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09/12/2005 - 21h24

Promotoria investiga questionário dado a crianças em igreja de SC

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THIAGO REIS
da Agência Folha

O Ministério Público de Santa Catarina irá instaurar na segunda-feira (12) um procedimento para investigar um questionário de confissão que foi entregue a crianças na igreja de Iomerê (415 km de Florianópolis).

As crianças, que têm em média 11 anos, receberam, após uma das aulas de primeira comunhão, um "exame de consciência" --uma espécie de confissão-- que pedia a elas para "marcar ou pintar os quadradinhos dos seus pecados cometidos".

As opções eram divididas por mandamentos. No sexto ("não pecar contra a castidade"), havia os quadradinhos "vou à zona", "pratico relações homossexuais", "sexo com animais", "sexo com bonecos". No quinto ("não matar"), a criança podia optar por "cometi aborto", "abuso no volante", "tentei suicídio". Os formulários foram recebidos na semana passada.

A promotora de Justiça Maria Regina Forlin Lakus afirmou que irá tomar todas as providências para apurar o caso.

Participam do curso da igreja 32 crianças. O pároco é Clair Kozik, que disse lamentar o caso, que a intenção foi a mais reta possível e que ninguém pensou em atingir o lado maléfico. O bispo de Caçador, Luiz Carlos Eccel, disse que, se fosse ele, "seria mais discreto, mas que o que está ali não deixa de ser realidade".

Uma das mães, que preferiu não revelar o nome, disse que foi até a paróquia pedir explicações e que "só faltou o padre lhe chamar de retardada". Em entrevista à Folha, ela disse que soube do formulário quando sua filha, que tem dez anos, lhe perguntou: "Mãe, estou com duas dúvidas: O que é uma relação de lesbianismo e o que é sexo com animais?".

"Minha reação foi de revolta. Tentei conversar com o pároco, e ele disse que aquilo era normal, que os pais não querem enxergar os filhos que têm", afirmou.

Segundo ela, depois que outra mãe o denunciou ao Conselho Tutelar, foi pedido [por alguém da igreja] para que as crianças queimassem as folhas, pois assim estariam queimando também os pecados. "Isso me tirou o prazer de ir à missa. Sei que isso não vai dar em nada, só esperava que ele [Kozik] tivesse a dignidade de fazer uma retratação", disse.

A polêmica ganhou a pequena cidade do oeste catarinense, que tem apenas 2.500 habitantes. A mãe afirmou que as crianças ficaram constrangidas, e que sua filha chorou ao falar com o padre.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, é crime "submeter criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento". A pena é de seis meses a dois anos de detenção.

Caso isolado

Para o filósofo Alípio Casali, da pós-graduação em educação da PUC-SP, o caso é isolado. "Quem fez isso tem algum tipo de desajuste, até do ponto de vista da doutrina da igreja."

"Isso nos remete a um padrão medieval da igreja (...) Quando ela se dava ao direito de controlar as consciências das pessoas", disse. Segundo ele, o questionário é "descabido". "Isso representa uma violação, uma intromissão da intimidade, buscando exercer um controle."

Para Casali, "admite-se a prática da confissão, mas ela está fundada numa iniciativa livre do sujeito, que vai contar suas intimidades a alguém para buscar algum tipo de orientação espiritual". "É um absurdo. É uma violência moral, intelectual, social e cultural fazer perguntas dessa natureza", disse o educador.

Outro lado

O bispo de Caçador (389 km de Florianópolis), Luiz Carlos Eccel, 53, afirmou que o padre Clair Kozik não será advertido nem penalizado. "Nós tivemos uma conversa de manhã [sexta-feira], e ele se mostrou desencantado", disse à Folha.

O bispo disse não entender o por que da discussão em torno do assunto. "O questionário apenas expressa a realidade." Segundo ele, foram pessoas de "má-fé" que alimentaram a polêmica.

"Claro que, se eu fosse fazer as perguntas, eu seria mais discreto, mas o que está ali não deixa de ser uma realidade", afirmou. Segundo o bispo, as crianças já têm idade para discernir o que foi colocado no questionário. "Eles são adolescentes e sabem mais do que nós."

Questionado sobre a gravidade das perguntas, disse: "Você está subestimando as crianças. Hoje, com a internet e com os meios de comunicação, elas estão mais que bem informadas".

Ele também eximiu o padre de culpa. "Não foi nem ele que fez [o questionário]. Foi o conjunto da catequese. Agora, querem até que ele saia", disse. "Ele é bom. Deve sair, mas para estudar no exterior", afirmou o bispo. "Por mim, ficaria."

Eccel disse que as perguntas eram fruto de uma aula sobre os dez mandamentos. "Não era bem para responder. Era só para as pessoas terem consciência do que é pecado." "Se as pessoas querem seus 15 minutos de fama, vamos dar, né?", disse o bispo, que questionou a reportagem. "Isso já chegou à Folha de S.Paulo? É, onde tem carniça, tem abutre."

O padre Clair Kozik, 32, disse que os catequistas fizeram as questões. "Eu lamento o fato, mas acredito que a intenção foi a mais reta possível." Kozik disse que não consentiu com a distribuição, que concorda que a linguagem poderia ser mais infantil. "Mas ninguém pensou em atingir o lado maléfico."

De acordo com ele, o caso só veio à tona devido a um problema pessoal de duas ou três pessoas da cidade. "As mães não estão de acordo com o que está ocorrendo. São 32 mães e apenas uma é que denunciou."

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