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05/05/2002 - 10h16

Justiça favorece bígamo na divisão de bens

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ROBERTO COSSO
da Folha de S.Paulo

Manter relacionamento com duas ou mais mulheres livra o homem do pagamento de pensão alimentícia e da divisão de seus bens, segundo entendimento quase unânime dos tribunais.

A partir da Constituição de 1988, a união estável passou a produzir os efeitos do casamento. O companheiro com melhores possibilidades financeiras passou a ser obrigado a pagar pensão alimentícia para o outro com necessidades -como ocorre após o término do casamento.

Além disso, os bens comprados durante a união estável passaram a ser considerados como pertencentes ao homem e à mulher, mesmo que adquiridos e pagos por apenas um deles. E, quando as uniões estáveis chegam ao fim, a Justiça divide esses bens.

Ocorre, porém, que os casamentos são registrados em cartório, e ninguém pode se casar com duas pessoas, sob pena de o segundo casamento ser considerado nulo e não produzir efeitos.

Apesar de serem consideradas 'casamentos informais', uniões estáveis não estão sujeitas a nenhum tipo de registro. Assim, nada impede que uma pessoa tenha mais de um relacionamento fixo.

O Judiciário, porém, não reconhece a existência de união estável quando um dos companheiros tem relacionamento fixo com mais de uma pessoa. Nesses casos, geralmente não ocorre a exigência do pagamento de pensão ou da divisão dos bens.

Com o compromisso de não revelar os nomes das pessoas envolvidas, a Folha teve acesso a diversos processos, sob segredo de Justiça, nos quais foram discutidas a divisão dos bens de homens com dois relacionamentos fixos concomitantes. Todos eles eram divorciados ou viúvos e tinham mais de 35 anos.

Em todos os casos, as ex-companheiras alegavam ter vivido em regime de união estável com o homem e pediam a divisão dos bens adquiridos por ele durante o relacionamento, mais o pagamento de pensão alimentícia.

Além de serem surpreendidas pela existência de um relacionamento paralelo de seus ex-companheiros, as mulheres não conseguiram o reconhecimento judicial da união estável e, por consequência, não obtiveram a divisão dos bens do ex-companheiro nem o pagamento de pensão.

Em um dos casos, o homem tinha um relacionamento de oito anos com uma mulher, com a qual teve dois filhos, e outro relacionamento de seis anos com uma segunda companheira. Depois de ele ter terminado a relação com a segunda mulher, com a qual não teve filhos, ela ingressou na Justiça e pediu a divisão dos bens.

Em sua defesa, o homem alegou que não vivia em regime de união estável com a mulher que o processava porque, na verdade, vivia com outra, a mãe de seus filhos.

Desapontada pela infidelidade do companheiro, ela pôs fim ao relacionamento e também pediu a divisão dos bens e o pagamento de pensão alimentícia. A decisão do juiz não reconheceu a união estável em nenhum dos casos e, portanto, negou a partilha dos bens.

Existe apenas uma decisão que reconheceu a existência de duas uniões estáveis concomitantes. Ela foi proferida pela Justiça do Rio Grande do Sul, tida como a mais progressista do país, e sofre críticas em vários Estados.

Nesse caso, o homem tinha casas em duas cidades próximas e morava com uma mulher diferente em cada local. Ele também tinha um imóvel de lazer distinto para levar cada mulher.

O juiz determinou a divisão dos bens que o homem tinha em cada cidade com a mulher que ele tinha em cada uma delas. Mesmo nesse caso, o homem perdeu apenas metade de seus bens -o mesmo que perderia se tivesse apenas uma mulher.

Especialistas

'Não podem existir duas uniões estáveis ao mesmo tempo porque a entidade familiar, em nosso país, tem base monogâmica. Se não podem existir dois casamentos concomitantes, é evidente que não podem ser atribuídos efeitos jurídicos a duas uniões estáveis que existam concomitantemente', afirma a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, doutora em direito civil pela USP professora da Universidade Mackenzie.

Ela ressalta, porém, que um dos relacionamentos fixos pode ser considerado 'verdadeira entidade familiar' e gera efeitos jurídicos, sem que a outra união configure uma família. 'Assim como no casamento, em que não devem ser atribuídos efeitos às relações adulterinas, a relação que concorre com a entidade familiar formada pela união estável não tem efeito jurídico', diz Regina Beatriz.

'A união estável pressupõe a intenção de constituir família. Não pode haver intenção de constituir família se um dos companheiros mantiver dois relacionamentos fixos, pois a lei brasileira não aceita a bigamia', diz a advogada Maria Hebe Pereira de Queiroz, especialista em direito de família.

Segundo ela, existe a possibilidade de um dos relacionamentos ser reconhecido como união estável, principalmente se houver filhos. 'Mesmo que o homem tenha dois relacionamentos fixos, em alguns casos, a mulher consegue obter a partilha dos bens quando prova que contribuiu para a compra deles.'

A professora Flávia Piovesan, doutora em direito constitucional pela PUC-SP, diz que a finalidade da lei que estabelece a união estável é atribuir responsabilidades nos relacionamentos informais. Para ela, os juízes 'não operam pedagogicamente' ao não reconhecerem o direito à pensão de duas mulheres que tenham união estável com o mesmo homem.

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