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01/04/2001 - 09h19

Entidades buscam voluntário qualificado

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ESTANISLAU MARIA
da Folha de S.Paulo

"Precisa-se de voluntários com diploma. Profissionais liberais, das áreas de ciências humanas e sociais, advogados, professores, educadores, médicos e enfermeiros terão preferência."

Improvável de ser encontrado em qualquer seção de classificados, o anúncio fictício ilustra um dos desafios das ONGs que contam com voluntariado hoje no Brasil: a necessidade crescente de participantes qualificados em seus programas.

"As ONGs não conseguirão chegar lá (crescer e se desenvolver) se não qualificarem seus quadros", afirma a coordenadora geral do Centro de Voluntariado de São Paulo, Adelaide Barbosa Fonseca, 45. "A entidade, para captar financiamentos e sobreviver, precisa mostrar resultados, provar competência, e nisso o voluntário qualificado pode ajudar."

Segundo Mónica Corullón, que coordenou o Programa Voluntário do Comunidade Solidária nos últimos quatro anos, o perfil do trabalhador voluntário vem mudando, assim como a demanda das entidades. "As ações se diversificam e se especializam, e a qualificação tornou-se crucial", declara Mónica.

"Aquele estereótipo, de décadas passadas, de aposentados que queriam preencher seu tempo ocioso ou donas-de-casa ricas entediadas já passou", diz Adelaide, do Centro de Voluntariado de São Paulo.

As coordenadoras afirmam, no entanto, que isso não desqualifica nem exclui as ocupações voluntárias ditas tradicionais. Também cresce a procura por pessoas que possam ajudar na infra-estrutura, administração e limpeza de instituições.

A necessidade por contadores de histórias em asilos e hospitais, ajudantes de cozinha, organizadores de arquivos, "mães de colo" não vai desaparecer, avaliam. "Mas mesmo nessas áreas, as ONGs estão capacitando pessoal, para qualificar o trabalho", afirma Adelaide.

Em uma busca no site www.portaldovoluntário.org.br, que cadastra voluntários e entidades, vê-se a disputa pelos "voluntários com diploma". Para professor, aparecem 19 páginas de entidades à procura de pelo menos um. Para médico, são 12; psicólogo, 11.

Nem pagando

Nas regiões distantes dos grandes centros, a situação é mais dramática. "A gente conta com ajuda de quem puder cumprir as funções, mesmo sem formação", diz o coordenador da ONG Oficina Escola de Luteria da Amazônia, Rubens Gomes, 42. "Nem pagando, conseguimos trazer alguns profissionais", declara. Desde o ano passado Gomes, corre atrás, sem sucesso, de profissionais como pedagogos, sociólogos e antropólogos.
A oficina ensina a 76 jovens carentes de 14 a 21 anos de Manaus o ofício da luteria (confecção de instrumentos musicais de corda dedilhados -violão, viola, cavaquinho).

Em Boa Vista do Ramos (300 km a leste de Manaus), Gomes assessora comunidades de ribeirinhos que constroem objetos, como caixas, porta-lápis e pequenos baús, com restos de madeira certificada (ambientalmente correta, extraída de áreas de manejo florestal sem causar desmatamento).
"Artesãos e engenheiros florestais nós temos, mas o pessoal da área de educação e ciências sociais é muito difícil", diz Gomes, que conta com 12 funcionários e três voluntários.

Os educadores do projeto estariam acompanhando os estudantes, e os cientistas sociais fariam a articulação com as comunidades. Mais de 200 ribeirinhos trabalham com a madeira em Boa Vista do Ramos. "Poderíamos crescer, mas o envolvimento da comunidade é muito lento. Sem profissionais da área, caminhamos devagar", declara Gomes.

Ele afirma que já viu outros projetos definharem porque as ONGs não conseguiram a adesão da comunidade. "Eventualmente, impomos nossas vontades, com nossa visão do problema, que muitas vezes não tem nada a ver com os desejos do caboclo."

Aí entrariam os cientistas sociais, que poderiam fazer um diagnóstico das comunidades, com adequação da realidade social e maior facilidade para identificar os anseios.

A 1.200 quilômetros dali, em Belém, a ONG Nova Vida, centro de referência em recuperação de dependentes de drogas e álcool, atende 20 jovens, poderia dobrar as vagas, mas precisa de voluntários especializados.

"A mão-de-obra é nosso maior problema", conta Luiz Augusto Veiga, 56, o presidente-voluntário. "O pessoal de infra-estrutura e limpeza nós temos. Até os professores de educação física são voluntários, mas precisamos de mais psicólogos e assistentes sociais."

Segundo ele, com os baixos salários pagos na região, os profissionais acumulam até quatro empregos e não sobra tempo para o voluntariado.

Com um quadro de 93 funcionários e mais de cem voluntários, a Fundação Terra, em Arcoverde, no sertão pernambucano (240 km a oeste de Recife), comparada à Nova Vida e à oficina de Manaus, poderia dizer que vai bem, obrigado, porque conta com advogados, professores, psicólogos e até agrotécnicos voluntários. Mas a chamada rua do lixo, onde a fundação atua desde 1984 e onde vivem centenas de pessoas ao lado do lixão da cidade, mostra que há muito ainda por fazer.

"Não conseguimos envolver os pais, estamos tentando implantar projetos de geração de renda para que saiam do lixão ou consigam montar uma espécie de oficina de reciclagem", diz Luciano Joventino de Lima, 33, coordenador da Fundação Terra.

A fundação mantém uma creche para 130 crianças de até 6 anos, um curso agrotécnico para 40 adolescentes e o acompanhamento pré-natal de 40 gestantes. "Para expandir precisamos de assistentes sociais", afirma Lima.

No Brasi, pesquisa nacional do Iser (Instituto de Estudos da Religião), com amostragem de 1.200 questionários no país, divulgada em dezembro passado e coordenada pela antropóloga Leilah Landim e pela socióloga Maria Celi Scalon, aponta que 23% das pessoas com mais de 18 anos fazem algum tipo de voluntariado.

Mas o serviço especializado ou qualificado corresponde a apenas um terço dessa mão-de-obra e se dedica a trabalhos de escritório, administração, lazer, cultura, serviços profissionais, psicológicos, cuidados pessoais, ensino, treinamento, meio ambiente e captação de recursos. Limpeza e infra-estrutura correspondem a 54% dos voluntários, e 11% se dedicam a atividades religiosas.

Um dado otimista que salta da pesquisa é que 60% dos entrevistados disseram estar dispostos a trabalhar como voluntários se soubessem onde poderiam ajudar; e 87% concordam que o "trabalho voluntário faz parte da cidadania e ajuda a construir uma sociedade melhor".

Para quem não sabe por onde começar, o Comunidade Solidária iniciou, há quatro anos, a implantação de centros de voluntariado pelo país, que funcionam como agências de matrimônio, unindo o profissional que se oferece à uma ONG que o procura.

Hoje são 35 centros no país, em quase todas as capitais e nas principais cidades do interior. Cada um deles é uma ONG independente, sem vínculo hierárquico com o Comunidade Solidária, com administração e financiamento próprios.



 

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