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23/09/2001 - 09h14

Cesta básica não alimenta até o fim do mês

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da Folha de S.Paulo

No quadro de fome da cidade de São Paulo, nem as 60 mil famílias que recebem a cesta básica do governo do Estado conseguem ingerir o número de calorias necessário para ter uma vida saudável, segundo os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Uma cesta básica custa aos cofres estaduais R$ 22 e alimenta, teoricamente em média, famílias de cinco pessoas durante um mês. Essa comida, no entanto, é frequentemente dividida entre os vizinhos que ainda são mais pobres.

A maioria desses sem-comida mora na chamada "franja" da cidade, a periferia propriamente dita das zonas leste, norte, sul e oeste, em bairros que ficam a pelo menos 40 km do centro.

Nessas regiões há as taxas mais altas de desemprego do município, segundo o Mapa da Exclusão (um dos mais completos estudos da situação social da capital paulista, elaborado pela vereadora Aldaíza Sposati, do PT) e estudos para a implantação do Renda Mínima da Prefeitura de São Paulo.

Nessas localidades também estão as mais altas taxas de desnutrição infantil até seis anos, segundo a Pastoral da Criança.

O mínimo necessário

O "Mapa do Fim da Fome", desenvolvido pelo pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, mostra que, para consumir as quantidades de calorias diárias recomendadas pela OMS, cada brasileiro precisaria dispor de R$ 80 mensais.

A média do consumo de homens, mulheres e crianças deve ser de pelo menos 2.000 calorias diárias. Um copo de leite e um prato de arroz têm cerca de 174 calorias. Acrescentando feijão a essa ração, são 505.

Dos 7,1 milhões de trabalhadores da região metropolitana de São Paulo (a maioria concentrada na capital), 3,7% estão abaixo da linha da indigência: têm renda de até meio salário mínimo (R$ 90), segundo o Relatório de Indicadores Sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), lançado em abril último.

São 263 mil pessoas - sem contar crianças fora da escola e idosos- que não têm renda suficiente para comer, segundo padrões internacionais.

"Se eu não visse com meus olhos e tocasse com as minhas mãos eu também não acreditaria que isso [fome" existe tão perto de mim", diz a irmã Cecilia Zanet, coordenadora da Diocese da Brasilândia da Pastoral da Criança. Pelo menos uma vez por semana, essa freira, que está há 15 anos no Brasil, sobe os morros da zona norte para ver como estão "as suas famílias."

A nutricionista Joceleni Salgado, da Universidade de São Paulo, diz que a situação das pessoas que se alimentam basicamente de arroz e leite pode ser comparada a de um automóvel abastecido apenas com óleo e água. "Isso não é nutrição", completa.

Para alguns dos principais pesquisadores de pobreza no país, como Ricardo Henriques, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, e Neri, da FGV, a indigência no Brasil não está ligada a escassez de recursos.

"O Brasil não é um país pobre e sim de pobres", classificou Neri no seu "Mapa do Fim da Fome", elaborado a partir de dados do IBGE. Ricardo Henriques, do Ipea, reforça essa idéia no estudo "A Estabilidade Inaceitável: Desigualdade e Pobreza no Brasil", mostrando que 64% dos países do mundo têm renda per capita inferior à brasileira e que 77% da população mundial vive nesses lugares. No entanto, essas nações têm uma quantidade de indigentes menor do que o Brasil.

O problema, concordam Henriques e Neri, é a concentração de renda. Na maioria dos países do mundo, a diferença entre a renda média dos 10% mais ricos da população e dos 40% mais pobres é inferior a dez vezes. No Brasil, essa diferença chega a 28 vezes, de acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Fim da indigência

Neri faz uma espécie de "simulação" da erradicação da pobreza nas regiões metropolitanas do país. O estudo é feito a partir da transferência de renda das famílias que se encontram acima da linha de pobreza (quem ganha até um salário mínimo) para aquelas que são indigentes- recebem até meio salário mínimo por mês e não tem como comprar alimentos em quantidade suficiente.

O resultado é que, na região metropolitana de São Paulo, cada família de não-miseráveis teria de pagar R$ 4,48 mensais para uma espécie de fundo para que cada indigente recebesse uma complementação mensal de R$ 40,79 e pudesse comer bem.

Essa simulação não leva em conta o custo da administração desse fundo nem inclui despesas com transporte, vestuário e lazer desses miseráveis. Conta apenas o dinheiro que cada um deveria pagar e receber. Além disso, dá a dimensão real da concentração de renda na região mais rica do país.

Essa mesma simulação de transferência de renda feita para todo Estado indica que cada paulista acima da linha de pobreza deveria pagar apenas R$ 3,75 para erradicar a indigência, apesar de São Paulo ser o Estado mais populoso do Brasil.

No Piauí, os não-miseráveis teriam de pagar R$ 25,90; os maranhenses, R$ 25,46.


 

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