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02/10/2003 - 17h09

Leia a segunda parte da íntegra da entrevista de Lula às rádios

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da Folha Online

Na segunda parte da entrevista coletiva concedida hoje às rádios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre seus dez meses de meses de governo. Lula defendeu o vice, José Alencar, dizendo achar "normal" que, em alguns momentos, ele tenha visões diferentes sobre as coisas.

Lula rebateu as críticas recebidas pela organização Repórteres Sem Fronteira, que o acusou de ter se omitido durante a viagem que fez a Cuba na questão dos dissidentes. Ele falou sobre a reforma Trabalhista, sobre a questão agrária, e terminou criticando a diretoria do Corinthians, seu time do coração, dizendo que o clube errou ao permitir a saída de alguns dos principais jogadores durante o Campeonato Brasileiro deste ano.

Veja abaixo a segunda parte da entrevista:

Pergunta: Presidente, o senhor foi eleito com um discurso de mudança. E a crítica, hoje, da mídia e da população, é que não houve ainda a mudança esperada, que parece que o governo continua o mesmo do antigo. O senhor, o PT era contra, por exemplo, CPMF, taxação dos inativos, era contra transgênicos e, hoje, mudou de opinião. O senhor já disse, na questão dos transgênicos, que não é o fato de ser contra ou a favor é faz ou não faz. São incompatíveis, presidente, os ideais antigos do PT com o PT no governo?
Luiz Inácio Lula da Silva: Não. É que, quando você teoriza, você acha, você pensa, você acredita. Quando você governa, você faz. Ou seja, isso é como um paciente estar na UTI para uma cirurgia: o médico tem que decidir se corta ou não corta. Não dá para fazer uma reunião para decidir, estudar o tipo de doença. Você vai ter que fazer a cirurgia, com o risco que você tem que correr.

O que acontece, vejam, é que, primeiro, as pessoas que dizem que não mudou, ou não entendem o que está acontecendo, ou não querem entender. Porque a mudança houve não apenas nas pessoas eleitas, mas no comportamento das pessoas eleitas e nas diretrizes da política eleita.

A nossa política econômica, hoje, se nós tivéssemos dado seqüência à política econômica que vinha sendo colocada em prática, os juros, quem sabe, estivessem mais altos, a inflação estivesse, quem sabe, a 40% e nós talvez não tivéssemos nenhum dólar de financiamento.

Isso mudou. Mudou por quê? Por conta da credibilidade. Mudou quando, no ano passado, se gastou R$ 2 bilhões para a agricultura familiar e nós estamos nos propondo a gastar R$ 5,4 bilhões . Mudou quando nós criamos secretaria especial de Promoção de Igualdade Racial. Mudou quando demos uma força à Secretaria da Mulher. Mudou quando criamos um ministério da Pesca. Mudou quando ficamos arrojados na nossa política internacional e resolvemos fazer com que o Brasil se apresentasse ao mundo com autonomia e não um país de cabeça baixa, subordinado aos interesses dos países ricos. Mudanças substanciais.

E você vai ver o resultado disso. É como você plantar uma jabuticaba ou um pé de fruta qualquer, enxertado e não enxertado. Num primeiro momento, você pode até não notar a diferença. O que você vai notar de diferença é que uma vai produzir fruto muito mais rápido. E é o que vamos fazer.

Hoje, não estamos mais trabalhando no Brasil para não deixar o país cair no abismo. Hoje, posso dizer para vocês: nós estamos trabalhando com a certeza de que a economia brasileira vai voltar a crescer, de que a estabilidade foi conseguida, de que a inflação está controlada e de que, agora, vamos criar as condições para que o Brasil cresça, gere empregos e distribua a riqueza. Esta é a mudança substancial que não aconteceu em oito anos.

José Alencar

Pergunta: Presidente, a pergunta, agora, é sobre a relação do senhor com o vice José Alencar, entenda relação de governo. O senhor viajou para o exterior... Na primeira viagem que o senhor fez ao exterior, ele ficou na Presidência e falou que a decisão de baixar juros tinha que ser política e não técnica, o que contraria a opinião do ministro Palocci. Mais recentemente ainda, o senhor viajou e ele pareceu estar indeciso em assinar a medida provisória dos transgênicos. Por mais que o senhor demonstre em público, através de sorrisos e abraços com o vice-presidente, que essa relação permanece inteira, isso não desgasta o governo, presidente?
Lula: Olhe, primeiro, o José Alencar é uma das grandes figuras humanas que eu conheço. Eu digo para você que, dentro das coisas boas que Deus fez na minha vida, uma delas foi conhecer o José Alencar, na festa de 50 anos da vida empresarial dele.

E acho que a coisa mais normal é que, em alguns momentos, você possa ter visões diferentes sobre as coisas. Ou seja, nós temos DNAs diferentes, gostamos de clubes diferentes, temos coisas diferentes na vida. Eu tenho com a minha mulher, com o meu filho, por que não posso ter com o José Alencar?

Ora, o que acontece, concretamente, é que José Alencar é o vice que o Brasil precisa. E eu não poderia ter encontrado uma pessoa da maior dignidade humana do que José Alencar para ser meu vice.

O fato de o José Alencar falar sobre juros, isso ele falou durante a campanha inteira, falou no discurso em que o conheci e continua falando. E pode continuar falando. Não tem nenhum problema. Todo mundo sabe que os juros no Brasil precisam baixar. O presidente do Banco Central sabe, o ministro Palocci sabe, eu sei e vocês sabem. E o José Alencar sabe. Ora, acontece que alguns podem pensar: "Bom, os juros poderiam baixar 20% uma vez". Eu acho que não. Eu acho que nós temos que dar os passos de acordo com o tamanho das pernas, porque senão você tem distensão e aí vai ficar muitos meses acamado.

Então, eu estou consertando uma deficiência que o Brasil tinha, e estou dando remédio na hora certa. Você pensa que eu não tenho vontade que o juro baixe mais rápido? Eu tenho. Agora, eu não quero ser irresponsável de ao mesmo tempo que fizer uma polêmica política para ele baixar mais rápido, no mês seguinte ter que subir para controlar a inflação. Aí, cadê a minha euforia toda? Então, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, isso é a primeira coisa.

A segunda coisa, com relação aos transgênicos. Ora, era um tema polêmico, eu viajei, não ficou pronta a medida provisória na sexta-feira. Eu se pudesse obviamente teria assinado na sexta-feira, ela não ficou pronta, era um tema polêmico e o José Alencar fez muito bem em ouvir as pessoas. Ele não era conhecedor do assunto e disse isso para a imprensa. Ele tinha a Marina querendo discutir, ele tinha deputado querendo discutir. E fez muito bem em ouvir as pessoas.

Eu não vejo nenhum defeito, pelo contrário vejo virtude nisso. Está assinada a medida provisória, ele ouviu quem deveria ouvir, discutiu com quem deveria discutir. Qual foi o problema? Entre mortos e feridos, todos estão vivos, por muitos e muitos anos.

Exportações

Pergunta: Presidente, se o seu governo também acha que exportar é a solução, nas barreiras já conhecidas nos Estados Unidos, na Europa. Qual é o alvo preferencial do Brasil? O mercado nascente da China, os países árabes em menor proporção, porque a câmara de comércio árabe brasileira, festejando as nossas exportações, acha que ainda os países árabes podem absorver muito mais do que tem feito até agora. Continuar o intercâmbio com a Argentina, qual a meta do seu governo nesse campo importante?
Lula: A meta, eu estou achando que o planeta Terra está ficando pequeno para as nossas metas. Salomão, nós começamos o governo e determinamos que a política externa tinha que ser mais arrojada. Era preciso, a partir do fortalecimento do Mercosul, integrar toda a América do Sul, para que a gente pudesse, com um bloco mais forte, negociar com os Estados Unidos de um lado e com a União Européia de outro; e procurar novas fronteiras para os produtos brasileiros.

Descobrimos o que? Que o discurso de integração da América do Sul era um discurso falso, porque vão tentar integração mas não tem estrada, não tem ponte, não tem hidrovia, de muitos países não tem sequer vôo direto para o Brasil. Às vezes, um presidente de um país da América do Sul para vir ao Brasil tem que ir a Miami. Se é um homem de negócios, já faz negócio em Miami; por que vai vir ao Brasil?

Então nós estabelecemos uma unidade na América do Sul, discutimos entre BNDES e CAF, que é a instituição econômica da Comunidade Andina, 24 projetos, os projetos de integração entre um ou mais países, e agora, em dezembro, vamos definir quais os prioritários e vamos procurar parcerias para fazer a integração.

O Peru já veio para o Mercosul. Estamos trabalhando porque, até dezembro, poderemos ter a felicidade de ter outros países no Mercosul, para se tornar um bloco maior.

Por que isso? Porque a América do Sul está mais próxima de nós e nós temos mais chance de fazer negócio com a América do Sul. Depois, a África, que é um parceiro em que o Brasil tem um potencial de investimentos, a começar da Petrobras, da Companhia Vale do Rio Doce, além dos compromissos de Estado que nós temos. Então, já consolidamos a América do Sul, agora nós vamos para a África, dia 3 de novembro, visitar cinco países. Depois, dia 5 de dezembro, Salomão, eu vou para o mundo árabe. São sete países que eu vou visitar, porque os árabes têm muito dinheiro investido no mundo, menos na América do Sul e menos no Brasil. Nós vamos mostrar para eles o quanto este país é bom para receber dinheiro para investimento produtivo. Não somos bons apenas de futebol.

Ao mesmo tempo, criamos uma parceria entre Brasil, Índia e África do Sul, e agora estamos trabalhando com a Índia e com a China para a gente criar um bloco muito forte para negociar com os Estados Unidos e com a Europa.

Isto não significa que nós estejamos abdicando do nossos parceiros tradicionais, os Estados Unidos é muito importante para o Brasil, a União Européia é muito importante para o Brasil, mas eu acho que eles só vão ceder nos subsídios quando perceberem que nós não precisamos tanto deles e que nós não estamos pedindo.

Porque, normalmente, um dirigente latino-americano chega lá fora e fala: "meu país é pobrezinho, tem criança de rua, tem mortalidade infantil, tem prostituição infantil", achando que isso vai sensibilizar alguém. Isso não sensibiliza ninguém, isso não faz ninguém ceder produto. O que faz ceder, e aí eu trago do movimento sindical a minha experiência, é quando você tem força, se você tiver força e você chegar e falar: "olha gente, eu preciso negociar com vocês mas se vocês não quiserem eu vou negociar com outro país". Aí, você começa a criar as condições. Vamos fazer isso com carinho, sabe, o Furlan foi chamado para o governo para isso, o companheiro Celso Amorim é excepcionalmente preparado para isso. O meu companheiro Roberto Rodrigues é outro gigante. Então, nós estamos com a máquina azeitada para adentrarmos no mundo e fazermos negócio. Fazer negócio pensando no Brasil.

Então, nós estamos tranqüilos, o Brasil está melhor do nunca esteve. É por isso que estamos com recorde nas nossas exportações. Já temos um superávit de R$18 bilhões e vamos chegar a R$ 22 milhões ou mais, até dezembro. Isso nos dá uma folga.

Cuba

Pergunta: Ainda no campo internacional, presidente, Fidel Castro está contra o senhor como eventual sucessor dele em termos de liderança na América Latina. Em Paris, esta semana, a organização Repórteres Sem Fronteira criticou duramente o senhor pelo fato de ter se omitido durante a viagem que fez àquele país, Cuba, na questão dos dissidentes. Uma segunda parte, o ex-presidente Fernando Henrique tinha horror ao rótulo neoliberal. Algum rótulo incomoda o senhor? O senhor continua sendo de esquerda?
Lula: Primeiro, como é o nome? Repórteres Sem Fronteira? Vocês repórteres estão sem informação. Porque, primeiro, é descabido, lá de Paris, alguém ficar fazendo julgamento do meu comportamento com relação a Cuba. É descabido.

Segundo, eu conversei quase duas horas com o presidente Fidel sobre a questão dos prisioneiros de Cuba. Acontece que eu fui a Cuba como chefe de Estado. E um chefe de Estado, as boas maneiras indicam, não pode dar palpite na política de outro país. Nem eu dou na dos outros, nem quero que eles dêem na minha. Respeito é bom, eu dou e gosto de receber.

Então, conversei com Fidel Castro sobre o brasileiro que estava lá; conversei com Fidel Castro sobre os cinco cubanos que estão condenados à pena de morte nos Estados Unidos, porque as pessoas só falam de um lado, não falam dos dois lados. E eu ponderei muitas coisas ao Fidel, porque se alguém tiver que falar é ele, e não eu. Mas eu, José Dirceu e Frei Beto, passamos uma hora e meia conversando sobre direitos humanos e não tenho nenhuma obrigação de dar informações ao chamado Repórter Sem Fronteira.

Eu passei a minha vida inteira lutando por liberdade democrática. Ela vale para mim, vale para Cuba, vale para Paris, vale para todo mundo. Agora, Cuba tem suas razões, os Estados Unidos têm suas razões. A mim, cabe apenas dizer ao chefe de Estado como é que eu acho que deveriam ser as coisas. Mas não cabe mais do que isso.

Eu falei porque tinha interesse no brasileiro. Conversei com a Igreja católica em Cuba, conversei com a mãe do prisioneiro brasileiro, mas não cabe a mim sair dizendo para imprensa: olha, eu conversei isso, conversei aquilo, porque isso não ajuda num processo de negociação dessa envergadura.

Eu confesso que não gosto de rótulo. Eu acho que os mais velhos aqui se lembram que a primeira entrevista que eu dei, ainda no tempo da TV Tupi, tinha o Mesquita que me perguntou: você é comunista? Eu falei: não, sou torneiro mecânico. Porque eu acho que o rótulo não ajuda. Eu prefiro ser o Lula, torneiro mecânico, pernambucano de Garanhuns, que chegou à Presidência da República.

Reforma trabalhista

Pergunta: Presidente, o que o povo brasileiro pode esperar da reforma trabalhista que vem por aí? Porque a proposta da reforma da previdência defendida pelo governo surpreendeu muita gente, inclusive os seus eleitores, porque o governo defendeu coisas que antes atacava, como a cobrança nos inativos. E a reforma trabalhista que vem por aí, presidente?
Lula: Primeiro, vamos ter claro, Fábio, a reforma da Previdência social, ela foi feita em função das necessidades de sobrevivência, da própria capacidade dos estados poderem pagar os aposentados. Obviamente que, quando você mexe nos interesses corporativos de uma categoria, você sempre vai ter contra ou a favor. O dado concreto é que a reforma da Previdência foi feita do tamanho que precisava ser feita. Nós defendemos, a vida inteira, um sistema única de Previdência, nós sempre defendemos acabar com os privilégios. Ela foi feita. E graças à boa vontade do Congresso Nacional que, em tempo recorde, votou.

Eu acho que tem muita gente criticando por inveja, porque muitos tentaram, passaram anos e anos no poder e não conseguiram fazer o que eu fiz em apenas nove meses de governo. Isso deve causar inveja, porque diziam que eu não tinha maioria no Congresso, diziam que eu não tinha articulação política. Nós construímos a maioria no Congresso. Nós votamos a Previdência, vamos votar a reforma tributária, vamos votar a reforma da lei trabalhista. Ela está sendo construída com representação da sociedade. Estamos trabalhando porque a reforma não é para mim, é para o Brasil. E se é para o Brasil, não pode sair do Poder Executivo para a sociedade, mas tem que vir da sociedade para o governo. E vamos fazer do tamanho que precisa ser feita.

Depois, nós vamos fazer a reforma na estrutura sindical; depois, a reforma política e, podem ficar certos de que, tudo que for necessário fazer, para dar ao Brasil modernidade, nós vamos dar. Porque o Brasil precisa estar compatível com as economias mais fortes do mundo, porque o Brasil precisa ocupar o seu espaço no cenário mundial.

Nomeação de cargos

Pergunta: Presidente, o governo foi muito criticado pela nomeação de políticos para cargos onde os técnicos exerciam normalmente, como no caso da Petrobras e do Inca, no Rio de Janeiro. O ideal não seria justamente o contrário, presidente, profissionalizar a administração pública com menos políticos e mais técnicos?
Lula: Mas isso é uma visão absurda. Não sei se você sabia, o meu companheiro José Eduardo Dutra, que é o presidente da Petrobras, não só é tecnicamente competente, como é do setor. Foi sindicalista do setor durante muitos anos.

Agora, eu acho engraçado gente, é pensar que, alguém ganhando as eleições, vai contratar os adversários para trabalhar no seu governo. Fantástico isso, alguém achar que, bom, o Lula ganhou a Presidência, então ele vai chamar o pessoal do Maluf, o pessoal do Fernando Henrique Cardoso, o pessoal do Collor, para trabalhar. Não. Há vários cargos no governo que são cargos de confiança, que é o presidente que põe e que tira. E essas pessoas têm que ter competência técnica, competência política e ser da confiança do presidente. É assim. O dia que você montar alguma coisa, vai perceber que é assim. Não tem milagre. Deve ter alguém reclamando porque ficou de fora. Mas não tem outro jeito de fazer.

Eu ouvi outro dia reclamação, porque nós contratamos o Duda Mendonça queriam que eu contratasse o publicitário do Fernando Henrique Cardoso, o do Collor. Eu tenho que contratar quem eu confio. A pessoa tem competência técnica, participou da concorrência em igualdade de condições com os outros e se mostrou melhor, tem que ser ele. Para cargos administrativos, você tem que ter a competência técnica com a profissionalização.

Olha, vamos ser francos: tem muita gente boa, que não é do PT, não é do PSDB, não é do PMDB, não é do PFL, que está na máquina pública. Não é nenhum problema. O profissional é profissional. Isso a gente não mistura com cargo de confiança. Cargo de confiança é aquele que não é de carreira, é aquele que o presidente indica. Ele trabalha e, quando o presidente sair, ele sai junto. Não tem outro jeito, meu caro. Seja eleito para alguma coisa, para ver se você consegue fazer diferente. E quem fizer diferente está fazendo bobagem.

Reforma agrária

Pergunta: Presidente, neste ano, cerca de 50 lideranças foram assassinados no campo, na luta pela reforma agrária. Enquanto isso, o Ministério perdeu verbas e se multiplicam os números de acampamentos e invasões. O senhor disse, quando se encontrou com o MST, que apresentaria, ainda neste ano, um plano nacional de reforma agrária. Eu pediria que o senhor adiantasse alguns desses itens, alguns dos pontos do plano nacional de reforma agrária ao ouvinte da Rede Católica de Rádio, presidente.
Lula: Olhe, eu não tenho o plano ainda, porque o Ministério do Desenvolvimento Agrário está trabalhando esse plano.

O problema é o seguinte: não dá para você continuar discutindo reforma agrária como se discutiu até outro dia. Ou seja, é preciso criar um novo conceito de reforma agrária, porque, veja, você não pode ficar nessa disputa alucinante de assentar as pessoas, colocar as pessoas no campo e, depois, não dar condições de as pessoas trabalharem, não ter financiamento, não ter assistência técnica, não ter moradia, não ter educação, não ter saúde, e 80% dos assentamentos viverem de cesta básica do governo.

Isso é irracional. Isso é apenas a transferência da miséria urbana para a miséria rural, sem resolver o problema da reforma agrária.

O que estamos exigindo do Ministério do Desenvolvimento Agrário? É que seja feito um projeto em que possamos não apenas ficar assentando famílias em 50 ou 60 hectares, sem dar condições de trabalho para essas pessoas. Que, em função daquilo que a pessoa for plantar, ela tenha uma área menor em vez de colocar uma casa a 6 quilômetros da outra, a 10 quilômetros da outra, dificultando a criança de ir à escola, a gente vai tentar fazer uma espécie de agrovila - um núcleo habitacional em que você possa ter as casas, possa ter um posto de saúde, possa ter uma escola, possa ter uma venda, possa ter uma série de coisas que uma comunidade tem que ter. E que as pessoas, então, que vão trabalhar, os homens e as mulheres que vão trabalhar levantem mais cedo.

Queremos combinar a produção com a industrialização, criando agroindústrias, com a comercialização, para poder gerar empregos para a juventude. E, ao mesmo tempo, queremos dimensionar o seguinte: a pessoa vai fazer o quê? Vai criar peixe? Não precisa de 50 hectares. A pessoa vai plantar tomate, vai plantar pepino, vai plantar cebola? Isto é, dependendo do que a pessoa vai plantar, a pessoa, com uma área menor, pode ter muito mais produtividade se tiver assistência técnica e se tiver, por exemplo, água e ainda puder irrigar.

Então, nós queremos mudar isso para poder tornar produtivo e para poder fazer com quer as pessoas possam ganhar alguma coisa. Porque qual é o prazer de você colocar uma pessoa em 30 hectares, num lugar em que não tem água, não tem consumidor para o seu produto, não tem semente, não tem assistência técnica? Ou seja, para o cara ficar lá, abandonado, com a família? Isso que é reforma agrária? No meu conceito, não é.

Então, quero apresentar e, quem sabe, convidarei todos vocês para o dia em que a gente for inaugurar o novo modelo de reforma agrária que vamos instituir neste país.

Só um dado, com relação à violência: a violência é um problema sério. Eu tenho pedido ao ministro da Justiça que aja nas investigações.

Agora, é preciso que as pessoas tenham clareza: a reforma agrária vai sair, não porque alguém está invadindo ou porque alguém está matando. Ela vai sair por uma necessidade de se fazer justiça social no Brasil. Ela tem que sair, não com os equívocos cometidos durante tantos e tantos anos. Se eu tenho a oportunidade de apresentar um novo modelo e confesso a vocês que seria importante as pessoas conhecerem o que é um kibutz, em Israel, que não é um país socialista. Vocês vão perceber que tem algo excepcional que você não vai trazer para cá, mas que pode utilizar muita coisa boa que tem nesses países.

E nós queremos, efetivamente, fazer a reforma agrária, fazer com que as pessoas produzam e fazer com que as pessoas vivam com dignidade. Esse é um compromisso meu. Não é de campanha. É um compromisso de história, que está no meu sangue e que, se Deus quiser, vou fazer.

Reforma e eleições

Pergunta: Presidente, com a aprovação da reforma previdenciária, nós pudemos ver, lá no Congresso Nacional, várias manifestações de repúdio, de cobranças aos parlamentares do PT. O senhor avalia que essas manifestações terão reflexos diretos, agora, nas eleições municipais, já que muitos eleitores que fizeram lobby, lá no Salão Verde, advertiram aos petistas de que o troco seria dado agora, nas eleições municipais? Como o senhor avalia essa reação?
Lula: Veja, primeiro, é que nós fizemos uma reforma que o povo queria que fosse feita. Não tem uma pesquisa que não diga que mais de 70% da sociedade brasileira era favorável à reforma. Portanto, não dá para você ficar com medo de um corporativismo minoritário, porque não era o conjunto da categoria. A própria pesquisa feita pelo Ibope demonstra que, no setor mais baixo do funcionalismo público, as pessoas eram favoráveis à reforma.

Então, eu só não posso pedir para as pessoas não fazerem manifestação. Mas você pode ficar certa de que nós teremos mais votos na próximas eleições por conta da reforma, porque as pessoas vão se dar conta de que o que fizemos foi um bem para os trabalhadores, servidores públicos, e demos uma sobrevida aos estados brasileiros para poder pagar. Porque essas pessoas são simplistas. Essas pessoas pedem, mas quando você pergunta de onde vai vir o dinheiro para pagar, ninguém diz de onde vai vir. Ou seja, o cara pensa que o presidente da República é a galinha dos ovos de ouro. Mas o dinheiro não nasce do nada. O dinheiro nasce da produção, nasce do imposto. Então, se as pessoas querem mais, tenham coragem de dizer: "aumente imposto". Mas ninguém diz, porque todo mundo quer baixar imposto e, depois, querem mais as coisas.

Então, eu estou muito tranqüilo com relação à Previdência. Acho que foi um ganho para o Brasil, foi um ganho para os estados. Eu sempre agradeço aos parlamentares pela coragem que tiveram de votar. O que acho estranho é um cidadão de ultra-esquerda, de repente, estar batendo palmas para um cidadão de ultra-direita no Congresso Nacional, que era favorável ao pensamento dele. Isso é o que acho estranho: alguém chamar um deputado de direita de companheiro e chamar um companheiro tradicionalmente de esquerda de inimigo. Esse é o desvio do corporativismo e o desvio do ultraesquerdismo.

Reforma tributária

Pergunta: Presidente, as informações ao final da reunião na Granja do Torto, na última terça-feira, dizem que o senhor teve que passar um verdadeiro pito nos governadores, chamando-os à responsabilidade. Disse que cada um só estava pensando em si próprio e não estava pensando no Brasil. Reforma tributária agora no Senado, toda essa discussão parece que vai mudar tudo em relação ao que aconteceu, o que foi votado e aprovado na Câmara. O que o senhor espera, quais são as orientações que o senhor está dando?
Lula: Não ouve pito e eu jamais daria pito em governadores. O que houve foi o seguinte: É normal que quando você esteja discutindo uma reforma tributária, que você tenha companheiros, governadores, que queiram resolver o problema da falência do seu estado na política tributária.

Não é possível, a falência dos estados será resolvida na medida em que você tenha a recuperação da economia, a recuperação da economia dos estados, e que a arrecadação seja maior.

O que eu mostrei aos governadores é que em algum momento nós temos que pensar no Brasil, porque é possível o Brasil ir bem e um estado ir mal, mas não é possível um estado ir bem se o Brasil vai mal. É preciso primeiro pensar no nacional, depois pensar no regional, depois pensar no setorial.

Deixa eu contar uma coisa da reforma tributária se vai ser votada, não vai ser votada tal qual precisa ser votada -, eu, quando levanto de manhã, leio cinco ou seis jornais todo santo dia. Às vezes, se eu fosse me ater pelas manchetes dos jornais, eu nem sairia do Palácio da Alvorada, tal era a confusão estabelecida na praça.

Aí você chega aqui pega o telefone, liga pra um lá: "mas não é isso não, aí tem equívoco, eu não falei isso, eu não pensei aquilo". Então, não existe nada que substitua a relação humana. Você chamar a pessoa para conversar, propor, acordar, ceder, conquistar. Isso nós fazemos com muita competência, graças a Deus. Graças a Deus eu tenho bons líderes no Congresso Nacional, tenho a boa vontade da maioria dos partidos. Graças a Deus eu tenho o José Dirceu na Casa Civil que organiza muito bem; e os meus ministros já foram mais ao Congresso Nacional debater do que todos os ministros do outro governo em oito anos.

Eu nunca vi ministro gostar de debater com os meus, ou seja, eles vivem se oferecendo para debater, sabe por que? Porque, quem está imbuído da verdade, quem está imbuído de boa vontade, não tem por que ter medo. Então nós vamos fazer a reforma tributária. Você pode ficar certo de uma coisa, eu não tenho nenhuma preocupação com o Senado ou com a Câmara, nenhuma. Eu acho que as pessoas são todas pessoas que pensam neste país. Obviamente que às vezes têm que fazer um discurso para o seu partido, um discurso para o seu eleitor, mas se você não entender isso, também você não entende nada, é melhor não fazer política.

Fazer política achando que todo mundo tem que dizer amém ao presidente não é possível. Fazer política achando que o presidente é um ser superior, que não tem que conversar com as pessoas, não é possível. O presidente mais do que qualquer outro brasileiro, tem que estar 24 horas por dia à disposição de conversar com quem quer que seja para fazer um acordo político e, graças a Deus, eu trago da minha experiência sindical, que eu tenho muito orgulho, o aprendizado de negociar. Eu gosto de ouvir, gosto de meditar sobre o que as pessoas me falaram e gosto de fazer acordos; e vamos fazer. Deus não me deu essa oportunidade à toa, eu briguei muito para chegar aqui e vou fazer as coisas para mostrar que é possível construir um Brasil muito melhor.

As bases estão colocadas e pode ficar certo de que nós vamos fazer muitas entrevistas dessa e a cada ano vocês vão medindo, a cada mês que fizermos vocês vão medindo.

Eu queria, sei que está no final, agradecer a cada um de vocês. Eu penso que o que nós fizemos hoje aqui é um novo aprendizado para a imprensa brasileira e um aprendizado para o presidente da República, e isso se deve ao fato de vocês terem aqui um companheiro, que embora seja meu assessor é mais assessor da imprensa do que meu. Ele se preocupa muito mais com vocês do que comigo. Às vezes, eu penso que vocês é que pagam o salário dele.

De certa forma sim, porque pagam imposto e termina pagando o salário dele. O Ricardo Kotscho tem insistido muito para que isso aconteça, ele tem insistido há uns três meses que é importante fazer entrevista de rádio, e uma coisa muito franca. Então eu quero agradecer ao Ricardo Kotscho, quero agradecer a vocês e dizer que outras virão. Vai ser muito importante, inclusive, o Ricardo Kotscho querer valorizar o pessoal que faz a cobertura diária, porque muitas vezes a gente só pensa nos grandes chefões e as pessoas que trabalham no dia-a-dia aqui. Mas eu penso que nós estamos aprendendo, e essa entrevista de hoje, para mim ela foi marcante. Primeiro pela cordialidade de vocês, pela forma respeitosa com que vocês fizeram as perguntas, pela forma madura com que vocês trouxeram as perguntas e eu penso que nós construímos um novo espaço no exercício da democracia, na imprensa e no exercício de governo.

Quero agradecer a todos vocês e espero que a gente possa, brevemente, estar sentado nessa mesa aqui fazendo uma outra entrevista. Meu caro Luiz, muito obrigado.

Corinthians

Pergunta: Presidente, antes de encerrar, o que o senhor pensa de um flamenguista estar dirigindo o seu Corinthians?
Lula: Veja, um flamenguista é mais que um flamenguista, é um Júnior, é daquelas pessoas que embora jogassem no Flamengo, todo mundo gostaria de tê-lo no seu time de futebol, mais do que nunca o Júnior é um craque. Eu acho equivocado o que a direção do Corinthians fez, ou seja, vender sete jogadores durante o campeonato e depois achar que levando o Rivellino e o Júnior vão resolver o problema. Não vão resolver o problema, um time de futebol você constrói um tempo antes de começar o principal campeonato.

O Corinthians fez errado, mas eu, se o Rivellino e o Júnior conseguirem passar para a meninada 10% do que eles jogaram, o Corinthians já vai ter o melhor time do mundo.

Leia mais
  • Leia a primeira parte da entrevista de Lula
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