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04/10/2006 - 09h00

Aeronáutica suspeita de defeito no Legacy

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ELIANE CANTANHÊDE
Colunista da Folha de S.Paulo

As autoridades aeronáuticas suspeitam que possa ter havido um "mau contato" no transponder do jato Legacy que colidiu e derrubou o Boeing 737-800 da Gol na sexta-feira passada matando 154 pessoas.

A falha técnica não explica, contudo, por que o avião estava a 37 mil pés, quando deveria estar a 36 mil pelo plano de vôo da aeronave, que seguia de São José dos Campos (SP) para Manaus (AM) e os Estados Unidos.

Esse "mau contato", por problema em algum botão ou fio de conexão, integra uma seqüência de falhas técnicas e humanas, possibilitando o choque de duas das aeronaves mais modernas do mundo em pleno ar, num acidente considerado "praticamente impossível" por oficiais da Aeronáutica.

O transponder é o equipamento que envia os dados relativos ao avião para outras aeronaves e para o centro de controle. Inativo, o equipamento não fez a ponte entre os sistemas anticolisão do Boeing da Gol e do Legacy.

O do Legacy ficou desligado após ele entrar na rota entre Brasília e Manaus. Com isso, ele virou um ponto sem identificação no radar.

Sem resposta

Os controladores --que não haviam notificado o avião de que ele deveria cumprir seu plano de vôo e descer a 36 mil pés para evitar a "pista" contrária da rota em que entrava-- tentaram, então, alertar o Legacy de que os sinais do transponder haviam sumido dos radares. Mas não houve resposta.

O Legacy, que transportava sete pessoas, incluindo o piloto e o co-piloto, só foi ressurgir nos radares depois do acidente com o Boeing. A hipótese de falha faz companhia à de que o equipamento foi desligado propositalmente pelo piloto, embora isso não seja possível afirmar. Se fosse uma falha técnica, por que o piloto não recuou dos 37 mil pés de altitude para os 29 mil exigidos em situações semelhantes? Ele pode não ter percebido.

O Legacy decolou de São José dos Campos (SP), sede da Embraer, com plano de vôo para 37 mil pés até Brasília e de 36 mil daí em diante até Manaus. O acidente foi a 37 mil pés, indicando aí duas falhas: nem o piloto baixou o que deveria pelo plano de vôo nem baixou mais ainda, para uma altitude de segurança, quando o transponder saiu do ar --na hipótese de falha técnica.

Uma hipótese considerada por altos oficiais da FAB é que o choque resolveu o mau contato do Legacy, religando fios ou botões. Cerca de três minutos depois, o piloto acionou o código 7.700 do transponder, que emite o sinal de emergência para os radares do sistema aéreo.

A FAB virtualmente descarta qualquer culpa do Boeing da Gol. Também considera pequena a possibilidade de erro do sistema de controle de tráfego aéreo --o que é compreensível, já que são seus homens que fazem o trabalho e poderiam ser responsabilizados.

Há, porém, dúvidas quanto a eventuais falhas do sistema aéreo, inclusive porque o choque foi numa fase do vôo em que o controle do Legacy seria transmitido do Cindacta-1, com sede em Brasília, para o Cindacta-4, com sede em Manaus. Na Aeronáutica, há esforço para descaracterizar alguma chance de um "buraco negro" ter causado o acidente.

Consultado ontem pela Folha, o Comando da Aeronáutica classificou "buraco negro" de "anomalia magnética" e admitiu que isso pode ocorrer na região da serra do Cachimbo, onde foi o choque, mas ressalva: é típico de baixas altitudes, em alguns horários, dependendo da radiação solar e até da camada de ozônio.

Um fenômeno, enfim, que escapa ao controle técnico e que não teria sido responsável por esse acidente específico. A alegação é que, no mesmo local e na mesma hora, os radares do Cindacta registravam tanto o próprio Boeing quanto um avião da TAM. Por que não o Legacy?

De todo modo, não está colocado que isso tenha causado o acidente. O "buraco negro" também é chamado assim por operadores porque as freqüências de rádio não funcionam bem na área --e Brasília não conseguiu falar com o Legacy.

Desintegração

Pelas informações que a Aeronáutica repassa à cúpula do governo, há fortes indícios de que o Boeing da Gol "desintegrou-se" no ar. Isso teria sido possível em caso de queda súbita, na vertical. O avião, de uma altura de 37 mil pés (cerca de 11,2 km), teria entrado em velocidade supersônica. Como não tem estrutura para isso, desintegrou-se em pleno ar.

A desintegração explicaria por que o avião não explodiu no impacto com o solo, apesar de transportar 3 toneladas de querosene (uma para cada hora até o Rio, destino final do vôo). O querosene teria sido espalhado no ar, durante a queda. Explicaria, também, porque as partes do avião e os corpos das 155 pessoas a bordo espalharam-se por um raio de 20 quilômetros, com longas distâncias entre os pedaços.

Uma queda imediata, na vertical, só foi possível porque o Legacy, que é muito menor e foi pouco danificado, teria atingido um "ponto sensível", ou a "superfície de comando", do Boeing, um avião bem maior e mais forte.

Avalia-se que a asa e a cauda do Legacy bateram de raspão ou na asa ou no profundor (parte de trás, onde fica a cauda) do avião. Um pequeno choque, mas numa área vital. Se batesse no motor, por exemplo, haveria fortes chances de o Boeing ter resistido ao impacto, se reequilibrando e pousando, mesmo que precariamente --como ocorreu com o Legacy, no qual todos os sete passageiros escaparam ilesos.

Apenas a análise das caixas-pretas irá mostrar o que realmente aconteceu. A do Boeing, após ser copiada pelas autoridades brasileiras, será levada para o fabricante, nos EUA. A do Legacy já está na Embraer.

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