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08/12/2001 - 09h14

Frio e inacessibilidade são mitos na Antártida

do enviado especial da Folha à Antártida

Contando ninguém acredita, mas também faz calor na Antártida. O efeito, conhecido como sensação térmica, se manifesta nos dias de sol e pouco vento, durante o verão. Além de provocar queimaduras em quem se atreve a caminhar sem proteção, quebra um dos vários mitos que se constroem sobre o Sul Profundo.

O maior desses mitos é o do continente inacessível, a "última terra" a ser conquistada. A lenda da Terra Australis Incognita (a terra desconhecida do sul) começou a ser elaborada pelos gregos no século 4º a.C. No seu ideal de simetria, os aristotélicos previram a existência de uma porção de terras emersas ao sul do globo, para compensar as terras ao norte.

Chutaram certo, mas a Antártida permaneceria intocada até que o explorador russo Thaddeus Bellingshausen encontrasse terra firme abaixo do paralelo 68, em 1821. Hoje, as regiões mais amenas da Antártida não são mais um deserto humano. "No ano passado, houve mais turistas que cientistas na região", diz Jefferson Simões, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Na ilha Rei George, onde fica a estação brasileira Comandante Ferraz, há bases de pesquisa da China, do Chile, da Polônia, do Reino Unido, do Peru, do Uruguai e da Argentina. Na chamada Vila das Estrelas, perto da base chilena Presidente Frei, vivem desde 1984 cerca de 30 famílias. E já há chilenos nascidos na ilha, que está, como diz Simões, "a meio caminho entre o pólo Sul e o Rio Grande do Sul".

As massas polares

Um outro mito, bem conhecido no Brasil, é de natureza climática. São as "massas de ar polar" que supostamente provocam as ondas de frio do inverno brasileiro. "Isso é uma crença", diz o meteorologista Alberto Setzer, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Observações realizadas por Setzer na península Antártica mostram que as massas frias de origem polar não sobem para o Brasil. "Elas vêm de regiões frias do Pacífico Sul." As grandes massas de ar frio da Antártida se deslocam para o Atlântico.

Portanto, esqueça a idéia de prever as geadas do Paraná usando dados da ilha Rei George. "A influência é indireta", diz o pesquisador. Da próxima vez que você escutar a expressão "massa de ar polar" na TV, desconfie. A Antártida não tem culpa dessa vez.

Suando no gelo

As temperaturas antárticas são baixas mesmo durante o verão austral. Na península, onde fica a base brasileira, a média no verão fica em torno de 0ºC, raramente chegando a 5ºC.

Mas quem dá as cartas é a velocidade do vento, que pode mudar a sensação térmica em mais de 10ºC. A diferença entre o que o termômetro registra e o que se sente, às vezes, chega a quase 20ºC, para mais ou para menos.

O efeito foi relatado em 1914 por sir Ernest Shackleton, explorador britânico que protagonizou a mais heróica aventura antártica de todos os tempos ao perder seu navio, o Endurance, na banquisa congelada do mar de Weddell (a leste da península) e passar meses morando sobre placas móveis de mar congelado.

Em novembro daquele ano, Shackleton escreveu: "O calor era tamanho que tivemos de levantar as abas laterais das barracas para ter ventilação". E, em janeiro de 1915, ainda acampando sobre a banquisa sólida, registrou temperaturas de 2,2ºC à sombra, que subiam para 26ºC nas barracas.

Anteontem, quando a reportagem da Folha acompanhava pesquisadores que coletavam algas ao longo da enseada Martell, nas imediações da estação brasileira, a temperatura era de 3ºC, mas a sensação térmica estava em torno de 14ºC. Quente o bastante para andar de camiseta, como um jornalista acabou fazendo.

A imprudência teve um preço em queimaduras leves no rosto e nos braços. Nem uma boa dose de protetor solar -que, em Ferraz, fica à disposição em generosas bisnagas- salvou o incauto dos efeitos de um fenômeno mais conhecido: o buraco na camada de ozônio, que deixa passar uma quantidade maior de raios ultravioleta, provocando queimaduras e elevando o risco de câncer de pele. E isso não é mito. (CLAUDIO ANGELO)

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