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02/10/2003 - 16h58

Leia a íntegra da entrevista de Lula às rádios

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da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou hoje, em sua primeira entrevista coletiva as principais rádios do país, que não irá vetar nenhum artigo do Estatuto do Idoso, sancionado ontem por ele.

Lula disse ainda que "o tempo das vacas magras acabou" e que a economia irá crescer no último trimestre do ano. Ele descartou que o Planalto vá punir a ministra de Assistência Social, Benedita da Silva, que teria viajado à Argentina para um encontro evangélico, na semana passada, com verba da União.

Veja abaixo a primeira parte da íntegra da entrevista:

Pergunta: Pesquisa divulgada esta semana deu conta de que a população ainda está preocupada, mais da metade dos ouvidos pela pesquisa ainda está insatisfeita com as ações do governo com relação a segurança pública. A gente tem exemplos na família do senhor, até a morte do segurança do filho do senhor e teve o roubo ao carro do ministro da Justiça. Temos também denúncias de tortura em presídios, temos o caso do chinês. O que o governo vai fazer presidente? Qual vai ser a atitude prática do governo para dar uma resposta à população e para voltar a tranqüilidade à população.
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu acredito que a atitude para enfrentar a questão da segurança, está sendo tomada com os cuidados e, ao mesmo tempo, com a pressa que a sociedade exige. Acontece que é muito fácil falar de segurança e muito difícil fazer política de segurança, porque o que o povo espera, na verdade, é que todos os bandidos sejam presos. É isso que o povo espera. Ora, mas você sabe perfeitamente bem que para você ter uma ação de segurança pública muito mais ousada, muito mais eficaz, você precisa, primeiro, organizar a Polícia. E o Márcio Tomaz Bastos [ministro da Justiça] está fazendo isso com muita competência.

Veja, nós criamos o Sistema Único de Segurança Pública. Foi feito convênio com todos os Estados da Federação para que haja um trabalho integrado entre a Polícia Federal e as Polícias estaduais, tanto a Militar quanto a Civil. Nós criamos um grupo de elite, de gente muito experimentada. Essas pessoas estão sendo preparadas, estruturadas, para começar a funcionar.

E nós achamos que a questão da segurança pública precisa da dedicação exclusiva, tanto do governo federal, quanto dos governos estaduais e da sociedade, porque, veja, tem muita coisa para ser enfrentada. Você tem, de um lado, o chamado bandido comum. Você tem, do outro lado, o crime organizado, que já é muito mais sofisticado, que tem os seus braços ramificados em vários lugares, ou seja, o crime organizado está no empresariado, está na sociedade, está no poder político, está no judiciário, tem braço internacional. Você tem que montar uma Polícia inteligente para poder enfrentar isso de frente.

Nós colocamos no Ministério da Justiça, tanto o Márcio Tomaz Bastos,que é um homem muito experimentado, quando o Luiz Soares, secretário de Segurança Pública, que é uma das maiores autoridades no assunto, neste país.

Então, as coisas estão caminhando. Eu acredito que nós vamos fazer aquilo que precisa ser feito. Agora, quero dizer que não é fácil enfrentar o crime organizado, o narcotráfico, a corrupção. Veja o que foi estes dias, a prisão que a Polícia Federal efetuou no Rio de Janeiro de pessoas que roubavam os cofres públicos, porque eles tinham acesso a senha da Receita Federal e, então, anistiavam empresas. Quem sabe quantos bilhões de reais deixaram de entrar nos cofres públicos.

Desmontar uma operação dessa e descobrir quantas pessoas estão envolvidas e se beneficiavam disso é uma tarefa que, muitas vezes, pode levar meses. Pode levar meses e eu acho que essa ação da Polícia, um novo sistema de segurança pública, uma ação mais efetiva da Polícia na rua, profissionais mais preparados, mais estruturados do ponto de vista salarial e do ponto de vista da sua capacitação profissional, é um processo.

Isso você não faz num estalar de dedos, você tem que ir trabalhando e acreditar, que num curto ou médio espaço de tempo, você vai ter uma polícia mais eficaz, vai poder prender os bandidos com mais pressa e, ao mesmo tempo, vai poder passar para a sociedade a certeza de que está havendo mais segurança para que ela possa sair nas ruas, para que ela possa trabalhar.

É um problema e, talvez, seja o maior problema de todos os estados brasileiros. A insegurança que as pessoas têm é muito grande, a gente vê televisão, ouve rádio, lê jornal todo dia e sabe que é uma tarefa, talvez, a maior tarefa que nós temos que fazer. É criar um novo tipo de Polícia, prepará-los bem para que a gente tenha a sorte de, combinando com o crescimento da economia, com geração de empregos, com melhoria na educação, diminuir o número de pessoas que praticam delitos no nosso país.

Minas Gerais

Pergunta: Presidente, o senhor acha que o estado de Minas Gerais está recebendo o tratamento adequado, de acordo com o peso que o estado teve na eleição do senhor? Por exemplo, com relação às estradas, as informações que nós temos são de cortes no Ministério dos Transportes. A gente pode concluir, presidente, que os mineiros não devem esperar tão cedo por melhorar nas estradas? E mais, é um desprestígio ao ministro mineiro Anderson Adauto?
Lula: Veja, primeiro tinha sido feito, um acordo entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador Itamar Franco, em que foi passado acho que, se não me falha a memória, R$1,8 milhão, ainda no final do ano passado, para que o estado cuidasse das estradas.

Segundo, o problema das estradas não é um problema de Minas Gerais, é um problema de vários anos de irresponsabilidade e de não cuidar da manutenção daquilo que já existia.

Estamos discutindo nem fazer aquilo que falta fazer, mas cuidar daquilo que já havia. Ou seja, quando você não faz a manutenção no seu carro, quando você não faz a manutenção na sua casa, quando você não faz a manutenção em algum bem material que você tem, e não faz a manutenção nas estradas que custaram aos cofres públicos ao longo desses anos todos R$ 150 bilhões --, significa que você não soube tratar com carinho o patrimônio público.

Nós pegamos o governo com todas as estradas brasileiras deterioradas, todas. Era um problema que vinha se arrastando há oito anos, e nós então resolvemos começar uma operação tapa buraco. Nesses nove meses já foram 20 mil quilômetros de estradas, de buracos tapados em caráter emergencial. Outros dois mil quilômetros foram praticamente recapeados, todos. E nós trabalhamos com muito menos dinheiro do que se trabalhou em 2002, porque quando nós tomamos posse, dia primeiro de janeiro, nós tivemos que fazer um corte orçamentário de R$ 14 bilhões e pegamos R$ 10 bilhões de restos a pagar. Portanto, nós tivemos uma situação muito delicada e nesses nove meses nós já fizemos o que era possível fazer.

Você não faz milagre, você trabalha com o que tem. Quando você recebe o seu salário, você leva para casa, você só pode comprar aquilo que o seu salário permite. Até porque nós temos o superávit primário em que nós não podemos gastar tudo que se poderia gastar do ponto de vista da capacidade de endividamento.

Agora, Minas Gerais será tratado como será tratado Alagoas, como será tratado o Amapá, como será tratado Roraima, como será tratado o Rio de Janeiro, como será tratado São Paulo, porque todos os estados merecem consideração do Governo Federal e merecem respeito.

Obviamente que, quanto mais estradas tiver o governo, mais trabalho você vai ter que ter naquele estado. Nós começamos a terminar a Fernão Dias, que estava paralisada há vários anos, num trecho muito pequeno. Começamos agora a recuperar. Vamos recuperar, fazer, terminar a BR-116, que liga o sul do país ao restante do país. Eu acho que as coisas estão andando. Não do jeito que nós gostaríamos, porque não temos os recursos que queremos. E o companheiro Anderson Adauto tem tido toda a liberdade, nas disponibilidades orçamentárias dele, de fazer o que é possível fazer.

Eu acho que Minas Gerais merece, não por conta das estradas, por conta da importância cultural, por conta do que já nos deu de alegria para o Brasil. Minas Gerais merece de nós mais do que consideração. Ou seja, todos nós temos que ter um carinho, respeito e muito amor pelo estado de Minas Gerais.

Retomada do crescimento

Pergunta: Presidente, bom dia. Como se processará a retomada do crescimento anunciada, para tornar possível a meta de dez milhões de empregos? Será um crescimento harmônico de todos os setores produtivos ou, inicialmente, haverá uma concentração em determinados setores?
Lula: Olha, a retomada do crescimento da economia é o nosso desejo, é a nossa obsessão e é o nosso sonho. Eu fico comparando a economia brasileira ao atual time do meu Corinthians. Ou seja, o time foi desmontado durante o campeonato. Então, agora, contrataram dois técnicos. Podem contratar três que vai ser difícil, até você estruturar.

O que aconteceu é que nós, quando pegamos o governo, dia primeiro de janeiro, nós tínhamos um risco Brasil de quase 2.400, uma perspectiva inflacionária de 40% para os próximos doze meses. E nós precisamos recuperar inclusive a credibilidade internacional, porque o Brasil não tinha um centavo para financiamento das suas exportações. Foi tudo um processo, e graças à habilidade do ministro Antonio Palocci [Fazenda], é que nós reconstituímos a credibilidade que o Brasil tinha no exterior. Eu acho que hoje está consagrada essa credibilidade no exterior.

Nós, hoje, podemos falar de cátedra que, para os próximos doze meses, a inflação não ultrapassará os 7% e os mais otimistas acham que ela pode chegar a 5%. As taxas de juros começaram a cair e nós começamos a bater recorde atrás de recorde nas nossas exportações.

Lógico que, para nós, o interessante é combinar o crescimento das exportações com o crescimento do consumo interno, para que a gente possa melhorar e gerar os empregos que precisamos. Nós gostaríamos de crescer em todos os ramos.

Eu vou dar um exemplo de como as coisas, às vezes, parecem fáceis e são difíceis. Nós, na campanha, fizemos uma guerra contra a P51 e a P52, que iam ser construídas na Noruega. Conseguimos fazer com que elas fossem construídas no Brasil. As duas vão ser construídas no Brasil. Agora, a P51 está paralisada porque o governo do Rio de Janeiro parece que criou um imposto específico e a Petrobras parece que suspendeu o processo.

Nós estamos recuperando a indústria naval. Nós estamos estabelecendo um projeto com a indústria de florestamento para aumentar a área plantada no Brasil, de florestas para a produção de celulose. Nós fizemos acordo com a indústria automobilística para reativar a venda de carros. Estamos pensando em fazer, também com a indústria automobilística, para reativar e renovar a frota de caminhões. E nós começamos a liberar uma série de recursos com créditos do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, para o micro crédito. E acabamos de fazer um acordo com o movimento sindical como um todo, com todas as correntes, para que os trabalhadores tenham acesso a empréstimos a juros de 2% ou um pouquinho mais. Demos liberdade para que o movimento sindical fizesse esses acordos. Veja que coisa fantástica, o Marinho, em nome da CUT, em nome dos metalúrgicos do ABC, está fazendo uma espécie de licitação pública para ver qual o banco que oferece menos juros, para que os trabalhadores tomem dinheiro emprestado e dêem a sua folha de pagamento como garantia.

Estamos pensando em fazer um acordo para liberar empréstimo para os aposentados brasileiros, a juros muito baixos. E tudo isso com o objetivo de colocar dinheiro no mercado e reativar a economia. Foi para isso que nós anunciamos R$ 5,4 bilhões para a agricultura familiar. Foi para isso que nós destinamos a maior quantia de dinheiro para a agricultura brasileira que, no próximo ano, se Deus quiser, baterá o novo recorde, irá para 102 milhões de toneladas de grãos. E tudo isso eu acho que está dentro de uma certeza que nós temos, que acabou o tempo das vacas magras, ou seja, eu acho que o sacrifício que tinha que ser feito já foi feito e todos nós no governo, todos nós, estamos otimistas que, neste último trimestre do ano e para o começo do ano, a economia brasileira vai voltar a crescer.

Terminamos agora a apresentação do PPA [Plano Plurianual], vamos começar agora a chamar empresários brasileiros e internacionais para saber quem está disposto a fazer, primeiro, parceria com o governo, o chamado PPP [Projeto de Parceria Público-Privada]. Segundo, quem está disposto a pegar alguma obra para fazer por concessão do governo e, terceiro, quem quer fazer obra com financiamento do BNDES, ou quem tem dinheiro próprio. Ou seja, nós temos estradas, nós temos ferrovias, nós temos hidroelétricas, nós temos hidrovias. Nós temos que recuperar os portos brasileiros e têm muitos que estão com o calado muito pequeno, é preciso aumentar para poder dar vazão a navios maiores, e tudo isso dentro da nossa lógica de que a economia vai voltar a crescer e vamos gerar os empregos que nós queremos gerar.

Não sei se serão dez, cinco ou vinte, o que é importante é que nós temos que ter clareza de que precisamos gerar os empregos com muita urgência.

Criamos o primeiro emprego, lançamos o primeiro emprego aqui com o objetivo de atender os jovens brasileiros, os adolescentes brasileiros. Mandamos o projeto para a Câmara, já foi votado na Câmara, já foi votado no Senado, agora voltou para a Câmara. Eu acho que por estes dias estarei sancionando este projeto e vamos começar então a ter preocupação de garantir a oportunidade do primeiro emprego para o adolescente brasileiro. Nós queremos com emprego, com educação e com muito esporte, tirar esses jovens das garras ou da malha da possibilidade de cair na criminalidade, e trazê-los para uma vida sadia. Isso é uma coisa unânime no governo e nós vamos fazer.

Obviamente que nós gostaríamos de fazer as coisas com mais pressa. Eu levanto todo dia com uma angústia imensa do que fazer para que a gente possa dinamizar a economia brasileira. E estamos fazendo tudo, ou seja, não tem uma coisa que possa ser feita que nós não estejamos fazendo no sentido de reativar a economia; e trabalhando para que os juros continuem caindo e caindo de forma muito madura, muito consistente, porque não adianta nada vender mais uma ilusão ao povo brasileiro.

Aqueles rompantes que determinados governos têm, anunciam coisas mirabolantes e um mês depois, a vaca foi para o brejo. Nós já tivemos muita experiência, então eu prefiro dar passos devagar, com consistência, para que a gente não tenha que voltar atrás em nenhuma tomada de posição que nós tivemos até agora.

Benedita da Silva

Pergunta: Presidente Lula, na visão do senhor, a atual equipe do ministério é a ideal para o cumprimento das metas traçadas durante a campanha? E mais, notícias hoje dão conta de que o senhor e o ministro José Dirceu [Casa Civil] estariam esperando a demissão da ministra Benedita da Silva e a devolução do dinheiro gasto por ela em recente visita que fez a Buenos Aires, onde participou de um encontro evangélico. Isso procede Presidente?
Lula: Essas coisas são muito engraçadas. Antes de tomar posse, vários jornais, várias rádios e vários repórteres da televisão fizeram o meu ministério, ou seja, todo dia tinha um ministro indicado, todo dia tinha um ministro que não era indicado.

Veja, ninguém vai colocar e ninguém vai tirar ministro por notícia de jornal. Eu sempre disse que você não troca um jogador com 15 minutos de jogo, você espera a pessoa ter toda a oportunidade que todo mundo está tendo.

Nós estamos num processo de rearranjo político neste país, todo mundo sabe que o PT está chamando o PMDB para a sua base --que teve um trabalho excepcional na votação da Previdência e na votação da reforma tributária. Nós vamos compor com o PMDB e o PMDB vai vir para o governo.

Ora, quem vai entrar e quem vai sair é um problema eminentemente meu, do presidente da República. Na hora que eu entender que está na hora de convidar e discutir o nome, eu terei o maior prazer de informar para todos vocês da imprensa, quem sai e quem entra.

Por enquanto,todos os ministros, todos, estão no cargo até que eu decida afastar algum. E tem que ser assim, sabe por que? Porque se um presidente da República, ficar discutindo com o seu ministério em função de notícias, ele fica louco.

Segundo, veja, a Benedita da Silva, eu tive uma conversa com ela ontem. E a Benedita, me trouxe documentos provando que ela foi para um ato religioso mas, ao mesmo tempo, ela foi encontrar com a ministra da Ação Social da Argentina; ao mesmo tempo foi participar de um debate com empresários.

Ora, eu não vejo por que e não vejo qual o crime que a Benedita tenha cometido. Cometeu um erro, um erro administrativo que passou por muita gente, ou seja, na medida que manda um pedido de viagem para a Casa Civil, dizendo que era para um ato religioso, obviamente dá a vocês, a mim e a qualquer outro brasileiro o direito de perguntar: como é que pode alguém viajar para ir a um ato religioso? Mas veja, a Benedita é uma mulher que tem 60 anos de idade, tem experiência política há muito tempo. A Benedita não iria fazer uma viagem para um ato religioso oficial. Eu só posso entender e compreender que foi um erro administrativo, de quem fez o pedido da viagem, porque não passa pela cabeça, uma pessoa que tem a notoriedade política que tem a companheira Benedita, que tem o histórico que ela tem, cometer um erro gracioso desses.

Então veja, eu acho que ela se justificou para mim ontem, conversou comigo. Eu aceitei a justificativa dela e o que nós precisamos fazer é, daqui para a frente, olhar com mais cuidado cada companheiro que pede para viajar, porque são muitas as viagens.

Eu acho que uma pessoa que tem uma história de vida, não é por um erro que você vai julgar a pessoa. Mesmo que tenha errado, você tem que ter a grandeza de, em algum momento, até chamar a atenção de quem tenha cometido um erro, mas você não pode crucificar as pessoas.

Transgênicos

Pergunta: Presidente, o senhor é a favor ou contra o plantio e a comercialização da soja transgênica? O governo federal editou medida provisória liberando o plantio e a comercialização da soja, da safra 2003/2004. Cento e trinta mil famílias que plantam soja transgênica, no Rio Grande do Sul, devem voltar a estocar sementes transgênicas para a próxima safra. Qual o conselho que o senhor dá para essas famílias?
Lula: Veja, não se trata de ser contra ou a favor. Se trata de você ficar diante de uma realidade em que o presidente da República tem que dizer: ou faz, o não faz. Nós ganhamos as eleições. Quando chegamos no mês de fevereiro nos deparamos com uma realidade que até então não conhecíamos, que era o fato da soja transgênica estar plantada, não apenas no Rio Grande do Sul, mas em outras partes do Brasil, mais fortemente no Rio Grande do Sul. Estávamos com 9 milhões de sacas de soja estocadas.

Nós tínhamos duas coisas a fazer. Ou nós proibíamos a comercialização e teríamos que mandar a Polícia Federal tocar fogo na soja que seria uma fotografia horrível, num país em que o povo está com fome, num país que precisa exportar, num país que precisa produzir, você tirar uma fotografia queimando soja. Ou você entendia a situação que estava vivendo naquele momento, e criava as condições para poder comercializar aquilo.

Nós, então, abrimos a comercialização da soja. Uma parte foi exportada, outra parte foi comercializada aqui. E foi estabelecida a rotulagem da soja. Pois bem, não foi cumprida, é verdade. Nós chegamos agora e começamos, montamos uma comissão interministerial, coordenada pelo ministro José Dirceu, com o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Agricultura, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Ciência e Tecnologia, se não me falha a memória, para discutir toda a regulamentação da transgenia no Brasil. Não é apenas a questão da soja, é todo o processo de transgenia no Brasil. E isso foi feito, foi trabalhado.

Acontece que os companheiros, quando me entregaram o projeto, nós percebemos que tínhamos um problema a resolver, que os produtores brasileiros que tinham plantado soja ano passado, tinham semente de soja e queriam plantar. O governo poderia ter, simplesmente, falado o seguinte: não vai plantar e fim de papo, vamos passar a máquina por cima, vamos destruir. Seria outra imagem simplesmente horrível. Ou, ao mesmo tempo, o governo deveria falar: bom, vocês não plantam a semente de transgênico que você têm, que nós vamos dar sementes da soja convencional. Isso custava aos cofres públicos R$ 300 milhões. Não tínhamos para dar. E, ao mesmo tempo, se nós déssemos para quem tinha estoque de semente transgênica, porque não dar para aqueles que estavam, de graça, com a semente da convencional?

Então, num caráter excepcional, nós, outra vez, estendemos a medida provisória por mais um tempo, e nesses próximos 15 dias vamos dar entrada no projeto para que o Congresso Nacional defina e regulamente, de uma vez por todas, o problema dos transgênicos no Brasil. E aí a lei vai valer para todos, porque agora nós vamos fiscalizar com muita força, se for preciso contratar fiscais, vamos contratar, para que a gente veja rotulagem, porque o povo tem direito de saber o que ele está comprando. Se o cidadão quiser comprar uma lata de óleo, ele tem que saber se é soja convencional ou se é soja transgênica. E nenhum produtor pode se negar a isso.

Nós estamos discutindo isso com muito critério, vamos agora definir o papel da CTNBio, que é o órgão que tem poder de estudar isso. E eu não tenho dúvida de que nós vamos resolver isso. Vamos resolver e fiz a medida provisória de forma muito amadurecida. Eu sabia que ia ter críticas, sabia que ia ter gente que ia ser contra, mas eu estava diante de uma realidade. Eu vou deixar 100, 120, 130, 180, 200 mil produtores que estão com suas sementes lá, sem plantar? Ou seja, achei que o custo-benefício foi melhor ao permitir que plantasse, até porque o Brasil está precisando de produzir e está precisando de exportar. Mas vamos ter que regulamentar, porque não se pode ficar sendo pego de sobressalto a cada época de plantio.

Este é um problema que não é só do Rio Grande do Sul. No Rio Grande do Sul, ele é mais nervoso. Eu trouxe o governador aqui, trouxe alguns deputados, conversei com os senadores. Alguns eram contra, mas a maioria era favorável. E eu resolvi, então, fazer com que a gente estendesse mais um pouco os transgênicos para este ano, até que a gente regulamente isso, que acho que, em pouco tempo, estará no Congresso Nacional. E, aí, teremos definida a questão dos transgênicos no nosso país.

Reforma política

Pergunta: Presidente, mais de 100, dos 513 deputados, já trocaram de partido nesta legislatura. E esse é um dos maiores números dos últimos anos, segundo a oposição, inclusive com o patrocínio do PT. A minha pergunta é sobre a reforma política. Eu gostaria de saber se o senhor é favorável à fidelidade partidária, ao voto distrital e ao fim do voto obrigatório.
Lula: Vejam, eu queria pedir desculpas a vocês, porque cometi um erro aqui, no começo. Ou seja, eu poderia começar cada resposta cumprimentando o povo de cada estado. Afinal de contas, não estou dando entrevista para vocês. Vocês apenas estão sendo interlocutores dos milhões de ouvintes que vocês têm.

Então, eu queria começar, agora, cumprimentando os ouvintes da Eldorado, e dizer o seguinte: olhem, sou favorável à reforma política. Não sei quem disse que o governo está patrocinando a troca de partido. É engraçado, porque no PT não entrou quase ninguém. Pelo contrário, nós estamos com a decisão de tirar alguns companheiros do PT que trabalharam contra as decisões da bancada, da maioria do Diretório Nacional. Então, seria engraçado o PT ficar arrumando namorado para os outros.

As pessoas trocam de partido porque, no Brasil, tem uma cultura política de trocar de partido. Isso não é novo. Tem gente que nem toma posse e já troca de partido. Por isso é que fizemos, ainda no ano passado, quando eu era o coordenador do Instituto da Cidadania, em São Paulo, sob a coordenação do professor Chico de Oliveira e da Maria Vitória Benevides, nós fizemos no Instituto da Cidadania um trabalho muito profundo sobre reforma política no mundo e no Brasil.

Obviamente, não vai ser o Poder Executivo, não vai ser o presidente da República quem vai mandar um projeto discutido. Mas acho que, terminada a reforma tributária e a reforma na Previdência, acredito que os partidos políticos terão que começar a discutir a reforma política, em que a gente discuta fidelidade partidária, o financiamento público de campanha, para que a gente possa ter mais certeza de votar nas pessoas e saber que as pessoas vão cumprir o programa do partido que o elegeu. Do jeito que está é sempre muito difícil. Nós tivemos um ano em que 80 deputados trocaram de partido entre a eleição e a posse. Assim, você não constrói organização política forte, você não constrói partido forte e não conquista a credibilidade que precisamos conquistar.

Por isso, sou amplamente favorável à reforma política. Amplamente favorável e, mais ainda, favorável à fidelidade partidária, porque, no PT, nós já praticamos. Vocês estão lembrados de que, em 1985, o PT tinha 8 deputados e nós expulsamos 3, porque votaram contra a decisão do partido. Foi duro? Foi. Mas, se não for assim, você não cria um partido político. Ou seja, se as pessoas são eleitas por um partido político devem a sua eleição ao partido, porque ninguém atinge sozinho o coeficiente. São poucos os deputados que conseguem ter o número de votos que precisam para se eleger. Por exemplo, o coeficiente num estado que necessita de 300 mil votos para eleger um deputado, tem gente eleita com 40 mil. Significa que ele deve 260 mil votos ao partido. Então, ele tem que respeitar o partido. O mandato não pode ser dele. O mandato tem que ser do partido, porque senão como é que fica? Se você quiser ser dono da sua vontade como alguns falam: "não, mas eu não abro mão da minha vontade", então saia candidato avulso. Candidato avulso é bom porque ele não tem que pedir nada a ninguém e nem se subordinar a nenhuma instância.

O cidadão ou a cidadã levanta de manhã, vai na frente do espelho e fala: espelho, espelho meu, o que eu faço hoje? E faz. Agora, se você resolve participar de uma associação, seja sindicato dos jornalistas, seja um clube de futebol ou um partido político, na hora em que a instância se reúne para deliberar, a decisão vale para todos. Quem não concordar tem que sair, senão não tem democracia. É isso que eu penso da reforma política. Ou seja, ela tem que ser dura, e ela tem que permitir que a gente reorganize o quadro partidário no nosso país, que é muito frágil e muito débil. Até porque, é preciso a acabar com os partidos de aluguel. Partidos que só aparecem na época da eleição para vender o seu tempo na televisão, para um ou para o outro, é preciso acabar com isso.

Estatuto do Idoso

Pergunta: O Estatuto do Idoso passou mais de cinco anos de gaveta em gaveta no Congresso Nacional, de comissão em comissão. O senhor foi eleito, foi à CNBB. Disse na assembléia dos bispos, em Itaici, que teria todo o apoio do seu governo. O Estatuto foi aprovado, o senhor sancionou. Só que ontem o ministro da Saúde Humberto Costa, disse que ficou surpreso com um dos artigos, que trata exatamente da discriminação de alguns itens aí, do reajuste exatamente para os idosos, plano de saúde dos idosos. O senhor sabe que, com o andar da carruagem, esse artigo vai acabar beneficiando a muitos de nós que antes éramos adolescentes na época em que o estatuto começou a ser discutido. A pergunta é a seguinte: ainda não foi publicado o estatuto. O senhor vai vetar algum artigo? E se não vetar, o que vai fazer exatamente com relação a esse item que proíbe a discriminação dos idosos pelos planos de saúde, presidente Lula?
Lula: Primeiro que eu não vou vetar. Se eu fosse vetar não teria assinado ontem. Ontem, eu assinei porque eu estava convencido que o estatuto ficou sete anos sendo discutido no Congresso Nacional. Todo mundo neste país, interessado no assunto, deveria ter acompanhado. Ele foi aprovado dia 18, portanto teve 12 dias para todo mundo ver o que era preciso fazer ou não. Tinha os líderes dos partidos no Congresso Nacional, que poderiam ter feito acordo sobre qualquer artigo que tivesse que mudar. Não foi feito. Então, está assinado e vai entrar em vigor. Se no transcurso do funcionamento da lei, tiver um problema prático, nós teremos que ter a sabedoria de corrigirmos isso. Mas não vetarei um único artigo.

É importante ficar claro. E quem achar que não está bom, que tente então mandar um outro projeto para o Congresso, para começar a discutir um outro projeto, porque este está sancionado e vai entrar em vigor. Se ele tiver deficiência, nós vamos corrigir na prática. No processo de execução da lei, se ela mostrar alguma debilidade, nós teremos que ter a sabedoria de corrigir. Por enquanto é só discurso. Foi aprovado por unanimidade. Eu não acho que 513 deputados e 81 senadores que debateram isso muito, durante sete anos, não pensassem naquilo que estavam votando. Por isso, está sacramentado o Estatuto do Idoso e acho que a terceira idade, neste país, merece respeito.

Eu acho que tem muita gente que, com 30 anos, com 35, com 40, não se dá conta que um dia vai estar com 70, com 80. Ou seja, é importante a gente começar a cuidar de quem está com 70, quando a gente tem 30, para que, quando a gente chegue lá, a gente tenha alguém cuidando da gente. Portanto, eu fiquei feliz ontem quando sancionei. Estou feliz hoje. E espero estar mais feliz ainda quando a lei entrar em vigor e os velhinhos começarem a usufruir dos benefícios da lei.

Dez meses de governo

Pergunta: Presidente, são nove, dez meses de mandato. E eu gostaria de saber se o senhor, em algum momento se sentiu frustrado ou ansioso pelo fato de ações práticas ainda não terem alcançado as milhares de pessoas que votaram no senhor com a esperança de ver um Brasil melhor? Então, eu gostaria de saber qual é o sentimento do senhor em relação a não conseguir fazer ou adotar medidas que alcancem essas pessoas de uma maneira rápida e prática?
Lula: Primeiro, não tem maneira rápida e prática. Não existe maneira rápida e prática. Ou seja, quando você decide fazer uma refinaria, por exemplo, você decide hoje, ela só vai começar a funcionar daqui a seis ou sete anos. Você decide financiar uma hidrelétrica, você anuncia hoje a hidrelétrica e ela vai começar a produzir energia daqui a sete, oito, nove anos, dependendo da hidrelétrica. Você anuncia uma estrada, ela vai ficar pronta daqui a quatro anos. Ou seja, não existe essa coisa prática. A coisa mais rápida é o anúncio.

Vou dar um exemplo. Eu anunciei os R$ 5,4 bilhões para a agricultura familiar. Pela primeira vez, nós começamos a liberar o dinheiro dia 14 de julho. Tem muita gente que achava que todo o dinheiro seria liberado no dia seguinte. Ou seja, tem um processo, até de as pessoas irem ao banco buscar dinheiro ou ao agente buscar dinheiro. Nós conseguimos, até agora, 440 milhões de financiamento para pessoas que pegaram o dinheiro. Isto significa 40% a mais de pessoas no mesmo período do ano passado. E nós queremos chegar, até o final de novembro, com o financiamento de R$ 3 bilhões, para ver se a gente consegue gastar todo o dinheiro até o mês de junho.

Isso demora um pouco. Quando você anuncia linha de crédito para financiar geladeira e televisão, entre você anunciar e isso começar a funcionar leva alguns meses, porque tem toda uma preparação do sistema para começar a funcionar.

Eu confesso que não tenho nenhuma razão para estar frustrado. Acho que nós já fizemos milagres neste país. Milagres não apenas com a participação do governo, com a participação da sociedade. Vou dar um exemplo: um belo dia, a Viviane Senna veio conversar comigo e disse: "Presidente, eu estou conversando com um grupo de empresários e vamos tratar de recuperar uma parte dos estudantes de Pernambuco que estão na terceira e quarta séries e que não aprenderam nada até agora". E ela juntou um grupo de empresários e já me comunicou, nesta semana, que já recolocaram, nos níveis compatíveis com os anos de escolaridade, 600 mil crianças. Nós fizemos um convênio com a CNA [Confederação Nacional da Agricultura], em que vamos alfabetizar 3 milhões de brasileiros, em parceria com o Sesi nacional.

Nós temos uma participação da sociedade como eu jamais vi na história deste país. E vamos fomentá-la ainda mais, porque acredito que parte das coisas que temos que fazer no Brasil não depende do governo. Depende de a sociedade estar motivada e começar a fazer. Por exemplo, eu não posso apenas fazer merchandising, mas uma empresa me procurou e falou o seguinte: "Presidente, eu quero construir um restaurante popular em cada cidade em que tenho fábrica", com a mesma qualidade que eles servem para os seus funcionários. Então, nós ainda não utilizamos, na minha opinião, 10% do potencial de participação que a sociedade brasileira tem e que está ávida por participar.

Por exemplo, na questão da alfabetização, eu estou convencido de que, se nós dependermos da estrutura oficial do sistema de educação no Brasil, vamos levar anos para alfabetizar. Mas, se começarmos a fazer o que estamos fazendo, acordos e convênios... Por exemplo, estamos fazendo acordo com o setor da construção civil, em que cada obra que estiver sendo realizada, cada acampamento para a construção civil terá uma sala para alfabetizar os empregados. Fizemos um acordo com a Associação Brasileira de Supermercados, em que eles se comprometeram a alfabetizar todo e qualquer funcionário analfabeto e a sua família como um todo. Fizemos acordo com a UNE, que vai participar. Porque, veja, se você adotar a participação da sociedade, e cada um assumir a responsabilidade de fazer um verdadeiro mutirão pela alfabetização, você conseguirá muito mais sucesso do que se ficar dependendo da estrutura oficial.

Então, sou um homem que levanto todo dia e levanto as mãos para o céu e dou graças a Deus, porque tem muita gente que, hoje, cobra coisas, mas que, em janeiro, tinha certeza de que não ia dar certo. Ele tinha certeza de que o Brasil ia para o abismo. E nós não só recuperamos o Brasil, como ganhamos uma credibilidade pouco vezes vista no Brasil. É só olhar um pouco da nossa política externa. É só ver o que aconteceu em Cancún. Muita gente não conseguiu entender. Em Cancún, o que aconteceu de fantástico lá é que nós conseguimos juntar 22 países, que representam mais da metade da população mundial. Nem a União Européia e nem os Estados Unidos esperavam que pudesse acontecer isso. O Brasil, por generosidade dos outros, passou a ser o coordenador.

E o que nós fizemos, para o brasileiro entender bem? Nós demos uma trucada. Ou seja, nós estávamos com o zápete na mão. Ou seja, nós pegamos 70% da pauta dos americanos, 70%, e transformamos em nossa pauta. A pauta que os americanos queriam discutir conosco há três meses atrás. Quando nós checamos com a pauta deles, ao invés dos americanos aceitarem, eles foram se juntar à União Européia, para defender o que? Privilégios dos subsídios que eles dão para os seus agricultores.

Então, nós saímos de lá muito à cavalheira. Obviamente que ninguém ganhou nada, mas nós criamos as condições para que seja discutida com mais seriedade a questão comercial na Organização Mundial do Comércio. Nós estamos estruturando as coisas com muito carinho e eu tenho a certeza de que nunca trabalhei tanto na minha vida. De vez em quando eu falo: quando eu estava na Villares eu era feliz e não sabia, porque quando eu estava na fábrica eu levanta às 6h30 da manhã, começava a trabalhar às 8h, saía às 6h da tarde, e a noite era minha, o sábado e domingo eram meus. Aqui, a verdade é que você não tem sábado,não tem domingo, não tem hora porque a qualquer hora da noite alguém se dá no direito de ligar porque você é o Presidente da República e as pessoas querem cobrar.

Mas eu estou fazendo de forma prazerosa, eu trabalho com prazer porque eu briguei muito para chegar onde eu cheguei. Isso não foi de graça, isso não foi um acordo, isso foram muitas derrotas acumuladas e eu estou fazendo as coisas com prazer. Cada coisa que eu faço é com um prazer imenso, é como se eu estivesse cuidando do meu filho quando ele tinha dois meses de idade, ou seja, é assim que eu penso e é assim que eu vou me dedicar nos meus quatro anos. Portanto, eu não tenho porque reclamar, eu só tenho que agradecer a Deus essa oportunidade e eu vou fazer tudo que eu penso que eu deveria fazer quando eu era candidato.

Acho que não é difícil fazer. Nós saímos da turbulência, saímos do vendaval. É como você chegar numa cidade depois de um furacão. Até consertar tudo, limpar, colocar a casa em ordem para começar a voltar a funcionar com normalidade, tem um tempo; e nós fizemos isso com tranqüilidade. Em nenhum momento eu fiquei desesperado porque era difícil. Acho que tem problemas, não é fácil como a gente teoriza, mas é prazeroso fazer aquilo que a gente acredita e vamos fazer, pode ficar certa.

Fome Zero

Pergunta: Presidente, muitos dos seus antecessores se queixaram de que não adianta ter o poder da caneta, ou seja, assina e a coisa não acontece lá na ponta, na população. Por exemplo, programas que o senhor idealizou com o programa Fome Zero, ainda não conseguiram deslanchar. Muitos da população, por exemplo, se queixam de que a situação econômica está muito difícil, que a inflação, que pese ter parado de crescer, ficou alta, os preços se mantiveram altos, os salários estão achatados. O que essa população, que hoje, por exemplo, talvez até essa disposição tenha fluido nas recentes pesquisas de opinião, pode esperar de mudança, de forma rápida? E como o senhor se sente no exercício desse desafio, no exercício da Presidência, levando-se em consideração essa trajetória? É muito difícil fazer com que as coisas aconteçam para a população sentir isso?
Lula: Eu digo sempre, quando eu faço as metáforas, tentando ligar a questão da família à questão do futebol, é porque todo mundo entende de família e todo mundo entende de futebol. Eu estou completando, ontem eu completei, nove meses de governo, exatamente o tempo que eu demorei para nascer, nove meses. Então, um governo, no seu primeiro mandato com nove meses é uma coisa tão incipiente, que ninguém pode cobrar nenhum milagre, nenhum milagre.

O que nós fizemos foi estruturar as bases do Brasil que nós queremos construir. Agora, veja uma coisa, eu vou te dar um dado do programa fome zero, porque quando eu lancei o programa fome zero, tinha gente que fazia comentário achando que no dia seguinte estaria resolvido o problema da fome.

Ora, se não foi resolvido durante alguns séculos no Brasil, não seria eu, que tenho o poder máximo de um ser humano normal, que iria resolver. Mas deixa eu dar um número para você que você pode comprovar. Pode pegar um carro e sair na estrada para comprovar isso.

Ou seja, a partir do dia 25 de outubro, 1 milhão e 70 mil famílias vão começar a receber o cartão alimentação, é um crescimento de 41% em relação ao mês de setembro. Os municípios atendidos serão 1.227, 47% maior do que os municípios que estão recebendo agora em setembro. Eu estou falando de 25 de outubro. Em um mês, você vai ter 47% a mais no número de municípios e 41% a mais da população. Os municípios que estão aptos a receber o programa são 1.855. E nós temos 1.298 comitês gestores já organizados. Portanto, o programa está funcionando à toda prova.

Eu vou dar um dado de Guaribas, que é uma cidade que está marcada e que vocês, quem sabe, um dia, poderão fazer uma viagem por Guaribas. Nós começamos Guaribas em fevereiro. Portanto, nós começamos Guaribas há sete meses. A taxa de mortalidade infantil caiu de 35,7 por mil, para 0. Ou seja, até agora não morreu nem uma criança nascida em Guaribas. O número de crianças nascidas com peso abaixo do normal caiu de oito para três crianças. Uma queda de 35%. Eu estou falando apenas em sete meses. A proporção de desnutrição protéico-calórica em crianças menores de um ano caiu de 20,6 para 16. A proporção de crianças menores de dois anos que apresentavam diarréia, caiu de 16% para 11%. A proporção de gestantes acompanhadas que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre, passou de 16% para 40,8%. Ou seja, foi um aumento de 150% no pré-natal realizado em 80% das mulheres. A cobertura vacinal, que antes era apenas de 9%, passou para 96%.

Ou seja, se vocês forem a Guaribas eu estou falando de Guaribas, porque foi a primeira cidade, foi a marca vocês vão perceber que houve uma revolução naquela cidade. Obviamente que não virou ainda uma Califórnia, nem tampouco uma Ribeirão Preto. Mas a verdade é que mudou a cara da cidade e a vida das pessoas. Esses dias eu fui no BNB [Banco do Nordeste do Brasil], no Ceará, e a pessoa me mostrava que, pela primeira vez, Guaribas tem um salão de beleza, um instituto de beleza. Para nós, aqui, de Brasília, o que é um instituto de beleza? Não é nada. Mas para Guaribas, que nunca tinha, o fato de você entrar com o programa Fome Zero lá, permitiu isso. Permitiu que as pessoas tivessem a maior produção de feijão de História de Guaribas. E nós nos propusemos a comprar o feijão.

O que aconteceu? Nós nem precisamos comprar porque o preço estava abaixo de mercado. Quando nós dissemos que íamos comprar o preço subiu. Então nós estamos mudando a cara de cada cidade.

Vamos pegar um exemplo concreto aqui. Nós temos agora 286 cidades decretadas emergência ou calamidade pública, no Nordeste brasileiro. O que nós fizemos? Saímos do tradicional carro pipa da prefeitura e passamos a fazer com que o Exército contrate os caminhões pipa. O caminhão contratado ganha um aparelho daqueles de rádio. Em cada lugar que o caminhão vai entregar água, ele é obrigado a comunicar ao Exército o lugar em que está colocando água, para que a gente mande instalar uma cisterna naquela casa. Já colocamos 20 mil cisternas. E queremos chegar a muito mais no Nordeste brasileiro. Ou seja, significa o que? Significa que o programa Fome Zero é, hoje, um sucesso absoluto neste país. Nós já atingimos toda a Região Norte, já atingimos toda a região do semi-árido nordestino, mais o Vale do Jequitinhonha, mais o Vale da Ribeira e mais as regiões das missões, no Rio Grande do Sul, onde você pode, além de um belo passeio turístico, ver como é que está funcionando o programa Fome Zero lá no nosso querido Rio Grande do Sul.

Então, o programa está funcionando. Nós, agora, dia 27 de outubro, vamos anunciar a unificação das políticas sociais, estamos trabalhando em parceira com 27 governadores. Acontece que tem muitos estados que não têm políticas de transferência de renda. Os que têm, nós vamos fazer convênio para não só poder complementar e aumentar o que as pessoas recebem. Os que não têm, nós vamos criar a possibilidade de ter. Temos aí uns dez ou onze estados em que a gente já pode fazer um acordo imediato de transferência de renda. As pessoas que hoje recebem, em média, R$ 45, ou melhor R$ 30, porque quem tem dois filhos recebe R$ 30 do Bolsa-Escola, vão receber, em média R$ 75 -- o que é um acréscimo brutal, se você comparar a diferença de R$ 30 para R$ 75. E vamos lançar isso dia 28 de outubro. Não vamos lançar dia 27 porque é dia do meu aniversário e vocês vão dizer que tem coincidência.

No dia 28 de outubro vamos começar a atender 1,2 milhão de famílias com o novo plano. E dia primeiro de dezembro vamos atender mais 1,2 milhão. Dia primeiro de janeiro, mais 1,2 milhão. Ou seja, vamos chegar no começo do ano com 3,6 milhões de famílias recebendo o novo plano. E quem não receber o novo plano, vai continuar recebendo o que recebe: a Bolsa-Escola e o Vale-Gás. Somente quando forem introduzidas no novo programa é que, então, deixa de existir o programa velho.

É uma coisa fantástica. Você vai poder anunciar na Rádio Gaúcha que nós estamos colocando em prática o maior programa de transferência de renda, eu diria, do mundo. Deixa a gente totalizar. E, obviamente, que, nós queremos chegar, num curto espaço de tempo, a atender 11 milhões de famílias.

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