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23/09/2001 - 10h17

"Escola do crime" vira fábrica de empregos

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RICARDO KOTSCHO
da Folha de S.Paulo

O perfil de Marcos Antonio Nascimento da Silva, o Marquinhos, hoje com 18 anos, não era muito diferente do encontrado nos prontuários de outros internos da Febem quando ele foi preso em fevereiro deste ano, ao tentar assaltar uma perua Sprinter.

Filho de um motoboy que passou oito anos na cadeia, também por assalto, abandonado pela mãe aos nove anos, Marquinhos sobrevivia de pequenos furtos que o ajudavam a cuidar dos três irmãos menores na favela do Jardim Souza, em Guarapiranga, zona sul de São Paulo, onde nasceu.

A diferença entre ele e milhares de outros internos da Febem -a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, desde sempre estigmatizada como "escola do crime"- é que Marquinhos saiu da instituição diretamente para um emprego, depois de ter cursado a Escola de Informática e Cidadania, instalada em maio último no complexo do Tatuapé.

Na semana passada, Marquinhos começou a trabalhar como operador de copiadoras da empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers, ganhando R$ 350 mensais mais os benefícios, que praticamente dobram seu salário.

Do crime ao trabalho com carteira assinada, passaram-se apenas seis meses -uma verdadeira eternidade que transformou a vida desse jovem, antes condenado à delinquência, graças aos novos tempos vividos atrás dos temidos muros da Febem.

A mesma instituição, recentemente ameaçada de ser denunciada pela Câmara dos Deputados à Organização dos Estados Americanos (OEA) por maus-tratos aplicados aos adolescentes sob a sua guarda, mostra que é possível superar o seu maior estigma -de depósito de infratores.

Parceria pioneira

A Febem formalizou no início deste ano uma parceria com a iniciativa privada, que levou à criação da Escola de Informática e Cidadania (EIC), com a participação da Câmara Americana de Comércio (Amcham-SP), a PricewaterhouseCoopers e o Comitê para a Democratização da Informática (CDI), entidade criada por Rodrigo Baggio, no Rio de Janeiro, para dar acesso ao mundo dos computadores a jovens sem recursos.

Marquinhos fazia parte do grupo de 80 adolescentes que deram início ao curso, no dia 29 de maio, e foi o primeiro a conseguir um emprego, depois de receber seu diploma das mãos do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Além do conteúdo técnico (MS-Windows e MS-Office), faz parte do curso a discussão de temas ligados à cidadania (direitos humanos, não-violência, preservação ambiental, saúde).

Os 46 microcomputadores usados, instalados no Tatuapé, foram arrecadados pela campanha Megajuda da Câmara Americana de Comércio, que reúne 4.300 empresas, entre elas a PricewaterhouseCoopers.

Como não planejava trocar seus micros durante este ano, a Price, em lugar de equipamentos, forneceu os profissionais voluntários que ministram as aulas, em colaboração com instrutores da Febem, seguindo a metodologia pedagógica do CDI.

Na quarta-feira da semana passada, 112 internos começaram o terceiro curso no complexo do Tatuapé. Outras três unidades da Febem passaram a contar desde agosto com instalações semelhantes. A meta é dotar de EICs todas as unidades da instituição até dezembro de 2002.

Formados na Febem

Entusiasmado com a primeira experiência de parceria com a iniciativa privada, Laurence Casagrande Lourenço, supervisor de educação profissional da Febem, lembra que, até há pouco tempo, a instituição era muito fechada. Só tinha alguns acordos com órgãos estatais para a colocação dos ex-internos.

Dos 4.350 adolescentes que se encontravam internados nas 42 unidades da Febem na semana passada, 3.100 estavam inscritos em algum dos 19 cursos profissionalizantes regulares oferecidos.

Mas as vagas oferecidas aos ex-internos ainda são poucas: 20 na Cosesp (Companhia de Seguros do Estado de São Paulo), 30 na CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) e 28 na FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação).

Em outubro, a Imprensa Oficial vai abrir 60 vagas para adolescentes selecionados pela Febem que se encontram em regime de liberdade assistida.

Como os cursos têm duração média de dois meses, e o período médio de internação dos adolescentes é de seis a sete meses, alguns chegam a frequentar aulas em até três áreas diferentes.

O engajamento é voluntário, mas Lourenço calcula que 80% dos internos frequentam pelo menos um curso. É a melhor forma de conseguir boa avaliação nos relatórios enviados pelos assistentes sociais da Febem aos juízes que determinam o prazo da medida socioeducativa, o eufemismo jurídico para a pena dos menores.

Portas abertas

Se depender de Wander Teles, sócio-diretor da PricewaterhouseCoopers, o caso de Marquinhos é apenas o primeiro de uma série. Nos próximos dias, outro ex-interno da Febem que frequentou o curso da EIC será encaminhado para trabalhar nos escritórios da empresa em Sorocaba, cidade do interior paulista.

Teles pretende, a curto prazo, abrir outras cinco vagas e já está fazendo contatos com clientes da empresa de auditoria para encaminhar adolescentes, que antes deverão passar por um estágio de seis meses na própria Price.

S.J.C., 17, que tentou furtar uma moto, foi apanhado em flagrante e está internado há seis meses na Febem, pode ser um dos próximos beneficiados.
Jobim Tapajós Monteiro, supervisor da gráfica da Price e um dos instrutores voluntários que dão aulas na Febem, está gostando do empenho do adolescente.

"S. mostra uma certa aptidão, apesar de nunca antes ter se envolvido com informática. O maior problema que encontramos aqui é a formação escolar deficiente", afirma Monteiro.

Para alguns internos como S.J.C., passar uma temporada na Febem já não representa uma condenação aos infernos e pode até mudar os projetos de vida.

Antes, ele já tinha vontade de "aprender alguma coisa no computador". Mas, como não teve oportunidade, sonhava em ser jogador de futebol. "Quando sair daqui, agora vou poder trabalhar com computador", diz.

O ensino de informática também entrou por acaso na vida de D.M.S., 13. Num sábado de abril deste ano, ele foi convidado por um colega da turma da rua no Capão Redondo, zona sul, a subir na garupa da moto para "dar um rolê". Levaram um tombo, a polícia chegou e os dois foram parar na Febem. A moto era roubada, mas D.M.S. afirma que não sabia.

Aluno da 7ª série do Instituto Adventista de Ensino, D.M.S agora está no segundo estágio do curso de informática da EIC e frequenta também aulas de violão. Elogiado pela diretora, por psicólogas e por assistentes sociais da UI-7 (Unidade de Internação), que acreditam na sua inocência, deve ser posto logo em liberdade.

"Eu vou ser dentista, você vai ver", promete o menino, ajeitando os óculos, com seu jeito de bom aluno. Se não fossem a roupa, o corte de cabelo e o ritual que o obriga a andar sempre com as mãos para trás, ninguém poderia dizer que é um menino da Febem.

Da mesma forma, os colegas de gráfica de Marcos Antonio Nascimento da Silva não imaginavam que o novo funcionário é um ex-interno da Febem. Foi ele quem fez questão de contar sua história, com dois objetivos. "Quem sabe assim mais empresários se interessem em fazer parcerias com a Febem. E o pessoal que está lá dentro, vendo o que aconteceu comigo, ganha mais esperança de conseguir um emprego também."

Casado, pai de uma menina de cinco meses, que nasceu quando estava na Febem, Marquinhos agora vai poder ajudar o sogro a pagar o aluguel da casa onde moram. Antes de ser preso, não dava. Ganhava só R$ 100,00 por mês.

Clique aqui para ler mais sobre a Febem
 

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