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17/06/2001 - 03h16

Igreja da Consolação abrigará "rádio pirata"

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AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo

A igreja da Consolação vai abrigar uma "rádio pirata" e sua antena ficará espetada no topo da torre, ao lado da cruz. Não é ficção: as transmissões começam no dia 8 de setembro, quando a paróquia completa 202 anos. Com a igreja da Sé em reforma, a Consolação é a catedral de São Paulo.

A denominação de "pirata" ou "clandestina" vem sendo empregada para designar as rádios que ainda não foram legalizadas. Para as entidades que estão criando a "voz da Consolação", trata-se de uma "rádio comunitária", como outras 9.700 que aguardam concessão no Ministério das Comunicações. Pela legislação, elas devem pertencer a alguma fundação ou associação comunitária e não podem ter fins lucrativos.

A nova rádio vai se chamar Consolação, Vila Buarque ou Copan, referência ao gigantesco condomínio próximo da igreja, onde moram 5.500 pessoas.

O transmissor de 25 watts, permitido por lei, vai atingir um círculo que inclui a Santa Casa, o Hospital Menino Jesus, a praça da República, o largo do Arouche e mais de uma dezena de teatros do centro. Os equipamentos devem custar cerca de R$ 9.000.

Será a primeira rádio comunitária encravada no centro de uma grande metrópole. "Um dos programas deve ser um momento religioso, outro será destinado aos doentes, outro, a eventos culturais da região, um, aos moradores do Copan", diz o padre Romano Lopes Silva, 45, pároco da Consolação e presidente da Ação Local Roosevelt, associação que faz parte do movimento Viva o Centro.

Do projeto da rádio, além da igreja e associações da região, participam o Sindicato dos Jornalistas e a Oboré, assessoria que trabalha com comunicação popular.

A idéia de uma rádio para os moradores da região já vinha sendo discutida havia cinco anos, diz o síndico do Copan, Affonso Celso Prazeres de Oliveira.

A repercussão da criação da rádio Consolação vai muito além de seu alcance técnico. Ela acontece no momento em que tramita na Câmara de São Paulo um projeto de lei transferindo para o município a competência de legislar sobre as rádios comunitárias.

O projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Se aprovado e sancionado, caberá ao legislativo municipal definir o alcance, a atuação e quais entidades terão concessão.

De autoria dos vereadores Carlos Neder (PT) e Ricardo Montoro (PSDB), o projeto destaca a função social das rádios comunitárias, particularmente no item saúde. Da mesma forma que o Programa Saúde da Família, onde agentes acompanham os moradores entrando em suas casas, a rádio lembraria as pessoas sobre cuidados do cotidiano.

O projeto tromba com a lei federal que define a União como única instância competente para legislar sobre rádios comunitárias. "Trata-se de um projeto claramente inconstitucional", diz Rodolfo Machado Moura, advogado e assessor jurídico da Abert, Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão.

O Ministério das Comunicações também pensa dessa forma, mas essa interpretação vem sendo cada vez mais questionada. "A União está usurpando a competência municipal por conta de uma interpretação grosseira", afirma Paulo Fernando Silveira, juiz federal aposentado.

Segundo ele, o pacto federativo presente na Constituição estabelece uma divisão de poder entre União, Estados e municípios.

Assim, a União deve se ocupar das questões nacionais, os Estados, das regionais e o município, das locais. "Não há nenhuma razão para que a competência sobre rádios que atendem apenas a comunidade à sua volta fique nas mãos de Brasília", diz o juiz.

Silveira diz acreditar que essa centralização deva ser quebrada em breve. Só na região de Uberaba (MG), onde atuou como juiz, existem mais de cem rádios comunitárias funcionando com liminares concedidas por ele.
No país todo, mais de dez Câmaras municipais já aprovaram a municipalização das concessões.

Outra questão levantada pelo ministério e por entidades que representam as rádios comerciais é o risco de interferências nas comunicações dos aeroportos e ambulâncias. Para a Abert, as ocorrências são mais frequentes do que se anuncia. "Só não são divulgadas para não criar pânico", diz Moura. "Trata-se de um enorme lobby contra as rádios comunitárias, pois esse risco não existe", afirma o professor Arnaldo Siqueira, coordenador do Centro de Educação Permanente da Faculdade de Saúde Pública da USP.

A Abert divulga em suas associadas uma advertência de que as "rádios piratas representam grave ameaça", interferindo nas comunicações entre aviões e aeroportos e no rádio das ambulâncias.

Para o juiz Paulo Silveira, as rádios comerciais, por sua grande potência, representariam um risco maior de interferências do que as rádios comunitárias.

Em parceria com a Oboré e o apoio do Ministério da Saúde, a Faculdade de Saúde Pública está concluindo o terceiro curso de informação sobre saúde para radiocomunicadores. Mais de 200 já foram formados, todos atuando em rádios que ainda não receberam concessão. O fato ilustra o paradoxo em torno das rádios comunitárias: enquanto o Ministério das Comunicações as considera ilegais, a universidade pública e o Ministério da Saúde treinam seus "locutores clandestinos".
 

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