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22/02/2001 - 04h12

"Esse sistema penitenciário é inteiramente falido", diz advogado

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LUIZ ANTÔNIO RYFF, da Folha de S.Paulo

Considerado o maior criminalista brasileiro vivo, o advogado Evandro Lins e Silva, 89, diz se admirar que, com as condições carcerárias, não sejam feitas mais rebeliões nas prisões. "É uma escola de crueldade, maldade, perversidade e insensatez."

Lins e Silva considera a suspensão de visitas aos presos, tomada pelo governo paulista, como "mais uma forma de castigo, de tornar mais cruel a prisão". Ele afirma que o convívio dos presos com familiares deveria ser incentivado para facilitar a reintegração social. "Ou o sujeito está querendo que ele se adapte à prisão?"

Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Lins e Silva considera a prisão "uma morte a conta-gotas" e prega o uso de penas alternativas. Ele sugere que o governo paulista peça ajuda a pessoas que tenham "compreensão humana" do problema, como d. Paulo Evaristo Arns.

Folha - Qual sua impressão da rebelião em São Paulo?
Evandro Lins e Silva -
Isso vai se agravar mais. O que me admira é haver tão poucas rebeliões. A impressão é que os presos estão acordando. São criaturas humanas, não podem estar sujeitos a um infame sistema de repressão, sem higiene, enclausurados.

As causas da criminalidade são eminentemente sociais. Se você não dá escola, não dá emprego, não dá meios de sobrevivência a milhões de cidadãos, eles vão se transformar em delinquentes. Nenhum pai deixaria um filho ir para a esquina vender chiclete ou passar fome se tivesse recurso para botá-lo na escola e dar alimentação em casa.

Folha - No caso de São Paulo, o que as autoridades deveriam fazer?
Lins e Silva -
Chamar quem tenha a cabeça no lugar para resolver o problema, quem tenha a compreensão humana de que um réu é uma criatura de Deus, como as outras pessoas. Por que d. Paulo Evaristo Arns não é chamado?

É preciso tornar mais amena essa prisão que existe aí, capaz de trazer o sujeito à sociedade outra vez. Quando comecei, eu entrava na Casa de Correção parecia uma fábrica, com várias atividades que podiam ser feitas pelos presos. Tem que preparar para o trabalho, para o ensino, ter aula.

Folha - O que o sr. acha da decisão de transferir presos e proibir as visitas?
Lins e Silva -
É mais uma forma de castigo, de tornar mais cruel a prisão. Não se pode impedir a comunicação com a família. Ao contrário. Deveriam alimentar os laços. Ou o sujeito está querendo que ele se adapte à prisão?

Folha - Como evitar rebeliões desse tipo?
Lins e Silva -
Não se evita. Ninguém pesca mosca no vinagre. Esse sistema penitenciário é inteiramente falido. É uma escola de crueldade, maldade, perversidade e insensatez.

É preciso fazer funcionar um sistema capaz de atender o interesse social. Não precisa, necessariamente, que seja cadeia ou prisão. No crime de colarinho branco, por exemplo. Qual solução eu daria? Botar o banqueiro na cadeia? Não. É torná-lo pobre (ri). É uma pena muito mais severa. Outra coisa que poderia ser aplicada ao grã-fino: proibição de viagem ao exterior (ri).

É preciso encontrar outras formas de punição para tudo aquilo que é considerado crime de bagatela, insignificante, em que o sujeito não põe em risco a vida alheia. Perdas de direitos políticos, prestação de serviços à comunidade, perda de função pública... Há também a vigilância eletrônica. Põe uma pulseira em um sujeito e sabe o que ele está fazendo.
Prisão só em último caso. Só quando houver risco à sociedade. Esse é o pensamento dos penalistas do mundo inteiro e da ONU. Eu considero a prisão uma forma de tortura. É uma morte a conta-gotas.

Folha - A opinião pública aceitaria que criminosos passionais não fossem encarcerados?
Lins e Silva -
Se fizer um plebiscito sobre a pena de morte, tenho a impressão de que o resultado seria favorável à pena. Esse é um problema que você não pode submeter ao julgamento da democracia popular.

Folha - De algumas décadas para cá, uma das justificativas do sistema prisional passou a ser o da reabilitação social...
Lins e Silva -
Não há essa preocupação. É só prender. Esses homens perturbam a paz dos convescotes dos palácios. Então é preciso confiná-los, segregá-los. E foi a sociedade quem produziu isso... Eu fico até com raiva.

Folha - Quais são os principais males do sistema carcerário?
Lins e Silva -
A promiscuidade, o excesso de população, levando a toda sorte de vícios. E há a condenação à Aids. Onde é que a Aids se propaga mais? Nas prisões.

Folha - O sr. acha que basta reformar o sistema penitenciário?
Lins e Silva -
Não. A reforma é política, é claro.

Folha - O sr. apontaria responsáveis por essa situação?
Lins e Silva -
É o governo brasileiro. Não tenho nenhum otimismo enquanto o comando disso competir a pessoas que não estão absolutamente interessadas na sua solução.
 

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