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11/03/2005 - 10h31

Para Jobim, nova regra sobre aborto não livra médico de ação criminal

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SILVANA DE FREITAS
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Nelson Jobim, disse que não estão livres de processo criminal os médicos que seguirem a recomendação do Ministério da Saúde de fazer aborto na rede pública em mulheres que alegarem ter engravidado após estupro, mas não apresentarem boletim de ocorrência sobre a violência sexual.

A Folha revelou ontem que o ministério preparou uma nova norma em que, com base no Código Penal, dispensa médicos de exigirem BO em caso de gravidez por estupro. Na norma anterior, de 1998, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, o documento era obrigatório para aborto legal.

"Não tem valor ato do Executivo dizendo que determinado assunto não tem conseqüência jurídica", disse Jobim, sugerindo que a norma, a ser publicada, é inócua, ou seja, sem validade legal. Ele acrescentou que apenas lei ou decisão do Judiciário podem dar esse tipo de garantia aos cidadãos.

O Código Penal inclui o aborto entre os crimes contra a vida e prevê duas exceções --estupro e risco de vida à mulher--, mas não diz que é necessária a apresentação de BO na primeira hipótese.

Baseado nessa interpretação, o governo editou a norma com a orientação ao médico: "Deve-se orientá-la [a mulher grávida após estupro] a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento".

Pelo atual Código de Ética Médica, no entanto, o profissional da saúde pode alegar objeção de consciência e não realizar a interrupção da gravidez.

O artigo 126 do Código Penal prevê de um a quatro anos de prisão para os condenados por "provocar aborto com o consentimento da gestante". Mas, no documento, o governo diz que o médico não deve temer conseqüências jurídicas caso, posteriormente, descubra-se que a gravidez não foi resultado de estupro. Cita novamente o Código Penal, artigo 20, inciso 1º, que isenta de pena "quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima".

Segundo Tereza Campos, diretora de Ações Programáticas e Estratégicas do Ministério da Saúde, o governo apenas garante o direito a atenção da saúde, como prevê a Constituição, ao normatizar o atendimento do aborto legal.

"O ministério não está assumindo atribuições do Judiciário ou do Legislativo. A norma garante o atendimento a um processo que é legal pelo Código Penal."

A exigência de apresentação do BO é uma restrição ao exercício de um direito constitucional, segundo o juiz José Henrique Torres, professor de direito penal da PUC de Campinas. Ele foi um dos especialistas consultados para a elaboração da norma técnica.

"O BO não prova nada, é apenas uma notícia do fato. Não se pode confundir assistência médica com inquérito policial. Ninguém pede para uma pessoa que foi quase assassinada um prova de que sofreu tentativa de homicídio."

Ele refutou a idéia de que as mulheres irão burlar o sistema para fazer abortos ilegais (sem estupro). "Isto é feito há mais de dez anos, em mais de cem hospitais."

Torres também aponta como equívoco imaginar que o serviço de aborto legal seria feito com irresponsabilidade. "Ninguém vai dizer: "Foi estuprada? Então deita aí, vamos fazer um aborto". O hospital precisa ter estrutura, uma avaliação de equipe, avaliação médica e psicológica", disse.

Já para o médico Isac Jorge Filho, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), a não-exigência do boletim de ocorrência para a realização do aborto legal após estupro pode aumentar o número de abortos ilegais. Para ele, a norma representa um sério risco à saúde pública.

"Os médicos não têm como investigar se a mulher está ou não falando a verdade. Isso é uma coisa muito séria. Pode levar os hospitais a se transformarem em uma indústria de abortos." Segundo ele, o Cremesp vai aguardar a publicação da norma, avaliar o conteúdo e, se não houver a exigência do BO, vai convocar os conselheiros para uma manifestação oficial sobre o assunto.

Colaborou Leila Suwwan,da Sucursal de Brasília

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