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07/04/2002 - 09h00

Área preservada agrava fome no Piauí

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GABRIELA ROMEU
enviada especial ao Piauí

A criação do Parque Nacional Serra das Confusões e a proibição da caça de subsistência estão gerando conflito entre os moradores das comunidades que vivem nos arredores do local, no sudoeste do Piauí, a cerca de 620 km de Teresina. Apesar da importância da preservação ambiental, os moradores reclamam que a proibição da caça dificulta a sobrevivência na caatinga.

Aliada à agricultura e à pecuária de subsistência, a caça de animais como o tatu, o tamanduá-bandeira e a cutia é ainda uma das alternativas econômicas da região.

Após a criação do parque, no final de 1998, a fiscalização contra a caça de espécies silvestres se tornou intensa em Caracol, Guaribas, Santa Luz, Cristino Castro e Jurema, cidades no limite da unidade de conservação -denominação do Ibama para parques e reservas biológicas, entre outros.

"Quando a colheita não rende, a caça ajuda. Ninguém enfrenta cobra e onça na caatinga se não for por necessidade. Se precisar mesmo, o cabra caça", afirma Gregório dos Anjos, 63, que vive em Cajueiro, povoado do município de Guaribas, a 720 km de Teresina.

Guaribas, assim como as outras cidades localizadas no entorno do parque, fica na microrregião de São Raimundo Nonato, que é um bolsão de miséria num dos Estados mais pobres do país.

O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), indicado pela ONU (Organização das Nações Unidas), nessa região ficou em torno de 0,395 em 1991 -os dados serão atualizados neste ano com o novo censo do IBGE. O IDH mede o desenvolvimento de países, regiões e Estados com base na expectativa de vida, no nível educacional e na renda per capita. O índice varia de 0 a 1.

O IDH dessa microrregião está abaixo da média do Piauí no mesmo ano: 0,468.

"Nossa preocupação é que o parque está numa das áreas de maior pobreza do país. É comum pegar gente que caça porque realmente precisa, mas tenho de multar mesmo assim. Algumas pessoas não têm nem documento", diz José Wilmington Paes Landim Ribeiro, chefe do Parque Nacional Serra das Confusões.

Gregório dos Anjos, a exemplo de outros moradores dos povoados de Guaribas, diz que perdeu boa parte das safras de feijão e milho nos primeiros meses deste ano por causa da pouca chuva.

Água do barreiro

Chegar aos povoados ao redor do parque é difícil. A reportagem da Folha visitou Guaribas num veículo do Ibama. A estrada é encravada no meio de serras rochosas da região -a via foi aberta com a picareta. Há ainda estradas de areia no percurso.

Quando o carro do Ibama fez uma parada no povoado Barreiro, onde há pelo menos 19 casas de pau-a-pique (em algumas vivem duas famílias), um grupo de pelo menos 40 pessoas, descalças e maltrapilhas, reuniu-se com a reportagem para reclamar da proibição da caça, da falta de chuva, da ausência do prefeito na região.

O lugarejo recebeu esse nome devido ao local onde os moradores tiram água para beber, cozinhar e tomar banho: um lago barrento. Quando a água falta no local, o que ocorre principalmente entre os meses de junho e novembro, eles caminham seis quilômetros para pegar água num olho-d'água. Não há nenhum poço artesiano ali.

Ivanilson Alison dos Anjos, 12, que mora na casa da tia, Iraci Lopes dos Anjos, 39, busca água para a família. "Essa água é barrenta, mas é limpa. Não há outra para beber", explica o menino, que estuda numa escola onde há um só professor e duas salas de aula.

A tia de Ivanilson diz que "vive da roça". "A gente perdeu quase tudo na colheita deste ano. Então vive como pode, porque não pode caçar, não pode saltar por cima da lei. Antes, um pai de família pegava um bicho no mato para dar o que comer aos filhos. Agora a gente tem que sofrer sem nem poder comer um passarinho", fala.

Apesar da pouca colheita no início do ano e da ausência de alternativas econômicas auto-sustentáveis, a maioria dos moradores diz que segue a lei de proibição de caça. "A lei fala para a gente não matar, mas eu nem sei direito o motivo", diz Marcelo Pereira dos Santos, 20. As autuações giram em torno de R$ 500 por animal apreendido. Mas, se o bicho caçado estiver em extinção, como é o caso do tamanduá-bandeira, o caçador tem de pagar um acréscimo de R$ 3.000 a R$ 5.000 por espécie.

Social x ambiental

Há especialistas que questionam a forma como os parques são criados. "De que adianta criar um parque onde há uma forte pressão humana sobre o ambiente inserido num bolsão de miséria? É preciso oferecer antes alternativas de auto-sustentabilidade para essas comunidades", diz Adriana Ramos, 34, coordenadora do Programa Brasil Socioambiental do ISA (Instituto Socioambiental).

"Depois de criado o parque, a presença humana na área acaba virando um problema para a preservação do ambiente. Mas as pessoas já existiam ali havia muito tempo", diz Adriana.

A lei nº 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), propõe que comunidades que vivem em áreas importantes para a preservação sejam ouvidas antes que o local vire parque nacional.

Segundo Pedro Eymard Camelo Melo, 41, coordenador-geral de unidades de conservação do Ibama, o órgão tem procurado trabalhar com a população do entorno pelo menos depois da criação dos parques, para amenizar os impactos sociais. "A criação do parque não piora em nada a qualidade de vida das pessoas, e a caça é proibida no país todo", diz Melo.

Eugênia Vitória de Medeiros, 45, gerente-executiva substituta do Ibama-PI, diz que o problema da caça na região é não só socioeconômico mas também cultural. "Historicamente o hábito das pessoas da caatinga é comer animais silvestres, apesar de haver a pecuária de caprinos."

De acordo com Eugênia, o ecoturismo, assim como outras alternativas econômicas que não degradem o ambiente, deverá trazer benefícios para as comunidades que vivem no entorno. "Mas isso é algo a longo prazo", diz.

É nisso que acredita Demirval Gonçalves da Trindade, 44, que vive com a mulher e nove filhos em Capim, outro povoado do município de Guaribas. Ele acha que o turismo no parque deve trazer desenvolvimento à região.

"Mas, por enquanto, ainda está difícil. De primeiro, a gente caçava tatu e cutia. Tinha sempre uma ajudinha dos bichos do mato."
 

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