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18/02/2007
-
07h32
ERNANE GUIMARÃES NETO
da Folha de S.Paulo
A comoção pública causada por crimes hediondos gera, além do clamor por justiça, o risco de decisões precipitadas serem tomadas em relação a leis e ao papel da administração pública. Para a socióloga Beatriz Affonso, diretora no Brasil do Centro pela Justiça e o Direito Internacional, organização não-governamental de direitos humanos sediada em Washington (EUA), as campanhas pelo endurecimento das penas e pela redução da maioridade penal apenas facilitam o trabalho das autoridades, que na verdade teriam responsabilidade muito maior: prover distribuição de renda e um sistema de justiça funcional.
Em entrevista à Folha, ela questiona algumas reações a atrocidades como o roubo de carros que culminou na morte de um menino de seis anos, arrastado por cerca de sete quilômetros preso ao veículo em fuga, em 7/2.
FOLHA - Acha que a redução da maioridade penal pode coibir as quadrilhas?
BEATRIZ AFFONSO - Não sei se é isso o que a classe média, que está pedindo essa mudança, realmente quer. Em parte isso se deve à falta de informações sobre os números de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, ao percentual de menores autores de crimes hediondos. Esses dados ou não são ou são mal divulgados; se fossem bem divulgados, cairia o sistema.
FOLHA - A idéia é que jovens em condições de discernimento paguem pelo que fizeram...
AFFONSO - Sim, mas será que a elite está realmente disposta a ver seu filho adolescente pego com certa quantidade de maconha pegar pena de oito anos no presídio por porte de tóxicos? Esse é o tipo de lei que pode reafirmar a desigualdade. O colunista Contardo Calligaris, por exemplo fez uma leitura psiquiátrica do problema da imputabilidade (na Folha de 15/2), mas não leva em conta o recorte social. Por que a elite consegue admitir punição para os pobres e não para si?
FOLHA - Que informações faltam à sociedade em geral?
AFFONSO - A sociedade acredita que as unidades de internação estão lotadas de homicidas e latrocidas. Será? Estão esquecendo do preso egresso: que é uma farsa que os criminosos graves ficam separados dos outros, que a prisão treina para o crime, que o egresso sofre preconceito e não consegue emprego.
Em vez de gastar dinheiro com prisão, é preciso gastar com equipamento social. Quem já fez pesquisas conhece relatos como aqueles que ouvi: "Eu me acostumei a acordar e ter que pular um cadáver na minha porta para sair de casa". Por que, neste momento, não lembramos disso? Que alguns jovens vivem assim porque a expectativa é viver só até os 15 anos? E a mídia tem uma parcela de culpa.
FOLHA - Por quê?
AFFONSO - Não estão lembrando daqueles que colocaram fogo no índio [em 1997, morto por jovens de classe média enquanto dormia num ponto de ônibus em Brasília], dos pais que dão carros aos filhos menores e estes matam por atropelamento.
FOLHA - Que acha da reação dos políticos, propondo penas mais duras?
AFFONSO - Os políticos são movidos a pressão social. É muito mais fácil ao governante e ao legislador enrijecer o sistema do que melhorar a distribuição de renda. A sociedade acaba pedindo o caminho mais fácil para as autoridades.
FOLHA - Como fica a participação da sociedade? Que pedir?
AFFONSO - Na minha opinião, a sociedade deveria sair às ruas por conta das milícias, que são um Estado paralelo. São segurança privada --que já é uma coisa complicada-- ilegal. A milícia atenta contra o Estado de Direito com a participação de funcionários do Estado.
É preciso seguir o consenso de que agentes de segurança que atuam ilegalmente têm de ser mandados embora. Na Colômbia começou assim: milícias autônomas. É preciso contê-las sem negociação. Mas para isso é preciso dar condições de trabalho aos policiais.
FOLHA - Como reage a população em outros lugares do mundo?
AFFONSO - Outros países da América Latina também têm essa reação. Mas na Argentina, por exemplo, questiona-se o aparato do Estado! Há um conhecimento mais profundo do contexto.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre crimes hediondos
Socióloga analisa comoção pública diante de crimes hediondos
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A comoção pública causada por crimes hediondos gera, além do clamor por justiça, o risco de decisões precipitadas serem tomadas em relação a leis e ao papel da administração pública. Para a socióloga Beatriz Affonso, diretora no Brasil do Centro pela Justiça e o Direito Internacional, organização não-governamental de direitos humanos sediada em Washington (EUA), as campanhas pelo endurecimento das penas e pela redução da maioridade penal apenas facilitam o trabalho das autoridades, que na verdade teriam responsabilidade muito maior: prover distribuição de renda e um sistema de justiça funcional.
Em entrevista à Folha, ela questiona algumas reações a atrocidades como o roubo de carros que culminou na morte de um menino de seis anos, arrastado por cerca de sete quilômetros preso ao veículo em fuga, em 7/2.
FOLHA - Acha que a redução da maioridade penal pode coibir as quadrilhas?
BEATRIZ AFFONSO - Não sei se é isso o que a classe média, que está pedindo essa mudança, realmente quer. Em parte isso se deve à falta de informações sobre os números de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, ao percentual de menores autores de crimes hediondos. Esses dados ou não são ou são mal divulgados; se fossem bem divulgados, cairia o sistema.
FOLHA - A idéia é que jovens em condições de discernimento paguem pelo que fizeram...
AFFONSO - Sim, mas será que a elite está realmente disposta a ver seu filho adolescente pego com certa quantidade de maconha pegar pena de oito anos no presídio por porte de tóxicos? Esse é o tipo de lei que pode reafirmar a desigualdade. O colunista Contardo Calligaris, por exemplo fez uma leitura psiquiátrica do problema da imputabilidade (na Folha de 15/2), mas não leva em conta o recorte social. Por que a elite consegue admitir punição para os pobres e não para si?
FOLHA - Que informações faltam à sociedade em geral?
AFFONSO - A sociedade acredita que as unidades de internação estão lotadas de homicidas e latrocidas. Será? Estão esquecendo do preso egresso: que é uma farsa que os criminosos graves ficam separados dos outros, que a prisão treina para o crime, que o egresso sofre preconceito e não consegue emprego.
Em vez de gastar dinheiro com prisão, é preciso gastar com equipamento social. Quem já fez pesquisas conhece relatos como aqueles que ouvi: "Eu me acostumei a acordar e ter que pular um cadáver na minha porta para sair de casa". Por que, neste momento, não lembramos disso? Que alguns jovens vivem assim porque a expectativa é viver só até os 15 anos? E a mídia tem uma parcela de culpa.
FOLHA - Por quê?
AFFONSO - Não estão lembrando daqueles que colocaram fogo no índio [em 1997, morto por jovens de classe média enquanto dormia num ponto de ônibus em Brasília], dos pais que dão carros aos filhos menores e estes matam por atropelamento.
FOLHA - Que acha da reação dos políticos, propondo penas mais duras?
AFFONSO - Os políticos são movidos a pressão social. É muito mais fácil ao governante e ao legislador enrijecer o sistema do que melhorar a distribuição de renda. A sociedade acaba pedindo o caminho mais fácil para as autoridades.
FOLHA - Como fica a participação da sociedade? Que pedir?
AFFONSO - Na minha opinião, a sociedade deveria sair às ruas por conta das milícias, que são um Estado paralelo. São segurança privada --que já é uma coisa complicada-- ilegal. A milícia atenta contra o Estado de Direito com a participação de funcionários do Estado.
É preciso seguir o consenso de que agentes de segurança que atuam ilegalmente têm de ser mandados embora. Na Colômbia começou assim: milícias autônomas. É preciso contê-las sem negociação. Mas para isso é preciso dar condições de trabalho aos policiais.
FOLHA - Como reage a população em outros lugares do mundo?
AFFONSO - Outros países da América Latina também têm essa reação. Mas na Argentina, por exemplo, questiona-se o aparato do Estado! Há um conhecimento mais profundo do contexto.
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