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02/07/2002
-
10h07
SÍLVIA CORRÊA
da Folha de S.Paulo
Falta asfalto, esgoto, emprego e segurança. Faltam escolas e áreas de lazer. É assim a vida no Jardim Irene, pequeno bairro da periferia paulistana internacionalizado no último domingo em letras tortas no peito do jogador Cafu. "100% Jardim Irene" escreveu o capitão da seleção em sua camiseta antes de erguer a taça do penta.
Nas vielas estreitas, porém, nada é 100% no Irene -bairro encravado no Capão Redondo, um dos distritos mais pobres e violentos da capital paulista.
No Capão, a renda média dos chefes de família -incluídos na conta, claro, apenas os que ainda têm renda- é de R$ 711 por mês, o que faz a região ser a terceira em número de atendidos pelos programas sociais da prefeitura. Ganha-se por lá o equivalente a poucos mais de 10% da renda média mensal no Morumbi -R$ 6.500.
No ano passado, a cada grupo de 100 mil habitantes do Capão, 76,74 foram assassinados -a maior causa de morte no distrito.
"Tem homicídio e roubo, mas aqui o problema mesmo é o tráfico", diz o soldado Roberto Venceslau, 38, 15 deles na Polícia Militar. O soldado Venceslau conheceu o pai de Cafu há 12 anos, quando seu Célio, 59, ainda era pintor de carros da Administração Regional do Campo Limpo.
Naquela época, dizem os moradores, ainda era possível ficar na rua até de madrugada.
"Hoje, os traficantes nos respeitam, mas a gente tem medo de briga de gangue, de estupro, de bala perdida", diz Maria Roseli da Silva, 14, pernambucana que largou os estudos na 6ª série.
Maria é a típica moradora do Capão. Como ela, 68% dos chefes de família são migrantes nordestinos, e 63% dos moradores têm, no máximo, sete anos de estudo.
"Aqui, viu tijolo quebrado é a senha. Eles escondem a droga nos buracos", completa o policial.
E tijolo não falta. A paisagem no Jardim Irene é naquele tom amarronzado-puxadinho. Tudo por lá é autoconstruído. Muitas dessas construções foram erguidas em áreas públicas e, como invasões, só têm luz de gambiarra e vivem sem coleta de esgoto.
O esgoto, aliás, empresta ao Jardim Irene um odor peculiar. Seu principal destino é o córrego Pirajussara, onde Cafu nadava quando era criança. Hoje, canalizá-lo é uma prioridade da prefeitura.
Mas enquanto isso não acontece, a viela sem asfalto -e muito mato- que margeia o córrego é conhecida como rua da Bosta. Motivos óbvios. Da rua da Bosta, o visitante deve cruzar uma ponte para chegar ao outro lado. Já estará em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Lá fica o campo de várzea onde Cafu namorava Regina e dava os primeiros arranques.
"Meu pai achava que isso não dava futuro. Escondia as chuteiras da gente", diz Maurício, 34, um dos cinco irmãos de Cafu.
No Irene dizem que Maurício jogava melhor que o capitão da seleção. Mas ele é o segundo filho mais velho e, para sustentar os irmãos, teve de largar a bola. Virou cobrador de ônibus, motorista da prefeitura, montador de TV.
"Até o ano passado, cada um seguiu seu caminho", afirma. Em 2001, Maurício e Marcelo, 36, irmão mais velho do jogador, passaram a dirigir a Fundação Cafu, um projeto a ser instalado em uma praça abandonada do Irene -de onde a família mudou-se em 1994. Esperam que a prefeitura ceda o terreno para um espaço de lazer, esporte e reforço cultural. As obras, diz a prefeitura, devem ser autorizadas até agosto.
"É isso o que falta aqui. Não tem nada para fazer", diz Adaílton Lima, 18, que -como Cafu- largou os estudos no 2º ano do ensino médio e ontem à tarde fazia nada na praça abandonada. O lazer do rapaz é o parque Ibirapuera, do qual ele está separado por duas viagens de ônibus.
Ninguém sabe ao certo quais são os limites e qual é a população do Irene, pois bairros não têm demarcação geográfica. Mas é certo que os milhares que lá vivem não têm escola nem creches. E, no distrito -o Capão-, não há hospital, shopping nem cinema.
"Foi por isso que a gente ficou feliz [com a homenagem de Cafu". Porque o Irene vive esquecido, mas ele lembrou da gente lá no fim do mundo", diz a camareira desempregada Marilene Alexandre, 39, moradora da rua da Terra Portucalense, exatamente em frente à casa de quatro cômodos que a família de Cafu pôs a venda por R$ 60 mil.
Para quem mora no Irene, o fim do mundo é no Japão. Para quem percorre os 35 km que separam o bairro da zona sul do centro de São Paulo, a impressão é outra.
Nada é 100% nas ruas do Jardim Irene, terra de Cafu
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Falta asfalto, esgoto, emprego e segurança. Faltam escolas e áreas de lazer. É assim a vida no Jardim Irene, pequeno bairro da periferia paulistana internacionalizado no último domingo em letras tortas no peito do jogador Cafu. "100% Jardim Irene" escreveu o capitão da seleção em sua camiseta antes de erguer a taça do penta.
Nas vielas estreitas, porém, nada é 100% no Irene -bairro encravado no Capão Redondo, um dos distritos mais pobres e violentos da capital paulista.
No Capão, a renda média dos chefes de família -incluídos na conta, claro, apenas os que ainda têm renda- é de R$ 711 por mês, o que faz a região ser a terceira em número de atendidos pelos programas sociais da prefeitura. Ganha-se por lá o equivalente a poucos mais de 10% da renda média mensal no Morumbi -R$ 6.500.
No ano passado, a cada grupo de 100 mil habitantes do Capão, 76,74 foram assassinados -a maior causa de morte no distrito.
"Tem homicídio e roubo, mas aqui o problema mesmo é o tráfico", diz o soldado Roberto Venceslau, 38, 15 deles na Polícia Militar. O soldado Venceslau conheceu o pai de Cafu há 12 anos, quando seu Célio, 59, ainda era pintor de carros da Administração Regional do Campo Limpo.
Naquela época, dizem os moradores, ainda era possível ficar na rua até de madrugada.
"Hoje, os traficantes nos respeitam, mas a gente tem medo de briga de gangue, de estupro, de bala perdida", diz Maria Roseli da Silva, 14, pernambucana que largou os estudos na 6ª série.
Maria é a típica moradora do Capão. Como ela, 68% dos chefes de família são migrantes nordestinos, e 63% dos moradores têm, no máximo, sete anos de estudo.
"Aqui, viu tijolo quebrado é a senha. Eles escondem a droga nos buracos", completa o policial.
E tijolo não falta. A paisagem no Jardim Irene é naquele tom amarronzado-puxadinho. Tudo por lá é autoconstruído. Muitas dessas construções foram erguidas em áreas públicas e, como invasões, só têm luz de gambiarra e vivem sem coleta de esgoto.
O esgoto, aliás, empresta ao Jardim Irene um odor peculiar. Seu principal destino é o córrego Pirajussara, onde Cafu nadava quando era criança. Hoje, canalizá-lo é uma prioridade da prefeitura.
Mas enquanto isso não acontece, a viela sem asfalto -e muito mato- que margeia o córrego é conhecida como rua da Bosta. Motivos óbvios. Da rua da Bosta, o visitante deve cruzar uma ponte para chegar ao outro lado. Já estará em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Lá fica o campo de várzea onde Cafu namorava Regina e dava os primeiros arranques.
"Meu pai achava que isso não dava futuro. Escondia as chuteiras da gente", diz Maurício, 34, um dos cinco irmãos de Cafu.
No Irene dizem que Maurício jogava melhor que o capitão da seleção. Mas ele é o segundo filho mais velho e, para sustentar os irmãos, teve de largar a bola. Virou cobrador de ônibus, motorista da prefeitura, montador de TV.
"Até o ano passado, cada um seguiu seu caminho", afirma. Em 2001, Maurício e Marcelo, 36, irmão mais velho do jogador, passaram a dirigir a Fundação Cafu, um projeto a ser instalado em uma praça abandonada do Irene -de onde a família mudou-se em 1994. Esperam que a prefeitura ceda o terreno para um espaço de lazer, esporte e reforço cultural. As obras, diz a prefeitura, devem ser autorizadas até agosto.
"É isso o que falta aqui. Não tem nada para fazer", diz Adaílton Lima, 18, que -como Cafu- largou os estudos no 2º ano do ensino médio e ontem à tarde fazia nada na praça abandonada. O lazer do rapaz é o parque Ibirapuera, do qual ele está separado por duas viagens de ônibus.
Ninguém sabe ao certo quais são os limites e qual é a população do Irene, pois bairros não têm demarcação geográfica. Mas é certo que os milhares que lá vivem não têm escola nem creches. E, no distrito -o Capão-, não há hospital, shopping nem cinema.
"Foi por isso que a gente ficou feliz [com a homenagem de Cafu". Porque o Irene vive esquecido, mas ele lembrou da gente lá no fim do mundo", diz a camareira desempregada Marilene Alexandre, 39, moradora da rua da Terra Portucalense, exatamente em frente à casa de quatro cômodos que a família de Cafu pôs a venda por R$ 60 mil.
Para quem mora no Irene, o fim do mundo é no Japão. Para quem percorre os 35 km que separam o bairro da zona sul do centro de São Paulo, a impressão é outra.
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