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01/10/2009 - 08h31

Em Nova York, a fundação do Brasil

LUCAS MENDES
da BBC

Do número 345, na Sétima Avenida em Nova York, é um bom lugar para tirar uma foto da pobreza do Brasil. Lá fica a sede da BrazilFoundation, uma ONG criada há nove anos pela infatigável Leona Forman, que foi repórter do "Jornal do Brasil" no Rio e trabalhou 20 anos na ONU.

Quando se aposentou das Nações Unidas, criou um plano simples e dificílimo: recolher grana aqui --captar fundos, em linguagem fina-- e mandar para nossos guerreiros que lutavam contra nossa pobreza.

Não foi a primeira, nem é a única ONG que joga neste time, mas a seleção da Leona difere das outras porque a fundação dela não tem projetos próprios e os setores que cobre são abrangentes --educação, saúde, direitos humanos, cidadania e cultura. Qualquer ONG pode pedir dinheiro à BrazilFoundation e milhares pedem.

Em 2002, o primeiro da distribuição de verbas, quatro projetos foram beneficiados com US$ 30 mil arrecadados por Leona e companhia. Vieram de jovens profissionais brasileiros na indústria financeira, bancos e escritórios jurídicos nos Estados Unidos. Hoje todos quatro continuam ativos.

Atualmente, a maior doação é de R$ 30 mil, mas várias ONGs pedem menos do que R$ 30 mil e a Fundação, quando tem dúvidas sobre um projeto, dá um incentivo de R$ 15 mil e fica de olho nos resultados. Se funcionam, recebem os 30 no ano seguinte. Já mandou US$ 11 milhões de dólares para 286 fundações nos últimos 7 anos.

A leoa é fina, mas não é mansa e é fácil tirar dinheiro dela. No Brasil há um escritório dirigido por outra fera, Susane Worcman. Ela e analistas da fundação visitam cada um dos projetos que pedem verba. Dos 826 candidatos deste ano, 24 foram selecionados.

O grosso do dinheiro é recolhido num jantar anual que foi nesta terça passada. Apesar da crise, as mesas estavam cheias com ingressos de US$ 500, US$ 1000 e US$ 2.500 por cabeça, e mesas de US$ 2,500, US$ 15,000 e US$ 20,000. A maior parte pode ser deduzida do imposto de renda americano.

Há também um "leilão silencioso" com lances por escrito. Este ano, entre as ofertas, havia bola autografada por Pelé, joias, objetos de arte e luxo e um pacote de passagem executiva da TAM com quatro noites numa suíte do Fasano no Rio.

Leona não tem dados exatos dos líderes das ONGs quando começou a sua fundação, mas um levantamento feito no ano passado mostra que a idade média dos coordenadores de hoje é de 35 anos, metade são mulheres e 70% tem curso superior.

Algumas delas têm nomes preciosos, como as Mulheres Raspadeiras de Mandioca de Santo Antão, em Pernambuco, e o Fortalecimento da Banda Revoltosa, de Nazaré da Mata, também em Pernambuco. Quando a Revoltosa recebeu um incentivo de R$ 12.500 da Fundação, se animou e correu atrás.

Conseguiu entrar na lista de "ponto de Cultura" no Ministério da Cultura, e pegou mais R$ 180 mil. Entrou numa competição de samba, ganhou o concurso e subiu o preço do ingresso para suas apresentações. Com a semente da Leona, a Revoltosa de Nazaré, em um ano, entrou numa nota alta: R$ 250 mil.

No começo, a maioria das ONGs eram de educação e saúde. Hoje muitas envolvem cidadania e direitos humanos, entre elas uma de Tucano, na Bahia, que ensina jovens estudantes a lidar com o orçamento da cidade e entender o processo legislativo.

O jantar de terça começou com o Harlem Samba, um batidão com uma boa história. Dana Monteiro, do Cabo Verde, foi ao Brasil e foi contaminado pelas nossas baterias. Na Academia Frederick Douglas, no Harlem, uma das melhores escolas públicas de Nova York, ele fundou uma batucada que começou com meia dúzia de batuqueiros e hoje são mais de 500, inclusive moças, descendo o pau nos tambores e tamborins. Faltam pandeiros, reco-recos, cuícas e berimbaus, mas o som dos vinte e poucos batuqueiros é ensurdecedor. Xaca xaca xaca bum. Ninguém dá um pio, não adianta.

Numa de de suas viagens pelo interior do Brasil, há uns 40 anos, Leona e o marido passaram por Surubim, em Pernambuco, um fim de mundo com uma igreja e um punhadinho de vendas. Hoje tem mais de 50 lojas de eletro-domésticos, mais de 50 papelarias e lojas de material escolar e mais de 50 sapatarias.

Ela atribui o crescimento, em grande parte, às politicas econômicas das últimas duas décadas, às bolsas e planos dos presidentes FHC e Lula, mas a prosperidade tem seu preço. "O Brasil mais rico", diz Leona, "afastou agências de desenvolvimento e grandes fundações". Com nosso "pibão" e nossa "marolinha", os ricos doadores estão levando suas malas de dinheiro para paragens mais pobres.

Nossa pobreza está longe de ser resolvida e, mais do que nunca, depende de nossas próprias raspadeiras como Leona Forman.

 

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