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23/01/2005
-
09h42
ADRIANA CHAVES
da Folha de S.Paulo, no Rio
Os sambas-enredo das escolas cariocas abdicaram dos pressupostos da malandragem, aderiram ao politicamente correto e repetem fórmulas de sucesso na tentativa de ampliar sua aceitação, afirmam pesquisadores ouvidos pela Folha.
O historiador da USP (Universidade São Paulo), José Carlos Meihy, aponta o risco de transformação dos desfiles das escolas de samba em "festa cívica".
"É triste porque trocam-se brincadeiras, picardias e malandragens por propagandas patrocinadas por empresas, órgãos governamentais ou consulados", declara Meihy.
De acordo com o o historiador os atuais sambas-enredo podem ser enquadrados em três categorias: demonstrativos, trazendo elementos como fogo, água, energia e natureza; históricos, retratando guerras, batalhas, homenagens, festas e celebrações; e de campanhas, que abordam questões como a doação de órgãos, educação no trânsito, combate ao HIV etc.
Sua crítica recai principalmente sobre os sambas de campanha e os excessivamente didáticos (veja quadro). "Claro que não é errado defender essas bandeiras. Mas são temas que fogem do espírito do Carnaval. Há uma espécie de retomada dos pressupostos da ditadura e as contradições surgem", disse o historiador.
Monotonia marcheada
Pesquisador de Carnaval, o psiquiatra da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Aloysio Felix ressaltou que os CDs das escolas vendiam seis vezes mais há dez anos do que hoje. Segundo ele, devido à queda de qualidade das letras e por terem ficado parecidos uns com os outros.
"Querendo animar com refrãos fáceis, [os sambas] desanimam pela sua monotonia e marcheamento; querendo descrever a história, a fazem por imagens pobres com palavras pouco inspiradas. Há um privilégio do ritmo da bateria em detrimento da boa harmonia do samba, como no funk introduzido pela Unidos do Viradouro em 1997 para justamente esconder possíveis erros do samba", afirmou Felix.
O pesquisador diz acreditar que a oficialização do Carnaval como festa nacional, nos anos 30, e o surgimento do carnavalesco na década de 1960 promoveram uma espécie de "embranquecimento" nos sambas. Ele também aponta a entrada dos patrocínios e a padronização dos desfiles como fatores responsáveis pela "pasteurização" das letras.
"O malandro da comunidade, que compunha samba de forma primitiva não pôde mais competir com os chamados condomínios -compositores de classe média-alta composta de letristas e músicos que invadem várias escolas simultaneamente, lançam seus sambas de acordo com a sinopse e quase invariavelmente ganham a disputa, que requer dinheiro aplicado", disse Felix.
Retalhos de melodia
Com "raríssimas exceções", os sambas-enredo tornaram-se "repetitivos e bobinhos" afirma o sambista e estudioso do tema Nei Lopes. "São colchas de retalhos, principalmente de melodia, sempre colagens de motivos já ouvidos", critica.
"Às vezes, a gente se anima com a empolgação, a interpretação do cantor, alguma convenção no arranjo, mas quando vai ver direitinho é como um jingle: "grudou no ouvido" porque remete a trechos de canções ou fórmulas já utilizadas", afirmou Lopes.
Para a professora de pós-graduação em psicologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Monique Augras, a "malandragem" nunca teve muito espaço nos sambas-enredo. "A origem das escolas é reacionária."
"As escolas precisam do reconhecimento institucional, da aceitação da sociedade erudita. Não têm esse viés crítico, querem aparecer e aparecer bem, ser bacanas. O discurso do samba-enredo é para agradar a quem manda, aos jurados da classe média intelectualizada", disse Augras.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre enredo das escolas de samba
Leia o que já foi publicado sobre a malandragem
Escolas afastam samba da malandragem
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da Folha de S.Paulo, no Rio
Os sambas-enredo das escolas cariocas abdicaram dos pressupostos da malandragem, aderiram ao politicamente correto e repetem fórmulas de sucesso na tentativa de ampliar sua aceitação, afirmam pesquisadores ouvidos pela Folha.
O historiador da USP (Universidade São Paulo), José Carlos Meihy, aponta o risco de transformação dos desfiles das escolas de samba em "festa cívica".
"É triste porque trocam-se brincadeiras, picardias e malandragens por propagandas patrocinadas por empresas, órgãos governamentais ou consulados", declara Meihy.
De acordo com o o historiador os atuais sambas-enredo podem ser enquadrados em três categorias: demonstrativos, trazendo elementos como fogo, água, energia e natureza; históricos, retratando guerras, batalhas, homenagens, festas e celebrações; e de campanhas, que abordam questões como a doação de órgãos, educação no trânsito, combate ao HIV etc.
Sua crítica recai principalmente sobre os sambas de campanha e os excessivamente didáticos (veja quadro). "Claro que não é errado defender essas bandeiras. Mas são temas que fogem do espírito do Carnaval. Há uma espécie de retomada dos pressupostos da ditadura e as contradições surgem", disse o historiador.
Monotonia marcheada
Pesquisador de Carnaval, o psiquiatra da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Aloysio Felix ressaltou que os CDs das escolas vendiam seis vezes mais há dez anos do que hoje. Segundo ele, devido à queda de qualidade das letras e por terem ficado parecidos uns com os outros.
"Querendo animar com refrãos fáceis, [os sambas] desanimam pela sua monotonia e marcheamento; querendo descrever a história, a fazem por imagens pobres com palavras pouco inspiradas. Há um privilégio do ritmo da bateria em detrimento da boa harmonia do samba, como no funk introduzido pela Unidos do Viradouro em 1997 para justamente esconder possíveis erros do samba", afirmou Felix.
O pesquisador diz acreditar que a oficialização do Carnaval como festa nacional, nos anos 30, e o surgimento do carnavalesco na década de 1960 promoveram uma espécie de "embranquecimento" nos sambas. Ele também aponta a entrada dos patrocínios e a padronização dos desfiles como fatores responsáveis pela "pasteurização" das letras.
"O malandro da comunidade, que compunha samba de forma primitiva não pôde mais competir com os chamados condomínios -compositores de classe média-alta composta de letristas e músicos que invadem várias escolas simultaneamente, lançam seus sambas de acordo com a sinopse e quase invariavelmente ganham a disputa, que requer dinheiro aplicado", disse Felix.
Retalhos de melodia
Com "raríssimas exceções", os sambas-enredo tornaram-se "repetitivos e bobinhos" afirma o sambista e estudioso do tema Nei Lopes. "São colchas de retalhos, principalmente de melodia, sempre colagens de motivos já ouvidos", critica.
"Às vezes, a gente se anima com a empolgação, a interpretação do cantor, alguma convenção no arranjo, mas quando vai ver direitinho é como um jingle: "grudou no ouvido" porque remete a trechos de canções ou fórmulas já utilizadas", afirmou Lopes.
Para a professora de pós-graduação em psicologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Monique Augras, a "malandragem" nunca teve muito espaço nos sambas-enredo. "A origem das escolas é reacionária."
"As escolas precisam do reconhecimento institucional, da aceitação da sociedade erudita. Não têm esse viés crítico, querem aparecer e aparecer bem, ser bacanas. O discurso do samba-enredo é para agradar a quem manda, aos jurados da classe média intelectualizada", disse Augras.
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