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18/01/2001 - 05h26

Facção criminosa tem 7.000 adeptos no Estado, diz liderança

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do Agora São Paulo

Jonas Mateus, que iniciou a rebelião na Casa de Custódia de Taubaté, disse que protegeu o Maníaco do Parque, Francisco de Assis Pereira, para não ser morto pela polícia.

Quebrando um silêncio de sete anos, essa é a primeira vez que um dos cabeças da facção fala à imprensa.

Mateus, 29 anos, concedeu entrevista exclusiva ao Agora e confirmou ser um braço direito dos líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital). Ele disse que o partido foi criado em 1993 para colocar a cadeia em ordem e para evitar novos massacres como o ocorrido em 1992, que resultou na morte de 111 detentos no Carandiru.

"O comando não permite que haja estupro, assalto e extorsão dentro do sistema. Somos os responsáveis pela paz dentro da cadeia", disse.

Além de paz, justiça e igualdade dentro do sistema, o Estatuto do PCC prega também resgate para os encarcerados e pena de morte para os traidores.

Mateus calcula que atualmente existem no Estado de São Paulo mais de 7.000 associados à facção. O número atinge 12% da população carcerária, cerca de 59.500 detentos nas 74 unidades prisionais ligadas à Coespe (Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado).

Mateus falou com a reportagem no coreto da Divinéia (um tipo de praça dentro da Casa de Detenção), na segunda visita da reportagem ao Carandiru. Ostentando cordões dourados no pescoço e no pulso, ele chegou ao local com uma camisa do flamengo e com o primo Evandro a tiracolo. "Ele veio testemunhar a nossa conversa. Não quero distorções nas minhas palavras", afirmou.

Após 20 minutos de negociação, Mateus concordou em falar sobre sua participação no PCC, com a promessa de que a reportagem fosse feita em duas partes. A exigência foi feita para garantir que a primeira publicação seria fiel à entrevista concedida.

Ele não permitiu fotografias e nem que a conversa fosse gravada. "Se você não deturpar o que eu disser, pode voltar para eu te contar como funciona o esquema no Estado. Antes vou consultar meus 'irmãos' lá em cima."

Mateus, condenado a 49 anos e nove meses de prisão, confirmou ter sido o responsável pela rebelião em Taubaté, mas nega ter participado da execução dos nove mortos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agora - Você é um dos líderes do PCC?
Jonas Mateus - Não. Eu sou integrante do partido desde 1993, quando foi criado. Não sou o fundador, mas fiz parte de sua fundação, isso não nego. O líder aqui na Casa de Detenção é Edmir Carlos Ambrósio, o Sombra.

Agora - Mas você é apontado como um dos cabeças.
Mateus - Por causa da minha influência na cadeia. Não piso na bola e não traio os companheiros. Aqui, o nosso crédito é a nossa palavra. Eu honro a minha. Posso dizer que sou um braço direito dos líderes do comando.

Agora - Porque o PCC foi criado?
Mateus - Para garantir a paz, justiça, liberdade e igualdade dentro da cadeia. Quando nós chegamos aqui (último dia 19 de dezembro, pós-destruição em Taubaté), encontramos uma promessa de rebelião para o Natal. Negociamos com a população e mantivemos a cadeia quieta. Nossa intenção não é fazer motim. Todo preso quer cumprir sua pena da melhor forma possível, sem ser humilhado ou oprimido, por isso o comando tem cerca de 7.000 associados no Estado. O PCC funciona também do lado de fora. Para garantir a sobrevivência das famílias dos presos, promove grandes assaltos no interior.

Agora - O que provocou a rebelião em Taubaté?
Mateus - Foi a opressão da direção da casa. Estávamos comendo comida estragada, não tínhamos visita íntima e éramos humilhados. A cada revista, tínhamos que mostrar a bunda para eles. Nenhum homem aceita isso. Uma semana antes da cadeia estourar conversei com o doutor Pedrosa e pedi providências, mas nada foi feito. Fui eu que "guentei" a rebelião em Taubaté. Estão atribuindo a mim todas as mortes que aconteceram lá, mas eu não matei ninguém. Ao contrário, eu impedi que outras pessoas fossem mortas.

Agora - Quais pessoas?
Mateus - O Chico (Maníaco do Parque), por exemplo.

Agora - Por que você o protegeu?
Mateus - Para não morrer. Me joguei na frente dele e tive meu peito riscado à faca para que ele não fosse atingido.

Agora - Posso ver?
Mateus - Claro que não. Se você não confia em mim o problema é teu. "Aqui a gente tem ética, não levanta a camisa na frente de qualquer um", disse o primo Evandro.

Agora - Qual o motivo dessa proteção especial para o Chico? Você mesmo disse que o partido não suporta estupradores.

Mateus - O diretor da cadeia (Ismael Pedrosa) disse que se ele morresse a tropa de choque ia invadir a prisão e que mais de cem morreriam. Eu não ia perder a minha vida por causa da dele. Não queria um novo massacre. Por mim, eu mesmo o mataria.

Agora - E por que os outros morreram?
Mateus - Morreram porque traíram a ética do comando, desobedeceram as regras. Eles extorquiram e estupraram os próprios companheiros. Foram excluídos do PCC e condenados à morte.

Agora - O Chico assistiu a essas mortes?
Mateus - Sim. Foi tudo na frente dele. Ficou apavorado com o que estava acontecendo. Ele assistiu a cada facada. Deve ter sofrido.

Agora - Desde quando você está preso?
Mateus - Desde 89. Já fugi quatro vezes, participei de algumas rebeliões em comarcas (cadeias), penitenciárias e presídios.

Agora - Você matou alguém em alguma rebelião?
Mateus - Matei três pessoas na penitenciária. Se você puxar a minha ficha vai ver. Já fui condenado por isso.

Agora - Várias notícias dão conta de que as mortes que existem na penitenciária são frutos de briga entre os partidos pelo domínio da cadeia. Existe essa rivalidade entre vocês?
Mateus - Já houve. Hoje não mais. Convivemos bem. O PCC é o maior comando que existe no sistema, não dá para ter rival. Inclusive a população da Casa de Detenção e do Sistema Penitenciário está do nosso lado. Fizemos um pacto com a população carcerária do sistema. Caso o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté volte a funcionar e formos removidos para lá, vão morrer mais de dez pessoas em cada presídio do Estado.
 

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