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08/10/2006 - 10h11

Tragédia da Gol deixa ao menos cem órfãos

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AFRA BALAZINA
MARIANA TAMARI
da Folha de S.Paulo

Abel, de um ano e três meses, chama pelo pai toda vez que o telefone toca. O garoto costumava conversar todos os dias com Claudemir Rosa, uma das vítimas do acidente com o avião da Gol, por meio do aparelho. Rosa morava em Manaus, onde trabalhava como soldador havia dois meses. A mulher e seus dois filhos continuavam em Salvador (BA).

"Ele só sabe falar papai, mamãe, vovó e água. Toda vez que o telefone toca pensa que é o pai", diz a prima de Abel, Jamile Rocha, 18. Ela era afilhada de Claudemir. Segundo Jamile, Abel está mais nervoso que o usual, mas tem dado muitos beijos na mãe. "Ele é muito pequeno, não tem como explicar o que aconteceu. Mas sabe que algo está errado, principalmente porque vê a mãe muito triste ultimamente."

A queda do vôo 1907 deixou ao menos cem órfãos, de diferentes idades, alguns com reações surpreendentes de maturidade. Um dos mais novos identificados pela reportagem tem apenas dois meses, mas sua família prefere não falar.

De acordo com Jamile, a filha mais velha de Claudemir, Natalie, 10, já sabe da morte do pai. Até agora, porém, não "botou para fora" a tristeza. "Ela tenta consolar os avós. A psicóloga que a acompanha diz que ela está tentando agir como adulta. Que precisamos pegar ela no colo e deixá-la ser criança. Estamos tentando."

O vigilante Lavoisier Maia, outra vítima do acidente, deixou a mulher Maria, 32, e uma filha de oito anos, Luana. Segundo a irmã de Lavoisier, Elizabeth, a sobrinha também já sabe da morte do pai. "A psicóloga que está acompanhando diz que é pior esconder. Quanto mais tempo demorar para contar a verdade, pior fica. Apesar de pequena, ela entende e está muito triste", diz.

Maria Zilda Maia, irmã de Lavoisier, também morreu no acidente. Sua filha Zildomara Maia, 21, muito abalada, não quis conversar com a reportagem. Ela está em Brasília desde domingo, em companhia do irmão, Vanderson, 20.

Tabu da morte

"As crianças de sete, oito e nove anos já têm noção da irreversibilidade da morte. Os adultos devem falar abertamente sobre isso", diz Aroldo Escudeiro, psicólogo e tanatólogo (que estuda a morte). Segundo ele, para as crianças menores --que não entendem o fenômeno racionalmente, mas emocionalmente-- a morte é representada pela ausência de uma pessoa querida.

Para Escudeiro, é importante que as crianças participem do processo de pesar. "Muitas pessoas acham que, para protegê-las, é melhor deixá-las com um vizinho. Mas elas têm que participar do enterro, ir junto aos rituais. Assim, sentirão o apoio da família e poderão expressar o pesar", afirma.

Segundo ele, a morte súbita, como a do acidente aéreo, é ainda mais difícil de assimilar do que a morte anunciada, de alguém que está doente. "No caso desse acidente aéreo a situação é ainda mais complicada porque existe uma perda ambígua, já que muitos corpos ainda estão desaparecidos. Ver o corpo do morto dá a certeza de que é preciso entrar no processo de pesar. Isso fecha o ciclo."

De acordo com o psicólogo, coordenador da Rede Nacional de Tanatologia, os filhos que perderam os pais no acidente, principalmente as crianças, precisam de ajuda profissional para superar a perda. "Eles precisam se expressar, xingar, falar da sua dor, da sua perda, do seu medo."

Especial
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