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05/11/2001 - 05h05

Para médicos, solução pode surgir dentro de hospitais

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da Folha de S.Paulo

Cada acidentado que chega ao Hospital Municipal Arthur Ribeiro de Saboya, no Jabaquara, zona sul de São Paulo, tem seus dados pessoais cuidadosamente preenchidos em uma ficha ainda atípica no país. Nela, aparece um histórico detalhado da causa da lesão, alguns dados familiares, econômicos e sociais da vítima e -se houver e for conhecido- do agressor. O declarante pode ser o próprio ferido ou um familiar.

O projeto, batizado de Núcleo de Atenção à Vítima da Violência, começou em junho e tem um objetivo claro: possibilitar a ação de outros setores do governo municipal sobre as causas da violência a partir de dados estatísticos.

"Se identificarmos agressões a crianças, vamos encaminhar os casos à Promotoria da Infância e da Juventude. Se a violência estiver decorrendo de brigas entre moradores de rua, vamos acionar a Secretaria do Bem-Estar Social", afirma o ginecologista Aloísio Punhagui Cuginotti, diretor-técnico do hospital do Jabaquara.

"A violência é um processo com repercussão posterior na família e no indivíduo. Se queremos diminuir os índices, não podemos só dar atendimento médico. Caso contrário, só atenderemos cada vez mais gente", afirma.

Para Cuginotti, "estamos vivendo uma guerra", e a forma de voltar à paz é multiplicar ações localizadas. O hospital, diz, pode ser o ponto de partida. "Se tivermos um perfil epidemiológico da violência, podemos entregá-lo aos técnicos da saúde da família. Agir de porta em porta é mais eficiente do que só esperar a polícia."

A intenção do médico é ter dados claros sobre a situação até o começo do ano. Na média do SUS, em cada 100 óbitos hospitalares, 2,5 são de vítimas da violência. No Jabaquara, são 30 em cada grupo de 100 mortes totais.

Governo e sociedade
A iniciativa da Prefeitura de São Paulo é elogiada por médicos e economistas que estão envolvidos com o estudo das causas e das consequências da violência.

Para eles, já não adianta apenas esperar a ação da polícia. O caminho é buscar soluções interdisciplinares em pequenos grupos para depois ampliá-las. Isso, porém, avaliam, está começando a ser feito muito lentamente no país.

"Já não há dúvida de que a solução para esse problema requer uma ação integrada", diz o obstetra José Antônio Jordão de Araújo Ribeiro Neto, um dos membros do Centro de Estudos de Violência e Saúde, também criado este ano pelo governo de São Paulo para fazer um trabalho semelhante ao do hospital do Jabaquara.

"E essa interdisciplinaridade tem de ser focada em um grupo para que tenha resultados reais de identificação e de ressocialização. Nesse contexto, o hospital, que cuida, pode ser mais confiável para a vítima do que a polícia, que pune", completa a médica Luciana Phebo, uma das autoras de um estudo que mediu o custo da violência no Rio de Janeiro em 1996.

As duas iniciativas -do Jabaquara e do governo de São Paulo- seguem as diretrizes da Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violência, lançada em maio passado pelo Ministério da Saúde.

"A questão é que o problema da violência está colocado há mais de dez anos, sem que o governo reaja. Agora, ele parece iniciar um caminho. Mas essa velocidade de reação ainda é muito baixa", diz Ib Teixeira, que lançará o livro "Contabilidade da Violência".

A inércia do governo, prossegue, encontra respaldo em um desinteresse da sociedade pelo tema.

"Além de integrar ações, há ainda outro desafio: conscientizar a sociedade da importância de traçar um perfil dessas mortes. É preciso mudar a disposição dos declarantes", concorda o economista da saúde Bernard Couttolenc, da Faculdade de Saúde Pública. Para Couttolenc, as pessoas tendem a esconder que são vítimas de violência, sobretudo a doméstica, prejudicando a qualidade das informações e dificultando uma ação sobre essas causas.
(SÍLVIA CORRÊA)
 

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