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18/06/2000 - 09h41

43 crianças da Candelária foram mortas

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ANTONIO CARLOS DE FARIA
Da Folha de S.Paulo

Desde a chacina da Candelária, em 1993, 43 meninos de rua do grupo de 72 crianças e adolescentes que moravam na praça foram mortos.

Com exceção das primeiras oito mortes da chacina, que causaram comoção internacional, todas as outras haviam ocorrido no anonimato. Na última segunda-feira, a história mudou.

Mancha, 21, que manteve dez pessoas como reféns dentro de um ônibus sob a mira de uma arma, tirou de baixo do tapete da memória nacional o grupo, que depois da chacina se dispersou pelo Rio de Janeiro.

Ele, que em 1993 tinha 14 anos, era pequeno, fraco, arredio, segundo depoimentos de três sobreviventes do grupo da Candelária ouvidos pela Folha durante esta semana.

Desespero
"Eu vi na televisão a cara do Mancha e não podia acreditar que era o mesmo menino que havia cheirado cola comigo", diz Tieta, 26, o único dos três líderes da Candelária que ainda está vivo.

"Acho que ele fez aquilo por desespero, por não ter encontrado nele mesmo forças para sair daquela vida", afirma.

Os outros dois líderes eram Come Gato (Marcos Alves Silva) - uma das vítimas da chacina, na qual policiais militares assassinaram os meninos que dormiam sob uma marquise - e Turinha, conhecido também como Amauri, que foi morto em 1994, por vingança de traficantes.

Embora não haja um levantamento preciso, o destino dos três líderes resume de certa forma o que aconteceu com o grupo, onde as mortes ocorreram por envolvimento com o tráfico de drogas ou por ações policiais.

Quem começou uma nova vida, fez isso por conta própria.
O levantamento das mortes é feito pela ONG (organização não-governamental) Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, que acompanha a situação do grupo desde antes da chacina.

Sobreviventes
Os números da entidade apontam que, dos 29 que sobreviveram, 15 meninos e meninas voltaram para casas de parentes, 1 vive como refugiado na Suíça, 4 conseguiram reconstituir as vidas de forma independente, entre eles Tieta, 6 estão presos e 3 não têm paradeiro certo, e passam temporadas nas ruas da cidade.

Até a semana passada, Mancha fazia parte desse último grupo. Depois de uma ação em que dizia estar possuído pelo demônio acabou matando a professora Geísa Firmo Gonçalves, 20.

O episódio foi marcado por vários erros dos policiais.
Ele reagiu ao ataque de um policial militar e atirou contra a refém, já fora do ônibus.

Enquanto era levado para o hospital, foi asfixiado por outros policiais, que alegam que o ato foi cometido em legítima defesa.

Por falta de uma identidade reconhecida - ele tinha três nomes (Sandro do Nascimento, Alessandro Silva ou Alex Júnior da Silva)-, o seu corpo ficou no IML (Instituto Médico Legal), sem poder ser enterrado, a não ser como indigente.

Revolta
"Ele era um menino revoltado com a vida, não soube encontrar um caminho próprio por si mesmo", opina Fábio da Silva, 23, o Baby, companheiro de rua de Mancha na época da chacina da Candelária.

Beth, 24, outra das sobreviventes do grupo, chegou a viver com Mancha e diz que ele era uma pessoa de pouca conversa, mas nunca havia sido violento. "Não sei explicar a transformação que ele sofreu", afirma Beth, que ainda mora nas ruas do Rio.

Em maio do ano passado, um levantamento feito pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social apontou que havia 436 meninos e meninas de rua no Rio.

A própria secretaria reconhece, porém, que o número não refletia a realidade, pois foi tomado em pontos de concentração da população de rua da cidade, havendo possibilidade de mais pessoas estarem dispersas.
Estimativas de entidades não-oficiais dizem que o número mais certo de meninos e meninas de rua está próximo de mil.

Projeto
O levantamento da secretaria serve para orientar a estratégia do projeto "Vem Pra Casa", criado em 1994.

O projeto, que procura atrair os meninos de rua para abrigos e daí levá-los de volta para as famílias e escolas públicas, foi idealizado para evitar novas chacinas, mas não buscou uma ação específica para o grupo da Candelária.

A mesma secretaria tem cadastradas 403 entidades e ONGs que, na maior parte, se dizem trabalhando para resolver os problemas de crianças carentes.

Essa profusão de siglas que se dizem preocupadas com os problemas sociais é um dos alvos de crítica de Baby. "Tem gente demais fazendo promessas, mas poucos realmente realizam alguma coisa", afirma o ex-companheiro de rua de Mancha.

Crítica
Tieta, que já passou por várias instituições, faz uma avaliação crítica de sua atuação. "Como essas entidades não podem dar amor, elas compensam geralmente não colocando limites claros para quem pensam estar ajudando. Aí a coisa vira bagunça", conclui.


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