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23/09/2001 - 10h21

Ex-interno da Febem agora é doutor pela USP

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da Folha de S.Paulo

Dos seus 42 anos de vida, o professor Roberto da Silva passou 24 confinado em instituições do Estado (sendo 14 em diferentes unidades da Febem e sete na Casa de Detenção). Doutorado pela USP na semana passada, defendendo a tese "A Eficácia Sócio-pedagógica da Pena de Privação de Liberdade", ele dá um conselho a Marcos Antonio Nascimento da Silva:
"Se você teve a sorte de alguém te abrir as portas, te dar uma oportunidade de trabalho, agora é hora de mostrar o seu valor pessoal, sem olhar para o passado. Eu nunca esperei que alguém tivesse dó ou pena de mim. Passar seis meses na Febem é pouco tempo para afetar um projeto de vida, não passa de um evento circunstancial."

Roberto fala com conhecimento de causa. Após a separação dos pais, veio com a mãe e três irmãos de São José dos Campos (SP) para São Paulo. Passaram fome e perambularam pelas ruas durante quatro meses, até serem atendidos pelo Juizado de Menores, que determinou a internação das crianças na Febem e, da mãe, num hospital psiquiátrico. A família acabou aí.

Aos 17 anos, ao sair da Febem, Roberto teve muitas dificuldades para enfrentar sozinho a vida em liberdade. Arrumou um emprego de office-boy, foi morar numa pensão, largou a escola na 5ª série e, pouco tempo depois, estava começando a praticar pequenos furtos. Fez o caminho inverso ao dos internos da Febem: só começou a delinquir depois de ter saído de lá. E foi novamente morar nas ruas até ser preso e condenado a 36 anos de prisão por crimes diversos.

Na cadeia, começou a estudar Direito por conta própria e tornou-se um autodidata para advogar em causa própria. Teve bons resultados: conseguiu reduzir a pena a um quinto da condenação. Em liberdade, em 1984, ajudou a organizar os que ficaram presos para defender seus direitos. Mas, diante da oposição do Poder Judiciário, resolveu tentar a vida em outra praia.

Durante 12 anos, foi missionário da Igreja da Unificação do reverendo Moon, onde estudou Teologia num curso livre. Só aos 33 anos resolveu voltar à escola regular e não parou mais. Fez o supletivo de primeiro e segundo graus, formou-se em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso e tornou-se mestre pela USP, em 1996, com uma tese que virou livro (Os Filhos do Governo, Editora Ática, 1997).

Agora doutor, Roberto da Silva é responsável pela área de Metodologia Científica da Universidade Santana e, na semana passada, contratado pela prefeitura, começou a dar palestras para professores sobre a relação entre a escola e o Estatuto da Criança e do Adolescente em toda a rede municipal de ensino.

O professor lembra que a Febem é uma herança do regime militar (a Funabem, que originou os orgãos estaduais, é de dezembro de 1964). Hoje, a instituição só cuida de infratores -já teve 16 mil internos, quando abrigava também menores carentes e abandonados-, mas mantém, segundo ele, "a mesma estrutura gigantesca e centralizada", com a média de um funcionário por adolescente.

Para mantê-la, contou no ano passado com um orçamento de R$ 172 milhões, a um custo de R$ 1.300 mensais por interno.

Mesmo assim, ele afirma que "a Febem não precisa acabar, apenas mudar". Roberto defende a municipalização da política de atendimento, ficando a Febem apenas como gestora dos recursos e não executora das medidas sócio-educativas. "Não é por falta de dinheiro, de recursos humanos ou de espaço que a Febem tem tantos problemas. É preciso mudar o modelo criado na época do regime militar."

As parcerias com a iniciativa privada podem ser um bom começo para essa mudança, à medida que a sociedade assumir a sua parcela de responsabilidade, em vez de ficar se mobilizando apenas para impedir a construção de novas unidades da Febem em seus municípios.


Clique aqui para ler mais sobre a Febem de SP


 

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