Publicidade
Publicidade
04/11/2001
-
04h34
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo
Ela, 15 anos, estudante, endereço incerto na periferia. Ele, 17 anos, procurando emprego, morador da mesma periferia. A menina entra no serviço de saúde dizendo que a camisinha estourou e que não deseja ficar grávida. Ali mesmo, no ambulatório, ela recebe uma pílula, e uma segunda ela carrega na bolsa para tomar 12 horas depois. A adolescente pede que os pais não sejam informados e volta para casa com 85% de chances de não ficar grávida.
O ritual, que já acontece nos serviços especializados para adolescentes, está sendo agora estendido para todos os serviços de saúde do Estado de São Paulo e para todas as mulheres. As ações estão sendo iniciadas praticamente ao mesmo tempo: a Prefeitura de São Paulo em cerca de 30 unidades da cidade, o Estado e o Ministério da Saúde em todos os outros municípios paulistas.
Milhares de profissionais já foram treinados -ou estão sendo- para atender esse contigente de mulheres que, a partir de agora, não precisará mais agir às escondidas.
Num primeiro momento, a decisão de disponibilizar a "pílula do dia seguinte" -como é conhecida a contracepção de emergência- deverá "reduzir em pelo menos 10% o número de abortos praticados por adolescentes", diz a médica Albertina Takeuti, coordenadora dos programas da mulher e do adolescente da Secretaria de Estado da Saúde.
Nos últimos anos, de 40 mil a 45 mil mulheres vêm sendo internadas anualmente nos serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) no Estado em decorrência de complicações de abortos. Dessas, quase 25% são menores de 19 anos. O número real de abortos pode ser três a quatro vezes maior.
No país todo, o SUS realizou 646 mil partos de adolescentes entre 15 e 19 anos em 2000. Entre essas, estima-se que mais de 30% não teriam filhos se contassem com o recurso da pílula do dia seguinte. Outras 32 mil meninas menores de 14 anos tiveram bebês no mesmo ano. Se tivessem escolha e informação, certamente nenhuma delas teria engravidado.
A pílula do dia seguinte, ou a contracepção de emergência em diferentes formulações, já é empregada há anos nos serviços que atendem mulheres vítimas de violência sexual.
"Agora estará disponível para todas as mulheres, é um direito que nós temos", diz a médica Maria José de Oliveira Araújo, diretora da área técnica da saúde da mulher da Secretaria Municipal da Saúde.
A chegada da pílula à rede pública ainda divide opiniões. Vai levar algum tempo antes que a maioria dos profissionais da saúde se convença da sua importância e necessidade.
Os que são contrários alegam que haverá abuso e que, contando com a pílula do dia seguinte, homens e mulheres, adolescentes e adultos, deixarão de lado a prevenção. Além da possibilidade de gravidez e dos efeitos colaterais, há o risco da Aids e das doenças sexualmente transmissíveis.
Albertina Takeuti contra-argumenta citando o trabalho de informação sobre contracepção e a distribuição de outros métodos. Pelas suas estimativas, 5% das adolescentes vão fazer uso da pílula do dia seguinte ao longo de um ano. Cada uma das adolescentes e seus namorados ou companheiros, no entanto, além de informação, tem à disposição 16 ou mais camisinhas por mês.
Nos grupos que se reúnem na Casa do Adolescente e no Hospital das Clínicas não são raros os casos de meninas que usaram até duas vezes a contracepção de emergência, diz Albertina. "Mas uma terceira vez é muito raro, pois elas discutem com seus parceiros a angústia da espera pela volta da menstruação e os efeitos colaterais que a pílula provoca", diz a médica.
"O que se nota é que, nos casos de aborto, os rapazes desaparecem. Já no caso da pílula, são eles que vão comprar."
A pílula do dia seguinte que começa a ser fornecida pelo Ministério da Saúde -em parceria com Estados e municípios- consiste numa cartela com dois comprimidos de levonorgestrel, cada um contendo 0,75 miligramas.
Trata-se de um hormônio sintético que provoca efeitos semelhantes aos da progesterona e que também está presente na maioria das pílulas anticoncepcionais comercializadas.
A diferença é que a pílula do dia seguinte foi concebida para oferecer em apenas duas unidades a dose de hormônio que antes era obtida com oito, dez e até 12 comprimidos, com uma série de efeitos colaterais.
No Brasil o debate está apenas começando. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente autorize os menores de idade a procurarem os serviços de saúde -sem necessidade de informarem seus pais-, é certo que haverá posições contrárias.
Se a prática na Europa for tomada como referência, essa discussão estará resolvida. Na Inglaterra, diz a médica Maria José, a pílula do dia seguinte é fornecida aos ambulatórios das escolas e as adolescentes podem se valer delas com a garantia de que seus pais não serão informados, a menos que elas queiram.
Há quem veja nessas atitudes um pecado mortal. Na prática, o acesso à pílula do dia seguinte permitirá que milhares de casos de gravidez sejam evitados antes que o espermatozóide fecunde o óvulo, dizem os especialistas.
Conceitos e dogmas à parte, a pílula evitará arrependimentos, sofrimentos, abortos violentos e uma gravidez sem desejos nem condições de assumi-la. "Estamos começando um debate e assumindo um risco", diz a médica Maria José.
Acesso à "pílula do dia seguinte" é facilitado
Publicidade
da Folha de S.Paulo
Ela, 15 anos, estudante, endereço incerto na periferia. Ele, 17 anos, procurando emprego, morador da mesma periferia. A menina entra no serviço de saúde dizendo que a camisinha estourou e que não deseja ficar grávida. Ali mesmo, no ambulatório, ela recebe uma pílula, e uma segunda ela carrega na bolsa para tomar 12 horas depois. A adolescente pede que os pais não sejam informados e volta para casa com 85% de chances de não ficar grávida.
O ritual, que já acontece nos serviços especializados para adolescentes, está sendo agora estendido para todos os serviços de saúde do Estado de São Paulo e para todas as mulheres. As ações estão sendo iniciadas praticamente ao mesmo tempo: a Prefeitura de São Paulo em cerca de 30 unidades da cidade, o Estado e o Ministério da Saúde em todos os outros municípios paulistas.
Milhares de profissionais já foram treinados -ou estão sendo- para atender esse contigente de mulheres que, a partir de agora, não precisará mais agir às escondidas.
Num primeiro momento, a decisão de disponibilizar a "pílula do dia seguinte" -como é conhecida a contracepção de emergência- deverá "reduzir em pelo menos 10% o número de abortos praticados por adolescentes", diz a médica Albertina Takeuti, coordenadora dos programas da mulher e do adolescente da Secretaria de Estado da Saúde.
Nos últimos anos, de 40 mil a 45 mil mulheres vêm sendo internadas anualmente nos serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) no Estado em decorrência de complicações de abortos. Dessas, quase 25% são menores de 19 anos. O número real de abortos pode ser três a quatro vezes maior.
No país todo, o SUS realizou 646 mil partos de adolescentes entre 15 e 19 anos em 2000. Entre essas, estima-se que mais de 30% não teriam filhos se contassem com o recurso da pílula do dia seguinte. Outras 32 mil meninas menores de 14 anos tiveram bebês no mesmo ano. Se tivessem escolha e informação, certamente nenhuma delas teria engravidado.
A pílula do dia seguinte, ou a contracepção de emergência em diferentes formulações, já é empregada há anos nos serviços que atendem mulheres vítimas de violência sexual.
"Agora estará disponível para todas as mulheres, é um direito que nós temos", diz a médica Maria José de Oliveira Araújo, diretora da área técnica da saúde da mulher da Secretaria Municipal da Saúde.
A chegada da pílula à rede pública ainda divide opiniões. Vai levar algum tempo antes que a maioria dos profissionais da saúde se convença da sua importância e necessidade.
Os que são contrários alegam que haverá abuso e que, contando com a pílula do dia seguinte, homens e mulheres, adolescentes e adultos, deixarão de lado a prevenção. Além da possibilidade de gravidez e dos efeitos colaterais, há o risco da Aids e das doenças sexualmente transmissíveis.
Albertina Takeuti contra-argumenta citando o trabalho de informação sobre contracepção e a distribuição de outros métodos. Pelas suas estimativas, 5% das adolescentes vão fazer uso da pílula do dia seguinte ao longo de um ano. Cada uma das adolescentes e seus namorados ou companheiros, no entanto, além de informação, tem à disposição 16 ou mais camisinhas por mês.
Nos grupos que se reúnem na Casa do Adolescente e no Hospital das Clínicas não são raros os casos de meninas que usaram até duas vezes a contracepção de emergência, diz Albertina. "Mas uma terceira vez é muito raro, pois elas discutem com seus parceiros a angústia da espera pela volta da menstruação e os efeitos colaterais que a pílula provoca", diz a médica.
"O que se nota é que, nos casos de aborto, os rapazes desaparecem. Já no caso da pílula, são eles que vão comprar."
A pílula do dia seguinte que começa a ser fornecida pelo Ministério da Saúde -em parceria com Estados e municípios- consiste numa cartela com dois comprimidos de levonorgestrel, cada um contendo 0,75 miligramas.
Trata-se de um hormônio sintético que provoca efeitos semelhantes aos da progesterona e que também está presente na maioria das pílulas anticoncepcionais comercializadas.
A diferença é que a pílula do dia seguinte foi concebida para oferecer em apenas duas unidades a dose de hormônio que antes era obtida com oito, dez e até 12 comprimidos, com uma série de efeitos colaterais.
No Brasil o debate está apenas começando. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente autorize os menores de idade a procurarem os serviços de saúde -sem necessidade de informarem seus pais-, é certo que haverá posições contrárias.
Se a prática na Europa for tomada como referência, essa discussão estará resolvida. Na Inglaterra, diz a médica Maria José, a pílula do dia seguinte é fornecida aos ambulatórios das escolas e as adolescentes podem se valer delas com a garantia de que seus pais não serão informados, a menos que elas queiram.
Há quem veja nessas atitudes um pecado mortal. Na prática, o acesso à pílula do dia seguinte permitirá que milhares de casos de gravidez sejam evitados antes que o espermatozóide fecunde o óvulo, dizem os especialistas.
Conceitos e dogmas à parte, a pílula evitará arrependimentos, sofrimentos, abortos violentos e uma gravidez sem desejos nem condições de assumi-la. "Estamos começando um debate e assumindo um risco", diz a médica Maria José.
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Sem PM nas ruas, poucos comércios e ônibus voltam a funcionar em Vitória
- Sem-teto pede almoço, faz elogios e dá conselhos a Doria no centro de SP
- Ato contra aumento de tarifas termina em quebradeira e confusão no Paraná
- Doria madruga em fila de ônibus para avaliar linha e ouve reclamações
- Vídeos de moradores mostram violência em ruas do ES; veja imagens
+ Comentadas
- Alessandra Orofino: Uma coluna para Bolsonaro
- Abstinência não é a única solução, diz enfermeira que enfrentou cracolândia
+ EnviadasÍndice