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13/09/2003 - 10h03

"Reforma não pode ser entregue aos interesses do empregador", diz TST

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VINICIUS QUEIROZ GALVÃO
da Folha Online

Depois das exaustivas discussões em torno das reformas tributária e da Previdência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estuda agora as próximas reformas, a sindical e a trabalhista. O primeiro passo do governo foi anunciar a intenção de reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais como maneira de gerar 2 milhões de novos empregos, medida apoiada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho).

A reforma trabalhista, segundo especialistas, teria maior influência dos empresários no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que elabora o projeto. Para o presidente do TST, ministro Francisco Fausto, 68, a reforma trabalhista "não pode ser entregue aos interesses do empregador."

Para ele, as mudanças deveriam começar pela estrutura dos sindicatos, que ele classifica de "arcaicos".

Fausto acredita também que o governo esteja "bem aparelhado para fazer essas reformas sob o ponto de vista ideológico, político e parlamentar".

O presidente do TST diz ainda que as decisões dos tribunais brasileiros são políticas. "O contexto político faz a decisão [judicial]. É isso, infelizmente", afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que ele concedeu, de Brasília, a Folha Online.

Folha Online - Qual a expectativa do senhor em relação à reforma trabalhista?
Francisco Fausto - Eu acho que a reforma trabalhista tem que se iniciar com a reforma sindical. O sistema sindical brasileiro é um sistema arcaico, inclusive uma herança, que eu diria "maldita", do tempo de Mussolini, da "Carta de Lavoro" da Itália. Os sindicatos ficaram atrelados ao governo porque era necessário que fosse assim durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas. Então o modelo caiu como uma luva para a política brasileira. Precisamos acabar com o imposto sindical e com a unicidade sindical. Esses dois pontos é que tiram completamente a liberdade dos sindicatos e fazem com que eles se atrelem ao governo e façam exatamente a política que o governo quer. Feita essa reforma sindical, partiríamos para a reforma trabalhista que eu acho que pode ser ampla desde que não subtraia direitos dos empregados. Não pode haver supressão dos direitos dos trabalhadores.

Folha Online O que deveria ser feito para melhorar as condições dos empregados?
Fausto - A CLT consagra direitos que não foram invenção nossa, direitos que são consagrados no mundo todo. O que nós temos que fazer é acabar com o detalhismo da CLT. Ela é muito detalhista quanto às condições de trabalho. Isso impede, inclusive, a negociação coletiva. Graças a Deus que impede a negociação coletiva enquanto não temos sindicatos com representatividade.

Folha Online - Que detalhismo é esse a que o senhor se refere?
Fausto - São vários detalhes. A lei é de uma especificidade que às vezes chega a atrapalhar muita coisa. Por exemplo, o 13° tem que ser pago uma vez no meio do ano, outra no final do ano. Isso pode ser feito de maneira diferente. As férias podem ser negociadas.

Folha Online - A reforma trabalhista opõe interesses do capital e do trabalhador. Os empresários têm lobby muito mais forte que os empregados. Isso não faria com que os interesses do empregador prevalecessem?
Fausto - Nós não podemos entregar a reforma trabalhista aos interesses do empregador. A lei trabalhista é uma lei social. A lei trabalhista não existe para desenvolvimento econômico, ela existe para fazer justiça social. Dentro desse prisma é possível acomodar algumas situações de empregadores, evidentemente que sim. Temos que acomodar na medida em que não há empregos sem empresa. A verdade é essa, mas isso não significa que nós temos que entregar o trabalhador de mãos atadas aos interesses do empregador.

Folha Online - Mas isso não tem uma grande possibilidade de vir a ocorrer?
Fausto - Pode ocorrer, sim, se não houver uma posição muito forte do trabalhador, da representação do trabalhador e dos intelectuais socialistas dentro das três frentes que trabalham no Brasil pela reforma trabalhista: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Fórum Nacional do Trabalho e a comissão de reforma trabalhista na Câmara. Se não houver uma posição muito forte dos trabalhadores no sentido de garantir os seus direitos, sem dúvida o trabalhador será sacrificado.

Folha Online - O que o sr acha de a reforma ser elaborada pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social?
Fausto - É um pouco difícil a gente acreditar que o conselho possa dar uma resposta muito equilibrada a essa questão porque os trabalhadores estão em menor número, a representação deles é menor. O ministro Tarso Genro está colocando as coisas como se o conselho estivesse opinando a respeito disso, estivesse respaldando o governo nas medidas que seriam tomadas.

Folha Online - Mas o Conselho é formado em maior parte por empresários, pessoas que querem derrubar a CLT há muito tempo...
Fausto - Exatamente. Mas aí é o que o Tarso Genro se coloca. Não será a opinião predominante a única a ser levada ao Congresso. Ele levará o debate. É isso que eu entendo que o conselho vá fazer.

Folha Online - Isso vai acontecer de fato?
Fausto - Eu acredito que sim, porque acredito no Tarso Genro.

Folha Online - A redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais proposta pelo governo criaria os 2 milhões de empregos esperados?
Fausto - Essa questão é polêmica. Eu acho que no Brasil é possível que se crie, sim. É uma belíssima abertura para dar espaço à geração de empregos. É evidente que as empresas poderão ser sacrificadas com essa, mas poderia haver uma contrapartida de natureza fiscal para as empresas que reduzissem a jornada. Eu acredito que esse é um passo decisivo para ampliar o mercado de trabalho brasileiro. A redução deverá vir acompanhada de medidas paralelas, como a proibição do número exagerado de horas extras.

Folha Online - O que o sr. acha da extinção da multa de 40% do FGTS?
Fausto - Isso nós não podemos fazer. A Constituição de 1988 adotou um princípio que substitui a estabilidade do emprego, que foi a grande bandeira de 1946. Seria a garantia da relação de emprego contra a dispensa desmotivada. Não há estabilidade, há garantia da relação de emprego contra dispensa desmotivada. Enquanto isso não for regulamentado, e até hoje não foi, esse é que é o grande problema, instituiu-se nas disposições transitórias a multa de 40%. Isso não pode acabar nunca enquanto não houver uma regulamentação rigorosa do princípio adotado pela Constituição de 88.

Folha Online - O governo teria problemas em fazer as reformas sindical e trabalhista por ter origem em sindicatos?
Fausto - Eu acho que o governo está bem aparelhado para fazer essas reformas sob o ponto de vista ideológico e político, e agora até sob o ponto de vista parlamentar, já que tem a maioria maciça. O governo tem que tentar fazer as reformas. É fundamental que se façam. Mas nos temos que nos convencer de uma coisa: a CLT não é um documento envelhecido.

Folha Online - A reforma trabalhista diminuiria o número de processos que chegam às varas do trabalho?
Fausto - Pode reduzir o número de processos, mas não é isso o que reduz. O que vai possibilitar a redução é, depois da reforma trabalhista, depois da reforma do Judiciário, a criação de leis processuais mais eficientes, mais eficazes. É a lei processual que reduz o número de processos. Esse problema não é apenas na área trabalhista. Isso tudo será corrigido a partir do momento em que nós tivermos leis processuais mais eficientes, diminuindo o número de recursos, de apelos, que apenas protelam a decisão final.

Folha Online - Qual a sua avaliação do governo Lula depois das reformas tributária e da Previdência?
Fausto - O projeto original da reforma da Previdência agredia muito direitos exclusivos dos juízes. O substitutivo que foi aprovado é muito melhor do que o prenote que saiu do Planalto. Em relação à reforma tributária, eu não estou muito por dentro dessa matéria. De qualquer maneira nós não temos porque perder as esperanças no governo.

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