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28/04/2002 - 02h35

Estatísticas do Estado ignora tiros, facadas e pauladas

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ROGÉRIO PAGNAN
da Folha de S.Paulo

As histórias das vítimas da violência "esquecidas" pelas estatísticas oficiais não diferem em nada dos "incluídos" na contagem do Estado. Os motivos torpes também estão entre as causas desses homicídios e provocam inconformismo nos familiares dos mortos.

Esse é o caso, por exemplo, da família de Eliane Victor, de Barão de Antonina (364 km de São Paulo), região de Sorocaba. Morta aos 17 anos em 8 de março de 2000, Eliane estava grávida de nove meses. Levou um tiro na nuca disparado, conforme a polícia, pelo próprio marido, Nedimárcio Silva Antônio Fernando, 21.

O crime ainda causa traumas à família. "Ainda escuto a Eliane chegar em casa e me chamar: 'Cadê a minha mãe?'", conta Ana Isabel Euzébio Victor, 45, mãe da vítima. Para ela, o motivo do crime foi o ciúme sentido por Fernando.

"Ele era muito ciumento. Dizia que o filho [que a Eliane esperava] não era dele, batia na minha filha e falava que iria matá-la. Nunca pensei que tivesse coragem."

Ainda segundo ela, o acusado tentou se esconder quando a polícia chegou ao local do crime, mas foi encontrado e preso em flagrante. Desde o primeiro instante, o crime foi registrado como homicídio doloso na delegacia.

Em seus depoimentos à polícia, Fernando afirmou que o tiro foi acidental. "Eu não acredito nisso. Ela estava deitada na cama quando a encontraram", diz a mãe.

"Ele chegou do Carnaval às 3h30 e os dois discutiram. Depois, ouvi o disparo. À polícia, ele disse que mexia no tambor do revólver. Mas a arma não dispara com o tambor aberto", diz Maria Antônia Barreto de Souza, vizinha da família. Fernando aguarda o julgamento em liberdade.

Caso semelhante ocorreu no dia 28 de junho de 1999, em Aramina (439 km de São Paulo), região de Franca, onde a também dona-de-casa Aparecida Reis dos Santos, 43, foi morta a pauladas pelo marido, Aparecido Norberto dos Santos, 42, segundo a polícia, que o prendeu no mesmo dia.

Duas filhas do casal, uma de seis e outra de oito anos, presenciaram o crime e ainda foram obrigadas pelo pai a lavar o sangue que escorria do corpo da mãe. "Elas ficaram traumatizadas e foram submetidas a tratamento psicológico", declara Marília Estela Norberto, 21, uma das filhas mais velhas da vítima.

Após o crime, Santos levou o corpo de Aparecida para um hospital de Igarapava, segundo a polícia e a família. Lá, tentou explicar que sua mulher havia caído no chão da cozinha. Os médicos desconfiaram e chamaram a polícia. Ele acabou preso no local sob acusação de homicídio doloso.

Apesar de o crime ter ocorrido em Aramina, ele não existe para as estatísticas do Estado. A polícia da região de Franca reconhece o erro e diz que o assassinato foi computado em Igarapava.

Essa versão, entretanto, é estranha até para outros delegados ouvidos pela Folha. No próprio boletim de ocorrência ao qual a reportagem teve acesso, consta que o local do crime foi em Aramina.

Em Cordeirópolis (162 km de São Paulo), região de Araras, houve dois homicídios dolosos em 2000, segundo a Polícia Civil local. Só que a Secretaria da Segurança Pública registra apenas um.

No dia 9 de dezembro, o auxiliar de tacografia Pedro Machado Lira, 23, foi morto com 17 facadas. Natural de Chapadinha (MA), naquele dia Pedro, diz sua família, comemorava seu primeiro salário (R$ 400) na cidade, onde chegara havia seis meses, e tinha saído para tomar uma cerveja.

"Posso viver mais 200 anos, aconteça o que acontecer, mas eu nunca vou me esquecer daquele dia, o mais triste de toda a minha vida", diz o ceramista Raimundo Nonato Machado Lira, 26, um dos 15 irmãos de Pedro.

Raimundo afirma que o crime traumatizou a família. "Minha mãe não consegue mais dormir. Diz que todos os dias lembra do filho e que a vida dela não vale nada. É triste você ouvir isso de uma mãe", afirma ele, em pranto.

Horas depois do crime, a polícia prendeu o auxiliar de serviços gerais Juarez Lopes Maurício, que confessou a autoria do crime. "Os policiais disseram que ele confessou o crime rindo. Disse que não gostava de maranhense e mataria à moda mineira, cortando o pescoço. E cortou", diz o irmão. Maurício já havia sido condenado pelo mesmo tipo de crime.

Mesmo com a elaboração do boletim de ocorrência registrado como homicídio doloso desde o início, esse crime pode não ter ocorrido para o Estado. "Acho isso uma falta de respeito muito grande, com o ser humano e com uma comunidade", afirma o irmão da vítima.

O outro homicídio ocorrido naquele ano em Cordeirópolis teve como vítima o andarilho Faustino Pereira Godinho, 48, morto com pancadas na cabeça no dia 21 de julho. A Folha esteve na cidade no último dia 16 e tirou cópia do boletim de ocorrência registrado como homicídio doloso.

O corpo de Godinho foi enterrado no dia 29 de setembro do mesmo ano como indigente, já que não apareceu nenhum familiar seu na cidade.

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