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28/04/2002 - 02h33

Homicídios "somem" de estatística oficial da violência

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ROGÉRIO PAGNAN
da Folha de S.Paulo

Os números de homicídios dolosos de pelo menos 11 cidades do interior de São Paulo -base para a produção das estatísticas sobre violência- estão errados. Levantamento da Folha encontrou 37 ocorrências de assassinatos de 1999 e 2000 que não existem nas contas do governo do Estado.

Desses crimes, pelo menos 30 foram omitidos pela Secretaria de Estado da Segurança Pública, segundo delegados do interior. Registrados desde a origem como homicídios dolosos, foram enviados pela Polícia Civil do interior para São Paulo, onde os dados são totalizados.

Outras cinco ocorrências não foram registradas nos respectivos municípios como homicídios dolosos por falha das polícias locais. Os dois casos restantes constam apenas das estatísticas das delegacias do interior, mas nem polícia nem Estado sabem explicar onde ocorreu o erro.

Em resumo, os registros dos 37 assassinatos não foram publicados no "Diário Oficial" do Estado nem estão computados no site da Segurança Pública -fonte oficial sobre os índices de violência.

Responsabilidade
O Estado culpa os delegados do interior, que não teriam enviado os dados para São Paulo, e as polícias locais responsabilizam o governo. "Não sei o que ocorreu lá [em São Paulo] para ter essa discrepância. Nós mandamos o número correto", afirmou o diretor do Deinter 3 (Departamento de Polícia Judiciária do Interior), Luiz Roberto Ramada Spadafora.

Ele responde pelos dados de quatro cidades, incluindo Ribeirão Preto, local onde ocorreram 24 mortes não contabilizadas no balanço final do Estado.

O levantamento da Folha foi feito em 87 cidades do interior, de quatro diferentes regiões. Em 11 delas (12,6% dos municípios da amostra), na maioria com populações oscilando entre 2.000 e 100 mil habitantes, houve diferença -sempre para menos- entre os dados divulgados pelo Estado e os registrados na origem.

Para o governo, foram 923 homicídios dolosos nessas cidades, mas a Polícia Civil do interior confirma a existência de 960 -uma diferença de 4%. Se há erro em 11 cidades, pode haver mais em outras, segundo especialistas.

Transparência
A divulgação de dados de violência é uma obrigação do Estado, segundo a lei 9.155, de 15 de maio de 1995. As estatísticas servem também para definir verbas e estratégias para o policiamento.

"O [Marco Vinicio] Petrelluzzi não conseguia conter a criminalidade e, por isso, segurava os números. O Saulo [de Castro Abreu Filho, atual secretário da Segurança Pública] está no mesmo caminho", afirmou José Peres Netto, pesquisador do Instituto Fernand Braudel, referindo-se ao antecessor de Abreu Filho no cargo.

Peres Netto trabalhou na Segurança Pública como responsável pelas estatísticas entre 1983 e 99. Saiu justamente quando Petrelluzzi assumiu a pasta.

No ano passado, a Associação dos Delegados do Estado de São Paulo denunciou uma suposta "maquiagem" nas estatísticas oficiais sobre violência. A entidade acusou o Estado de orientar delegados a registrar homicídios dolosos com outras denominações (como "encontro de cadáver" e "morte a esclarecer"). Na época, o governo garantiu que seus dados eram corretos e que não existia a suposta manobra.

O levantamento da Folha indica que talvez a queda da criminalidade anunciada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) -que deve concorrer à reeleição neste ano- não seja tão acentuada.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Segurança Pública negou que haja maquiagem. O Palácio dos Bandeirantes foi procurado na última semana, mas pediu para a reportagem falar com a secretaria.

Sobre as declarações dos delegados, a assessoria afirmou que nada iria comentar. Mônica Espósito de Moares Almeida Ribeiro, titular da Coordenadoria de Análise de Planejamento (CAP), setor responsável pelas estatísticas de violência no Estado, disse que não estava autorizada a dar entrevista.

Maquiagem
Todos os delegados ouvidos pela Folha negaram ter recebido instruções para maquiar estatísticas. "Naquela época [1999], não tinha motivos para esconder", disse Luiz Carlos da Silva, delegado da Seccional de Franca.

Ele respondeu à pergunta da reportagem sobre a ausência de um crime ocorrido em Aramina, em 99, nas estatísticas do Estado. Depois, questionado se hoje há motivo para maquiagem, ele desconversou. "Se existe essa determinação [para esconder homicídios], ela não chegou a Franca."

Em Ribeirão Preto ocorre a maior diferença entre os dados. A delegacia local diz ter enviado à Secretaria da Segurança Pública, em 99, 214 ocorrências de homicídios dolosos. Segundo o governo, no entanto, foram 198. No ano seguinte, foram registrados 226 casos, mas o governo fala em 218.

Nos dois anos, a polícia local conta 440 ocorrências de homicídios dolosos, mas o Estado considera apenas 416 -24 a menos (uma diferença de 5,45%).

Sobre os dados de 2000, a Delegacia Seccional mandou primeiramente 223 ocorrências. Dias depois, confirmou outros três casos e enviou um adendo que jamais foi aceito pelo Estado.

Silêncio
Só na semana passada, segundo a Folha apurou, a Segurança Pública informou ao delegado-seccional José Manoel de Oliveira que não aceitaria mais adendos aos dados enviados, como se os três assassinatos daquele ano nunca tivessem existido. A secretaria procurou o delegado após ser questionada pela reportagem.

A Folha apurou também que, após confirmar na Seccional que seus dados sobre Ribeirão estavam errados, a Segurança Pública proibiu que funcionários da delegacia divulgassem números de criminalidade à imprensa. Oliveira não quis falar sobre o assunto com a reportagem.

Em Campinas, a Delegacia Seccional informou que o total de homicídios dolosos em 2000 foi 488, três a mais do que o registrado pelo Estado. "Quem tem de responder pela diferença é a Segurança Pública", afirmou o delegado-seccional da cidade, Miguel Voigt Júnior, que disse ter confirmado, com seus funcionários, que foi enviado para São Paulo o dado de 488 ocorrências.

Erro confirmado
Na região sudoeste de São Paulo, fronteira com o Paraná, o Estado também ignorou o único homicídio de 2000 ocorrido em Barão de Antonina. Conforme a polícia, a dona-de-casa Eliane Victor, 17, grávida de nove meses, foi morta com um tiro na nuca pelo marido, Nedimárcio Silva Antônio Fernando.

A polícia local registrou o caso desde o início como homicídio doloso, e assim o dado foi enviado para a CAP, afirmou o delegado Jorge Cardoso de Oliveira, de Avaré, responsável por Barão de Antonina. A assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública confirmou o erro.

O "esquecimento" chocou a família de Eliane. "O governo só lembra do pobre nas eleições. Passou a hora do voto, esquece da gente", lamentou Aparecido Victor, 50, pai da vítima.


Colaboraram JOEL SILVA, free-lance para a Folha Ribeirão


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