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10/07/2000 - 02h54

Vereadores atraem voto com doações

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ALENCAR IZIDORO e CHICO DE GOIS

A placa não existe, mas a propaganda em alguns escritórios políticos de vereadores poderia ser: "Troque seu voto por uma cadeira de rodas". O clientelismo, comum no interior do país, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, é prática arraigada também entre os parlamentares de São Paulo, a maior cidade da América Latina.

Para cativar os eleitores, vale doar de boi a cadeira de rodas, de óculos a material de construção, de enxoval a remédio, passando pela tradicional cesta básica.

A rede assistencialista não pára por aí: oferece advogado, emprego, patrocina campeonatos, banca transporte gratuito, custeia formaturas, cede ambulâncias.

Isso sem contar o pagamento de enterros, num gesto de solidariedade à dor alheia e de interesse na própria eleição.

O vereador Jorge Taba (PSB), por exemplo, deu dinheiro recentemente para uma paróquia do Jardim Miriam (zona sul) realizar um almoço para a comunidade.

Usando sua influência, também evitou, há três meses, que o padre Antonio Alves da Silva mofasse na fila de um hospital municipal.

Ele, que admite, com muito orgulho, dar remédios, transporte e carro de som aos eleitores, esclarece os motivos de tanta bondade: "No dia em que a gente passa a não praticar esses pequenos atos, começa a perder voto".

No melhor estilo do "é dando que se recebe", o padre Silva já colocou uma faixa do vereador no quintal da igreja. Ele se recusa a liberar a parede para outro candidato. "Isso não é mural".

Outro que também lança mão desse recurso é Toninho Paiva (PFL). Há dois anos, ele doou um animal para uma igreja da Vila São Francisco (zona leste) promover um churrasco. A finalidade da boa ação era a mesma: garantir futuros votos.

Na mesma região, Paiva forneceu material para a construção de um campo de malha. "A gente procura dar uma colaboração, com areia, cimento, para uma área que vai ser desfrutada pela comunidade. Qualquer coisa individual, não conte comigo", diz.

O resultado pode ser notado no cadastro que mantém: os potenciais eleitores passam de 50 mil.

A lógica é a mesma da de Edvaldo Estima (PPB). No primeiro mandato, elegeu-se com 14 mil votos. No último, foram 54 mil. "Foi um reconhecimento gratificante", diz ele.

A líder comunitária Rosa dos Santos, 49, é uma das pessoas gratas a Estima. "Ele deu a laje da minha associação".

"O coração não aguenta. O que eu ganho como vereador eu gasto na política. Quem me sustenta é a minha empresa", afirma Estima
Mesmo quem diz não gastar dinheiro próprio, como Gilson Barreto (PSDB), usa a criatividade para ganhar a simpatia do eleitor.

Barreto mantém em São Mateus (na zona leste) um espaço político e cultural aberto à comunidade. Além de fornecer orientação jurídica e promover torneios, também cede o local, todo pintado com seu nome, para casamentos, batizados, festas e formaturas.

Falta de garantias

Especialistas avaliam que esse clientelismo decorre da falta de garantias básicas de saúde, educação e bem-estar social para a maioria da população.

"O poder público funciona mal, e o vereador utiliza esse mau funcionamento para se beneficiar", afirma André Singer, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo).

"Para mudar essa situação, dependeria de uma mudança nas condições de vida ou na mentalidade da população", diz.

Para Maria D'alva Gil Kinzo, professora do Departamento de Ciências Políticas da USP, o clientelismo é um círculo vicioso, isto é, o vereador aproveita-se da carência do eleitor e dá o que ele precisa momentaneamente. O eleitor, por sua vez, acredita que a função de um bom político é lhe prestar um favor quando precisa. Maria D'alva afirma que o clientelismo é uma prática antiga na política paulistana, mas acentuou-se nas administrações de Jânio Quadros (1985-88), Paulo Maluf (1993-96) e na gestão do atual prefeito, Celso Pitta.

Que a prática da doação interessada rende dividendos eleitorais, ninguém duvida. O vereador Brasil Vita (PPB), há quase 40 anos na Câmara, afirma que o vereador é o único político que tem uma "clientela eleitoral".
Ele recusa o caráter pejorativo da palavra clientela, mas diz que essa proximidade do vereador com o eleitor facilita os pedidos. "Somos despachantes de luxo".

Integrante da tropa de choque do prefeito Celso Pitta, o vereador Wadih Mutran (PPB) orgulha-se de distribuir óculos, cadeiras de rodas, muletas e até de bancar o pagamento de enterros.

Eleito basicamente com votos da Vila Maria, na zona norte, tradicional reduto janista, ele também ajuda a liberar corpo no IML (Instituto Médico Legal) e oferece caminhão para mudança. Depende da necessidade do eleitor.

O carro-chefe da caridade são cinco ambulâncias. A primeira foi adquirida por Mutran em 1983. Desde então, foram mais de 30 mil atendimentos, todos devidamente catalogados em fichas.

Mas, na eleição passada, a Justiça Eleitoral o condenou por essa prática. Para a Justiça, Mutran cometeu abuso financeiro.

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