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17/03/2002 - 05h31

Para OMS, preço do cigarro é "acintoso"

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MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

O preço do cigarro no Brasil é "acintoso". A definição é da brasileira que atingiu o mais alto posto na luta contra o cigarro -Vera Luiza da Costa e Silva, 50, gerente do programa de combate do tabagismo da OMS (Organização Mundial da Saúde), em Genebra.

Pesquisa sobre 88 países, divulgada na última semana, confirma o acinte: o cigarro brasileiro é o sexto mais barato do mundo. São Paulo é uma das dez cidades no mundo, numa lista de 56, em que é mais barato comprar um maço de Marlboro do que um quilo de pão.

Para Vera Luiza, pneumologista com doutorado em saúde pública, o governo brasileiro precisa usar a política econômica, aumentando impostos sobre o cigarro, em benefício da saúde.

De passagem por São Paulo, onde participou de um seminário, ela criticou a visão que associa aumento de impostos ao contrabando. Esse argumento, diz, faz sentido para a indústria, que quer vender cigarros, mas não para aqueles que devem zelar pela saúde.

Folha - A OMS defende que o aumento do preço do cigarro é a medida mais eficaz para reduzir o consumo. Por que o governo brasileiro não segue essa recomendação?
Vera Luiza da Costa e Silva -
Acredito que o governo ainda não tenha se definido politicamente em relação à política de preços para reduzir o consumo dos cigarros. Há o temor de que o aumento vá estimular o contrabando.

Folha - E não estimula?
Vera -
Ao contrário do que a indústria coloca, não há prova, em nenhum país do mundo, de que uma política de preços consiga desestimular ou aumentar o contrabando. Estudos do Banco Mundial mostram que até os países em que há contrabando conseguem reduzir o consumo quando aumentam preços. Controle de contrabando depende do combate à criminalidade. O Brasil precisa aumentar o preço para diminuir o acesso ao cigarro.

Folha - Aumentar para quanto?
Vera -
É difícil dizer porque o preço do cigarro brasileiro é acintoso. Porque é matemático. Quando diminui o preço, aumenta o consumo. Aumentou o consumo, aumenta o adoecimento.

Folha - Não falta coragem para adotar uma medida antipopular?
Vera Luiza -
Acho que falta um amadurecimento político no sentido de a política econômica ser usada em favor da saúde.

Folha - Que avaliação a sra. faz das medidas antifumo adotadas pelo ex-ministro José Serra?
Vera -
O ministro tomou as melhores medidas que poderia ter tomado na área da saúde. O Brasil tem hoje uma legislação de ponta no controle do tabagismo. A colocação do tabaco na Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi extremamente importante.

Folha - Por quê?
Vera -
Porque criou uma instância que pode regulamentar a indústria. Antes, não havia nenhum setor, nenhum ministério que regulamentasse a indústria.

Qualquer coisa era por acordo voluntário. A agência vai colocar a indústria para atender os direitos do consumidor, vai fazê-la diminuir teores de substâncias tóxicas e, num futuro, começar a controlar aditivos, pesticidas e outras substâncias que vão no cigarro.

Folha - A OMS tem alguma avaliação da propaganda de choque?
Vera -
A experiência de outros países mostra que esse tipo de publicidade funciona. Hoje, 30% das pessoas que tentam parar de fumar no Canadá o fazem por causa da publicidade chocante nos maços. A Austrália também teve uma publicidade extremamente chocante, mostrando os vasos sanguíneos, cegueira por causa de cigarro, e funcionou.

Folha - Não seria equivocado chocar o fumante e não oferecer tratamento, como se faz no Brasil?
Vera -
A OMS recomenda que o fumante seja visto como um doente a ser tratado. O Brasil tem um passo muito importante a dar, no sentido de treinar profissionais da saúde para aconselhar e até, eventualmente, usar medicação para tratar o fumante.

Folha - Há quem diga que o tratamento é inviável por ser caro.
Vera -
Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, você não pode ter a pretensão de fornecer tratamento na rede pública pensando em remédio para deixar de fumar. Tem de treinar os profissionais da saúde para fazer aconselhamento. No caso de fumantes que se tratam com medicamentos, você tem um sucesso de 30%. Com aconselhamento, você pode conseguir até 20%. Ou seja, se você conseguir 10% numa população só com medidas mais simplificadas, está dando um passo imenso. No Brasil, seriam 4 milhões de fumantes parando de gastar um tostão com remédio.

Folha - No Brasil, a classe média recorre a tratamentos com antidepressivo e substitutos da nicotina. São os melhores métodos?
Vera -
Parar de fumar é uma decisão complexa. O indivíduo tem de querer parar, e depende de suporte da sociedade. Droga deve ser usada para quem fez uma tentativa e não conseguiu.

Folha - Por que o consumo de cigarro nos países ricos cresce só entre adolescentes e mulheres?
Vera -
O cigarro ainda tem a imagem de libertário, de contestador. Ele se insere como uma cunha separando a vida infantil da vida adulta. As imagens de bem-estar, de sucesso e de sexualidade exploradas pela publicidade são pistas do sucesso entre adolescentes. A sociedade estimula isso. Os médicos vão ter de buscar ajuda de sociólogos e de antropólogos, pessoas que têm uma outra percepção da sociedade, para entender esse fenômeno.

Folha - Pela primeira vez na história, está havendo uma redução no consumo de cigarro em Estados americanos, como a Califórnia, e em países nórdicos. Qual é a consequência dessa queda?
Vera -
Cai rapidamente a mortalidade por infarto e doenças coronarianas. Já a mortalidade por câncer de pulmão demora de 20 a 25 anos para ter uma queda.

Folha - Existe algum país-modelo no combate ao cigarro?
Vera -
A Finlândia. Há 25 anos, uma região iniciou um programa de redução de consumo de tabaco, de gorduras saturadas, de aumento de atividade física e de consumo de alimentos saudáveis. Ocorreu uma queda drástica de mortes por infarto, por acidentes vasculares cerebrais e por câncer de pulmão.

Eles foram muito criativos: deram incentivos fiscais para quem criasse porcos com menos gordura, para quem fizesse margarina com gosto de manteiga. É um programa em que a economia entra em peso. O Brasil tem de começar a pensar assim, eu acho. Tem de decidir se vai investir em cultura do tabaco ou de alimentos saudáveis. Tem de haver uma discussão global de aonde o país quer chegar. Não adianta só a área da saúde levantar bandeiras.

Folha - Há alguma experiência similar no Terceiro Mundo?
Vera -
A África do Sul teve uma queda de consumo acentuada com aumento de preços. A Tailândia fez a mesma coisa. É a saída porque o cigarro consome boa parte do orçamento da saúde.
 

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