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15/04/2002 - 04h42

SP cria prisão especial para crimes sexuais

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CHICO DE GOIS
da Folha de S.Paulo, em Osvaldo Cruz

Roberto aparenta tranquilidade. Com mais de 100 kg, distribuídos por 1m80, gestos tímidos, sorriso meio envergonhado, este mecânico de 35 anos, casado, pai de três filhas, conta o tempo como quem conta os dias que lhe restam de vida no inferno.

Ele sabe de cor datas e cada uma tem um significado especial: setembro de 1995 (comarca de Suzano), outubro de 1996 (conversão à Assembléia de Deus), fevereiro de 2002 (mudança para Osvaldo Cruz), março de 2003 (liberdade).

Roberto é um dos novos moradores da rodovia Comandante João Ribeiro de Barros, km 572,5, em Osvaldo Cruz (662 quilômetros a noroeste de São Paulo). O que o torna diferente da maioria da população e igual a seus 807 vizinhos é o crime que cometeu: Roberto é um estuprador.

Em Osvaldo Cruz, onde Roberto mora atualmente, o presídio, inaugurado em 11 de março, abriga apenas detentos que cometeram crimes sexuais. É o segundo no Estado exclusivo para esses infratores. O outro foi inaugurado em 2000 e localiza-se em Itaí (301 quilômetros, região oeste), onde estão 925 presidiários.

A separação de presos por tipo de crimes faz parte de uma nova filosofia implementada pelo secretário Nagashi Furukawa desde dezembro passado.

Das 11 novas penitenciárias inauguradas desde então, há presídios específicos para terceira idade, crimes contra o patrimônio, homicídios cujos condenados sejam primários e infrações sem violência.

Estatísticas
Considerado crime hediondo, o estupro teve a maior redução em incidência no Estado de São Paulo nos últimos seis anos.

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, o ano passado registrou o menor número de casos de estupros no Estado desde 1996, quando começaram a ser divulgadas as estatísticas por tipo de crime. Naquele ano, foram registrados 4.084 casos de estupro. Em 2001, foram 3.870 notificações -redução de 5,2%.

Nesse período, a polícia recebeu 24.109 denúncias de estupro e computou 3.244 casos de latrocínio, quando o assaltante mata para roubar.

O número de notificações do crime sexual, porém, pode não refletir a dimensão do problema porque, muitas vezes, as vítimas não prestam queixa na delegacia por vergonha ou medo.

Nas cadeias comuns, o estuprador é a escória de uma sociedade com regras mais rígidas que as do mundo sem grades. Estuprador não pode trabalhar na cozinha, não faz parte de nenhuma associação de presos, não tem direito a opinião entre os detentos e, quando há motim, estão no topo da lista dos executáveis.

A ética das cadeias perdoa assassinos e traficantes, mas o estuprador não merece compaixão nem perdão dos colegas. Ao contrário, o espancamento, o sadismo e a humilhação são práticas comuns contra esses detentos.

Se no mundo prisional o estuprador é o criminoso mais punido, no âmbito da Justiça, o estupro é o tipo de crime cuja prova é a mais difícil de obter e a mais fácil de se cometer injustiça. Isso porque, na maioria das vezes, a prova é a palavra da vítima.

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB, João José Sady, lembra de um cliente seu que foi acusado pela ex-mulher de ter abusado dos dois filhos e acabou preso por isso. Os filhos, na época, confirmaram as denúncias da mãe.

Depois de ser preso e condenado, e de sofrer humilhações na prisão, descobriu-se que as acusações eram inverídicas. A mãe, que não aceitava a separação, acusou o marido como uma maneira de se vingar. Os filhos depois confessaram que foram obrigados, pela mãe, a mentir.


No ano passado, a Folha noticiou o caso de Alexandre de Oliveira, 23, que foi espancado até confessar que havia estuprado a própria filha, de 1 ano e 7 meses de idade. Mais tarde confirmou-se que a criança nunca sofrera abuso. Ela tinha um sangramento na região genital causado por um tumor de 8 centímetros.

Isolado em seu novo meio, o estuprador só não é abandonado pela família, incluindo mãe, irmãs e esposas. Diariamente, em Osvaldo Cruz, um funcionário recolhe as correspondências que os presos escrevem e distribui as que chegam aos moradores do presídio.

Às vezes são pacotes com material de higiene pessoal ou até mesmo alimentos não perecíveis.

A distância e o tipo de crime não impedem que a família continue unida. A mulher e as filhas de Roberto (14, 13 e 12 anos), por exemplo, moram em Suzano e sempre o visitam. Quando não podem, as cartas servem para lhe dar ânimo e contar o dia-a-dia da família.

Roberto diz que ama sua mulher, que se arrependeu do que fez, e que ela o perdoou. Não gosta de falar sobre o crime que cometeu. A vítima perdeu-se em sua memória, embora, para quem sofreu o estupro, essa violência dificilmente se apagará de sua vida.



 

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