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18/06/2000 - 09h25

Desperdício de órgãos no Brasil atinge 70%

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ALESSANDRO SILVA E
GABRIELA SCHEINBERG


da Folha de S.Paulo

O Brasil aproveitou em 99 apenas 30% dos órgãos de doadores em potencial, apesar do número recorde de transplantes contabilizados pelo governo federal.

O desperdício de 70% de órgãos é resultado, principalmente, da falta de estrutura para a captação, três anos depois da aprovação da lei de doação, além dos casos de contra-indicações médicas.

Em dez Estados brasileiros, nem sequer existe estrutura para notificação ou captação. O Rio Grande do Norte, que tem cerca de 300 pacientes renais crônicos, não capta nenhum rim por falta de estrutura em sua rede hospitalar.

Das 2.871 pessoas com registro oficial de morte encefálica no ano passado, 31,2% são de pessoas que não aceitaram doar, o que reduz para 1.974 o potencial de doadores. Em cima desse número, chega-se ao índice de aproveitamento de 30%. Um ano antes, os médicos usaram 32,6% das pessoas com morte encefálica que se declararam doadoras.

"A falta de adesão reflete ainda a desinformação das pessoas", diz o médico Henry de Holanda Campos, presidente da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos).

Para que a doação seja feita, o cérebro do paciente não pode apresentar atividade, o que resulta na perda dos sinais vitais. O quadro é de morte encefálica.

Além disso, a pessoa precisa ter manifestado em vida seu desejo de ser doador, e a família não pode fazer oposição à utilização de seus órgãos pela medicina.

Esse procedimento está estabelecido em medida provisória editada pela Presidência da República que alterou a lei da doação.

A legislação aprovada pelo Congresso em 1997 estabeleceu que todo brasileiro, compulsoriamente, havia se tornado um doador.

Os dados são da ABTO e reúnem informes do Ministério da Saúde. Para a entidade, o aproveitamento foi menor, 20,8% no ano passado, porque o número do transplantes é comparado com o total de doadores disponíveis, independentemente daqueles que não se manifestaram pela doação.

A pesquisa abrange o período de vigência da lei de doadores, aprovada em fevereiro de 97. A estatística reúne números dos 15 Estados que tinham centrais de captação no ano passado.

O aproveitamento é considerado abaixo do desejável. De 100 casos no mundo, 70 a 80 são doadores efetivos. "São Paulo deveria ter um índice de doadores parecido com o de países do Primeiro Mundo, considerando a violência que existe", diz Marcelo Perosa, cirurgião do Hospital Beneficência Portuguesa da capital.

Perdas

O elevado desperdício de órgãos mostra a precariedade no setor de transplantes: há falhas na captação, falta de infra-estrutura para comprovar a morte encefálica e para manter o coração do paciente batendo funcionando até o instante da cirurgia.

O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, perdeu um quarto dos doadores potenciais identificados no ano passado por falta de aparelhagem para comprovar o diagnóstico de morte encefálica.

Quadro semelhante foi observado na Bahia, em Minas Gerais, em Santa Catarina, no Pará e no Paraná, de acordo com a ABTO.

Segundo Sami Arap, coordenador da Central de Transplantes do Hospital das Clínicas de São Paulo, as equipes têm capacidade de realizar mais cirurgias do que fazem hoje. "Estou limitado por falta de leito, de verba, de centro cirúrgico, de material e de drogas."

Exemplo disso é a briga na Justiça paulista entre a paciente Maria Lúcia Brito Gondim, 39. Ela ganhou ação que obriga o Estado a arrumar vaga para interná-la, após ser eliminada várias vezes da seleção por falta de leito.

Segundo o Sistema Nacional de Transplantes, apenas Sergipe, entre os 11 Estados que não tinham programas de captação, estruturou-se este ano.

"O atendimento básico é precário, por isso vários doadores vão passar despercebidos. Não se salva os salváveis e não se identifica os que poderiam ser doadores. Perdem-se todos", afirma Sérgio Mies, do setor de transplante de fígado dos Hospital das Clínicas de SP. "É difícil ter níveis de Primeiro Mundo quando a assistência básica é de Terceiro."

A situação de perda é maior do que se imagina. Há doadores em potencial que nem sequer são notificados ao governo, principalmente por falhas de diagnóstico médico.

Estudo feito por José Osmar Medina Pestana, vice-presidente do Hospital do Rim e Hipertensão em São Paulo, identificou cerca de seis doadores potenciais por dia no município, a partir de uma levantamento no IML (Instituto Médico Legal) e em hospitais da capital. Desses, apenas um ou dois foram cadastrados.

"O Brasil deveria ter cerca de 5.000 a 6.000 transplantes de rim por ano", diz. Em 99, foram realizados 2.050 transplantes de rim, incluindo aqueles que tiveram pacientes vivos como doadores.

"Os hospitais, em geral da periferia, preferem abrir espaço para cuidar dos que ainda estão vivos a manter o coração de uma pessoa com morte encefálica para viabilizar o transplante", diz Tércio Genzini, cirurgião do Hospital São Camilo. A subnotificação é reconhecida até pelo Ministério da Saúde.

"Os médicos, às vezes, não têm tempo para lidar com isso", diz Rosana Reis Nothen, coordenadora do Sistema Nacional de Transplantes.

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