Publicidade
Publicidade
11/11/2001
-
06h01
SÍLVIA CORRÊA
ALESSANDRO SILVA
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
Morumbi, 7h30. Paulista, 13h45. Tremembé, 19h30. Ipiranga, 21h. De norte a sul, os pontos têm em comum um lugar nas estatísticas: registram local e hora dos sequestros de algumas das 209 pessoas que viraram reféns este ano no Estado de São Paulo.
Em média, a cada 35 horas uma pessoa é levada para o cativeiro. Em 2000, os sequestradores faziam uma vítima a cada seis dias.
O índice é recorde. Supera a soma de todos os sequestros que ocorreram no Estado nos cinco anos anteriores, e chega bem perto dos 233 casos registrados em todo o país em 2000.
Somados aos sequestros relâmpagos (sem cativeiro fixo), são cinco por dia só na Grande São Paulo. É um índice muito superior aos casos que são atribuídos a criminosos comuns pelo governo da Colômbia _147 no primeiro semestre_, país que lidera o ranking mundial de casos, quando somadas as ações políticas.
No interior, Campinas (99 km de São Paulo), é a cidade que lidera o ranking dos crimes. Dos 26 sequestros ocorridos fora da região metropolitana, 24 aconteceram em municípios da região. Lá, porém, o crime se apresenta em sua modalidade mais tradicional: vítimas são escolhidas a dedo, resgates pagos em dólares e o cativeiro pode se arrastar por um mês.
Democratização do crime
Pela vida dos reféns paulistas, os criminosos cobraram de suas famílias de R$ 500 a R$ 500 mil. Cerca de 150 delas pagaram. Os R$ 500 revelam a face mais preocupante da explosão estatística: a banalização desses crimes.
Em comum com os clássicos casos da literatura policial, esses sequestros "express" têm apenas o rastro de pavor que deixam nas vítimas. De resto, tudo mudou. Não há mais o planejamento nem a cuidadosa escolha dos alvos.
"Hoje, qualquer pessoa pode ser a vítima ou o sequestrador. É a democratização perversa do crime", resume o sociólogo Luis Antônio de Souza, 39, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Nas formas de abordagem está o retrato mais claro da banalização: além de carros, casas e empresas, elas podem estar em ônibus ou a pé, na rua. A situação é muito semelhante a que viveu o Rio de Janeiro em 1996. Foram, naquele ano, 77 sequestros de todos os tipos. Este ano, são cinco.
Na mira do revólver aparecem, hoje, igualmente, pobres e ricos. Com a mão no gatilho estão, em geral, ladrões inexperientes. Eles migraram para os crimes de cativeiro, segundo a polícia, por ver neles uma forma mais rápida de fazer dinheiro após o reforço da segurança de bancos e cargas.
São jovens. Sem medo, atacam até desarmados e mesmo quando estão feridos. A maioria deles não tem ficha criminal. Mantém a vítima, em média, por uma semana.
Cativeiros violentos
Mas a juventude, o amadorismo e a ousadia são uma receita perigosa nos cativeiros. Os relatos de agressões são comuns.
A mutilação da orelha do músico Wellington Camargo, que chocou o país há dois anos, não é um caso isolado. Por apenas um cirurgião plástico paulistano, outros oito sequestrados já foram atendidos desde então. Foram cortes a faca, tesoura ou dentadas.
Além das marcas físicas, as vítimas carregam cicatrizes emocionais. A maioria sofre de distúrbios por pelo menos três meses, dizem psiquiatras. Elas ficam com medo e mudam suas rotinas.
Se prejudica a vítima, a falta de organização também abala a polícia. "A primeira coisa que digo para a família é que não podemos garantir nada", diz o delegado Wagner Giudice, titular da Delegacia Anti-Sequestro de São Paulo.
"Esses criminosos não são profissionais. Por isso, tornam-se imprevisíveis até para nós."
Giudice negociou sozinho os sequestros na cidade por dez meses: dormiu só cinco noites sem que o telefone tocasse anunciando o início ou o fim de um caso.
Caminhos de reação
Hoje, após a explosão, as autoridade se mobilizam. O Ministério Público, com a resistência da Justiça, tenta acusar também por tortura os sequestradores que agredirem suas vítimas.
O governo do Estado aumentou homens, carros e armas da Divisão Anti-Sequestros e espalhou unidades pelo interior. Fez isso em setembro, quando os números já superavam de longe os índices anteriores.
Mas o secretário da Segurança Pública rebate a crítica de uma reação tardia. Diz que a migração não era previsível e que o combate será centrado na repressão.
"O caminho de quem faz sequestro aqui acaba sendo dois: ou vai para a cadeia ou morre", diz Marco Vinicio Petrelluzzi.
O reflexo da fala já aparece nos índices: dos 6 mortos no ano, 4 foram nas últimas semanas.
Para estudiosos da segurança pública, mais do que com a força, a polícia tem de contar com a inteligência nas ações e com a colaboração da sociedade, incentivando as denúncias. O governo defende que haja recompensa para as dicas que levarem à prisão de foragidos importantes.
Leia mais:
Violência contra vítimas de sequestro inclui tortura e até mutilação
Empresário mata e consegue escapar de cativeiro em São Paulo
Adoecer é mais fácil do que ser sequetrado em SP, diz Petrelluzzi
A cada 35 horas, pelo menos um paulista é sequestrado
Publicidade
ALESSANDRO SILVA
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
Morumbi, 7h30. Paulista, 13h45. Tremembé, 19h30. Ipiranga, 21h. De norte a sul, os pontos têm em comum um lugar nas estatísticas: registram local e hora dos sequestros de algumas das 209 pessoas que viraram reféns este ano no Estado de São Paulo.
Em média, a cada 35 horas uma pessoa é levada para o cativeiro. Em 2000, os sequestradores faziam uma vítima a cada seis dias.
O índice é recorde. Supera a soma de todos os sequestros que ocorreram no Estado nos cinco anos anteriores, e chega bem perto dos 233 casos registrados em todo o país em 2000.
Somados aos sequestros relâmpagos (sem cativeiro fixo), são cinco por dia só na Grande São Paulo. É um índice muito superior aos casos que são atribuídos a criminosos comuns pelo governo da Colômbia _147 no primeiro semestre_, país que lidera o ranking mundial de casos, quando somadas as ações políticas.
No interior, Campinas (99 km de São Paulo), é a cidade que lidera o ranking dos crimes. Dos 26 sequestros ocorridos fora da região metropolitana, 24 aconteceram em municípios da região. Lá, porém, o crime se apresenta em sua modalidade mais tradicional: vítimas são escolhidas a dedo, resgates pagos em dólares e o cativeiro pode se arrastar por um mês.
Democratização do crime
Pela vida dos reféns paulistas, os criminosos cobraram de suas famílias de R$ 500 a R$ 500 mil. Cerca de 150 delas pagaram. Os R$ 500 revelam a face mais preocupante da explosão estatística: a banalização desses crimes.
Em comum com os clássicos casos da literatura policial, esses sequestros "express" têm apenas o rastro de pavor que deixam nas vítimas. De resto, tudo mudou. Não há mais o planejamento nem a cuidadosa escolha dos alvos.
"Hoje, qualquer pessoa pode ser a vítima ou o sequestrador. É a democratização perversa do crime", resume o sociólogo Luis Antônio de Souza, 39, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Nas formas de abordagem está o retrato mais claro da banalização: além de carros, casas e empresas, elas podem estar em ônibus ou a pé, na rua. A situação é muito semelhante a que viveu o Rio de Janeiro em 1996. Foram, naquele ano, 77 sequestros de todos os tipos. Este ano, são cinco.
Na mira do revólver aparecem, hoje, igualmente, pobres e ricos. Com a mão no gatilho estão, em geral, ladrões inexperientes. Eles migraram para os crimes de cativeiro, segundo a polícia, por ver neles uma forma mais rápida de fazer dinheiro após o reforço da segurança de bancos e cargas.
São jovens. Sem medo, atacam até desarmados e mesmo quando estão feridos. A maioria deles não tem ficha criminal. Mantém a vítima, em média, por uma semana.
Cativeiros violentos
Mas a juventude, o amadorismo e a ousadia são uma receita perigosa nos cativeiros. Os relatos de agressões são comuns.
A mutilação da orelha do músico Wellington Camargo, que chocou o país há dois anos, não é um caso isolado. Por apenas um cirurgião plástico paulistano, outros oito sequestrados já foram atendidos desde então. Foram cortes a faca, tesoura ou dentadas.
Além das marcas físicas, as vítimas carregam cicatrizes emocionais. A maioria sofre de distúrbios por pelo menos três meses, dizem psiquiatras. Elas ficam com medo e mudam suas rotinas.
Se prejudica a vítima, a falta de organização também abala a polícia. "A primeira coisa que digo para a família é que não podemos garantir nada", diz o delegado Wagner Giudice, titular da Delegacia Anti-Sequestro de São Paulo.
"Esses criminosos não são profissionais. Por isso, tornam-se imprevisíveis até para nós."
Giudice negociou sozinho os sequestros na cidade por dez meses: dormiu só cinco noites sem que o telefone tocasse anunciando o início ou o fim de um caso.
Caminhos de reação
Hoje, após a explosão, as autoridade se mobilizam. O Ministério Público, com a resistência da Justiça, tenta acusar também por tortura os sequestradores que agredirem suas vítimas.
O governo do Estado aumentou homens, carros e armas da Divisão Anti-Sequestros e espalhou unidades pelo interior. Fez isso em setembro, quando os números já superavam de longe os índices anteriores.
Mas o secretário da Segurança Pública rebate a crítica de uma reação tardia. Diz que a migração não era previsível e que o combate será centrado na repressão.
"O caminho de quem faz sequestro aqui acaba sendo dois: ou vai para a cadeia ou morre", diz Marco Vinicio Petrelluzzi.
O reflexo da fala já aparece nos índices: dos 6 mortos no ano, 4 foram nas últimas semanas.
Para estudiosos da segurança pública, mais do que com a força, a polícia tem de contar com a inteligência nas ações e com a colaboração da sociedade, incentivando as denúncias. O governo defende que haja recompensa para as dicas que levarem à prisão de foragidos importantes.
Leia mais:
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Sem PM nas ruas, poucos comércios e ônibus voltam a funcionar em Vitória
- Sem-teto pede almoço, faz elogios e dá conselhos a Doria no centro de SP
- Ato contra aumento de tarifas termina em quebradeira e confusão no Paraná
- Doria madruga em fila de ônibus para avaliar linha e ouve reclamações
- Vídeos de moradores mostram violência em ruas do ES; veja imagens
+ Comentadas
- Alessandra Orofino: Uma coluna para Bolsonaro
- Abstinência não é a única solução, diz enfermeira que enfrentou cracolândia
+ EnviadasÍndice