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06/01/2002 - 05h32

Overdose é tema de treinamento para profissionais de saúde em SP

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AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo

A Prefeitura de São Paulo está treinando profissionais de saúde para prestar atendimento a quem chega aos hospitais com overdose por drogas.

Os dependentes de drogas, por sua vez, estão sendo treinados por agentes de saúde para evitar overdose e socorrer o colega que for vítima dela.
Se programas desse tipo já tivessem sido implantados no país, várias mortes poderiam ter sido evitadas. A opinião é de especialistas.

No Rio, uma lei que facilitava a implantação de programas de "redução de danos" -práticas para diminuir riscos aos dependentes- foi vetada pelo governador dois meses atrás.

Em São Paulo, a prefeitura começou a treinar em agosto profissionais dos postos de saúde que trabalham com prevenção às DST/Aids. Está começando agora a trabalhar nas emergências e no Programa Saúde de Família.

"Os profissionais não estão preparados para o atendimento de usuários de drogas", diz o médico Fábio Mesquita, coordenador do programa municipal de DST/ Aids de São Paulo.

Não são preparados nas escolas médicas e de enfermagem e levam para o trabalho o mesmo conceito moral que a sociedade tem das drogas, a de que o usuário deve ser punido.

"Há profissionais que confessam aplicar a injeção da forma mais dolorida e retardar qualquer paliativo quando se trata de dependente", diz a psicóloga Helena Lima, que participa dos treinamentos da prefeitura.

"Quem tenta o suicídio, quem faz aborto e quem chega com overdose é igualmente maltratado. O caso sai da esfera da doença e passa para a esfera da moral."

"Se alguém a seu lado..."
O atendimento da vítima de overdose também preocupa o Ministério da Saúde.

O manual de assistência que será lançado este ano, voltado para drogas, DST e Aids, vai contemplar o atendimento da overdose. O manual orienta profissionais de todas as áreas que lidam com o assunto, dentro e fora do governo.

Boa parte dessa política de "redução de danos" está nas mãos dos usuários e dependentes. "Se alguém a seu lado tiver uma overdose, não entre em pânico", diz um folheto do Ministério da Saúde.

"Fale com a pessoa, evite que ela "apague". Se estiver inconsciente, deite-a de lado, com a cabeça para trás. Chame a ambulância e diga o que a pessoa tomou."

"Vi muitos usuários que não pediam ajuda porque não se sentiam merecedores; alguns morreram por isso", diz Denise Gandolfi, assessora de prevenção da Coordenação Nacional de Aids.

"A primeira coisa a fazer é pedir ajuda rapidamente e passar todas as informações ao médico", diz a psicóloga Andrea Domanico, que coordena o centro "É de Lei", grupo que atua no centro de São Paulo e orienta usuários sobre "sexo seguro e uso seguro de drogas".

Os frequentadores são informados de que uma overdose depende de muitos fatores, como a associação entre drogas -álcool e tranquilizantes, inclusive-, a qualidade da cocaína usada e as condições do organismo.

"A mesma quantidade, dependendo do "fornecedor", da alimentação e do metabolismo naquele dia, pode desencadear uma overdose", diz Andrea. "Por se tratar de um episódio que foge ao controle, o melhor é procurar socorro rápido."

Nas vezes em que acompanhou usuários aos hospitais, Andrea diz que as informações foram fundamentais no atendimento.

Pesquisa revela
Por conta da legislação que criminaliza o usuário e o dependente, quase nada se sabe sobre o que está ocorrendo nesse universo. "O número de casos de overdose -inclusive fatais- é certamente muito maior do que o notificado", diz Fábio Mesquita.

Em 1999, ele coordenou uma pesquisa com 396 usuários de cocaína que injetavam, cheiravam ou fumavam crack.

A pesquisa, publicada no mês passado na prestigiada revista inglesa "Addiction", revelou que 20% dos entrevistados já tinham sofrido uma ou mais overdoses e metade deles conhecia alguém que morreu nessas crises.

Os números do Sistema Único de Saúde (SUS), no entanto, apontam menos de dois casos de overdose por mês no Estado de São Paulo.

"Uma das razões para essa subnotificação é o fato de a overdose não constar entre os procedimentos reembolsados pelo SUS", diz Mesquita. Os casos por overdose são registrados como "intoxicação exógena", o que resolve o problema do hospital, mas só camufla a real situação do problema.

A pesquisa mostrou que a overdose é confundida com pelo menos outros quatro diagnósticos, o de infarto do miocárdio, de derrame, de surto psicótico e de depressão respiratória grave.

"Se o médico diagnosticasse a causa correta, poderia adotar conduta mais adequada", diz Mesquita.

O estudo também confirma a importância de ensinar cuidados mínimos aos usuários. Dos cerca de 80 entrevistados que sofreram overdose, 58% foram socorridos por outros usuários de droga.

O mais preocupante -diz Mesquita- é que "25% não procuram socorro médico com medo de serem discriminados pela equipe de saúde". E que 50% disseram não procurar ajuda com medo de serem entregues à polícia.

Teoricamente, o medo não se justificaria, pois "acima dos interesses da polícia deve estar o sigilo profissional do médico", diz Marco Segre, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina e professor de bioética da Faculdade de Medicina da USP.

"Antes de tudo, o médico deve ser parceiro de seu cliente." Na prática -ele ressalva-, "diante de uma legislação anacrônica que pune o usuário, nem sempre é assim".

 

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