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08/12/2001 - 09h08

Brasil lança a 20ª expedição à Antártida

CLAUDIO ANGELO
eviado especial da Folha à Antártida

O sol já está alto às 7h15, quando o Hércules da Força Aérea Brasileira quica na pista de pouso da base chilena Presidente Frei, na ilha Rei George, a maior do arquipélago das Shetlands do Sul, Antártida. A temperatura é de 0ºC e os 30 cientistas a bordo respiram aliviados: o frio está suportável. Para quem vai passar o verão inteiro pesquisando ali, qualquer grau a mais é uma bênção.

O vôo que desembarcou quarta-feira na Antártida, trazendo 30 cientistas e a equipe da Folha, integra a 20ª expedição brasileira ao continente desde a criação do Proantar (Programa Antártico Brasileiro), em 12 de janeiro de 82.

Parte do grupo, incluindo os jornalistas, ficará até o dia 21 no NApOc (Navio de Apoio Oceanográfico) Ary Rongel, da Marinha. Ele navegará pelas Shetlands do Sul até retornar a Punta Arenas, Chile, de onde saiu o vôo.

A viagem de duas horas e meia na ida não foi exatamente tranquila. O comando da operação e os cientistas estavam tensos com a possibilidade de uma tempestade na ilha, algo comum, que impedisse o retorno do avião ao Chile no mesmo dia.

Como o pernoite na base Frei é proibido, a expedição brasileira teria de esperar a próxima "janela" (oportunidade para decolagem, no jargão aeronáutico). A decolagem da gélida Punta Arenas para a Antártida, prevista para as 5h de quarta, acabou acontecendo duas horas mais cedo.

Outro mundo

Para quem põe os pés no sexto continente pela primeira vez, o clichê é perdoável: tem-se a sensação de estar pisando em outro planeta. O gelo e as rochas vulcânicas, que ficam expostas no verão, combinados com um céu quase sempre encoberto, dão à paisagem um aspecto fantasmagórico. Uma beleza em preto e branco, nas palavras do biólogo Frederico da Costa Pinto, da USP.

Antártida e América do Sul parecem mesmo mundos à parte, mas têm a mesma herança geológica. Ambos são fragmentos do supercontinente Gondwana, que existiu há 180 milhões de anos.

A península Antártica, grande faixa de terra que avança em direção à Patagônia, não passa de continuação da cordilheira dos Andes. O que separa os continentes e marca tão radicalmente o inóspito ambiente antártico -sem nenhuma vegetação além de musgos e liquens- não é a distância de 900 km entre a península e o sul do Chile, mas a linha imaginária à latitude de 60, onde os padrões de circulação oceânica parecem enlouquecer.

As interações entre a atmosfera, o oceano e a massa continental antártica fazem com que as correntes quentes mergulhem no mar gelado. É a chamada Convergência Antártica, que transforma o continente no mais frio (-89,2ºC registrados em 83), alto (média de 2.538 m) e ventoso (rajadas de 372 km/h, em 72) do mundo.

"É uma tentativa do planeta de equilibrar o calor do Equador com o frio dos pólos", diz o meteorologista Alberto Setzer, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ele é o responsável pelos dados meteorológicos coletados na Estação Antártica Comandante Ferraz, em Rei George.

O trabalho de Setzer, porém, tem aspirações mais quentes. Ele quer entender como o clima da Antártida se relaciona com o da América do Sul e como a previsão do tempo aqui pode ajudar a entender o que acontece no Brasil.

Esse tipo de estudo dever virar foco da pesquisa antártica brasileira em 2002. Está em elaboração pelo Ministério da Ciência e Tecnologia um novo conjunto de diretrizes para a ciência antártica. "Até agora, a pesquisa tem se voltado para descrever o ambiente", diz o glaciologista Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que está ajudando a elaborar a nova política.

"Agora precisamos fornecer explicações", afirma. Na ordem do dia das tais explicações está a mudança climática global, cujo principal índice é o derretimento do gelo nas regiões polares. Usando técnicas de sensoriamento remoto, o grupo de Simões detectou uma perda, nos últimos 50 anos, de 10% do gelo nos glaciares da baía do Almirantado, onde está a estação do Brasil.

"A região da península Antártica é especialmente sensível à mudança climática", diz Setzer, enquanto observa uma zona de baixa pressão se aproximando lentamente de Rei George. No momento, contudo, a ilha está com tempo excepcionalmente bom.

O recuo do gelo na Antártida tem um efeito colateral bem desagradável: ele está contribuindo com a elevação do nível do mar. Essa elevação foi prevista para até 88 cm, nos próximos cem anos, pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, órgão ligado à ONU).

No Ártico, esse efeito é bem menor. Uma vez que não há terras ao redor do pólo Norte, apenas uma calota de gelo, o efeito do derretimento sobre o nível do mar é nulo, como o de um cubo de gelo que derrete num copo d'água.

Os estudos climatológicos poderão explicar, por exemplo, coincidências como a que houve entre dezembro de 2000 e março de 2001, quando a ilha Rei George teve seu verão mais frio desde a instalação da Comandante Ferraz, em 1984. As temperaturas ficaram até 1,7ºC abaixo da média.

"Coincidentemente, foi um período de seca no Brasil, que contribuiu para a crise de energia elétrica", afirma Setzer. A relação entre os dois fenômenos, no entanto, ainda não foi estabelecida. Há até quem duvide de que ela exista. A Antártida responderá.

Os jornalistas Claudio Angelo e Toni Pires viajam pela Antártida a convite da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar

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