israel".

"A minha vida está construída em Ashkelon, tenho trabalho, amigos, parentes, não tenho como largar tudo e voltar para o Brasil. O medo atrapalha muito a vida, mas não é mais forte do que a convicção de que é aqui que quero morar o resto da minha vida", afirmou.

Ao contrário de Ilan, Mohamed tem vontade de voltar para o Brasil. Apesar de se considerar brasileiro, o jovem tem apenas a cidadania palestina.

"Com certeza eu tenho vontade de voltar para o Brasil porque foi o lugar onde eu cresci. Eu sou brasileiro. Todos os meus amigos estão no Brasil."

Sua família, que havia se mudado para o Brasil quando ele tinha oito meses de idade, decidiu voltar para a terra de seus ancestrais. "Meus avós todos moram aqui, meus tios, todos os meus parentes estão aqui."

Ele conta que, no início, teve dificuldade em se adaptar a uma rotina tão diferente.
"Cheguei aqui e não sabia falar nada em árabe. Entrei na escola sem saber uma palavra em árabe. E ainda veio a guerra", disse.

De acordo com Mohamed, a maior parte da população "não tem nada a ver com política", mas acaba afetada diretamente pelo confronto entre Hamas e Israel.

"A maioria do povo aqui não tem nada a ver com política. E são eles que estão sofrendo."
Ao ser questionado sobre como iria comemorar o Ano-Novo, o jovem riu. "O Ano Novo é uma coisa engraçada. Quando estava no Brasil, eu sempre ia para Copacabana, ver os fogos. Até brinquei com a minha mãe. Neste ano, no lugar de fogos de artifício, vamos ver bombas no céu."

 

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