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Crise corta até 50% das verbas no terceiro setor, afirma associação de líderes sociais
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CÁSSIO AOQUI
PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
da Folha de S.Paulo, no Rio
"A crise agora é desculpa para tudo.'' Sem rodeios, Adair Meira, presidente da Associação Internacional de Empreendedores Sociais (que reúne líderes das organizações de apoio a entidades com foco social --Ashoka, Avina, Fundação Schwab e Skoll) e diretor da Fundação Pró-Cerrado, ressalta que, "'além do terror na área de responsabilidade social corporativa'', as organizações que dependem de repasse de patrocínios e recursos já sentiram uma retração de 30% a 50% nas verbas. Nas mais consolidadas, no entanto, "'a crise é bem menos sentida''.
Luiz Carlos Merege, professor-titular da Fundacao Getúlio Vargas e especialistas em terceiro setor, confirma a retração nas doações e nos financiamentos de projetos e prevê um impacto imediato no crescimento do setor, que, segundo o último levantamento do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), contabilizava 276 mil entidades.
"Haverá uma consolidação das iniciativas já existentes em vez da criação de novas entidades no ritmo até agora testemunhado", avalia Jacques Marcovitch, professor-titular da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) e ex-reitor da Universidade de São Paulo. Para ele, a crise se refletirá mais nos países onde ocorreram as maiores perdas no valor dos ativos, como nos Estados Unidos e no Reino Unido. "Neles, grande parte das entidades do terceiro setor está enfrentando uma visível contração nas suas fontes de recursos."
Empresários e governantes ouvidos pela Folha no Fórum Econômico da América Latina afirmam no entanto que, mesmo com menos rentabilidade, as empresas não cortarão recursos destinados a projetos de responsabilidade social corporativa nem para o terceiro setor.
Segundo Sergio Fogel, diretor da Odebrecht, "não haverá nenhuma mudança" no repasse de recursos. "Já eram em atuações estruturantes e de longo prazo." O orçamento da fundação, segundo ele, aumentou em 20% neste ano, chegando a R$ 20 milhões. Hoje, no Brasil, um quinto é investido em programas para jovens no Baixo Sul da Bahia, onde foram criadas cadeias de produção que tornaram as comunidades autossustentáveis. "Queremos formar líderes de um amanhã diferente."
"Já está muito claro que essa crise tem problemas ligados a valores, a éticas, a práticas que foram se espraiando. Agora é o momento de o terceiro setor olhar seus valores, sua ética, suas práticas. O que está acontecendo na prática é que não há uma real relação de confiança e parceria dos atores governamentais, de empresas e de ONGs, e o resultado é uma burocracia interminável."
Michel Levy, presidente da Microsoft Brasil, diz que a disponibilidade de recursos está, sim, relacionada aos resultados da empresa, mas que deve mantê-la no mesmo nível. Nos últimos seis anos, afirma, a empresa investiu R$ 103,4 milhões nas iniciativas de cidadania corporativa, R$ 18,4 milhões dos quais em 2008. "Ainda não podemos fazer uma projeção para 2009 porque o ano fiscal da empresa termina em junho."
"Todas as áreas passaram por readequação dos orçamentos, e a área de cidadania não foi diferente. Porém os projetos já em andamento não sofreram qualquer prejuízo, pois, além de terem recebido os investimentos previstos, pela própria característica do investimento social da Microsoft, eles adquirem, majoritariamente, perfil autossustentável. Além disso, as doações e repasses de recursos para ONGs, por exemplo, são concentradas no início do ano fiscal da empresa [julho-setembro], por isso não houve impacto nesse aspecto."
Para o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli de Azevedo, o ajuste no marketing das empresas vai existir. "É um recurso que tem pouco resultado econômico no curto prazo. Vai se contrair, assim como os recursos ligados à lucratividade". Contudo, pondera: "A responsabilidade social, o papel da cidadania empresarial, que é o fato de a sustentabilidade da empresa exigir que ela seja bem relacionada à sociedade, vai se manter, porque não é uma ação mercadológica, e sim de sustentabilidade".
Uma das maiores fontes de recurso para organizações que atuam no terceiro setor, a Petrobras tem hoje, segundo Gabrielli, R$ 1,3 bilhão alocado para seu principal programa de responsabilidade social, o Petrobras Desenvolvimento e Cidadania. "O investimento social não está diminuindo [com a crise]. Esse valor faz parte de um programa com metas e objetivos até 2012 e independe da rentabilidade de hoje porque é um programa estratégico de longo prazo", salientou Gabrielli.
Já na área cultural, houve retardamento do prazo para entrar com o novo edital devido à "existência de recursos já disponibilizados, mas que estão presos nos projetos que não conseguiram ser finalizados dentro da Lei Rouanet". "Temos 2.964 projetos inscritos na seleção que está em andamento agora e R$ 42,3 milhões em recursos para atribuir ao edital da área cultural. A primeira fase do processo --para difusão e cinema-- sai em agosto deste ano, e a segunda, em outubro."
Os investimentos em políticas sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, de acordo com o ministro Patrus Ananias, também não devem ser reduzidos. "Os pobres não podem ser penalizados. A linha do governo brasileiro é manter e ampliá-los", diz Ananias, citando como exemplos o Bolsa Família, que "incorporará mais 1,3 milhão de famílias pobres, com efeito importante anticrise".
Outros programas serão ampliados, menciona o ministro, como o da aquisição de alimentos da agricultura familiar, o das cozinhas comunitárias e o dos programas de construção de cisternas. "Nosso Orçamento é de R$ 33 bilhões e tenho convicção de que chegaremos até o fim do ano com mais investimentos."
Meira, da Associação Internacional de Empreendedores Sociais, rebate: "[Esse cenário] é falso". Ele cita como exemplo o recente corte do programa de aprendizagem do Banco da Amazônia. "[O terceiro setor] vai ser o primeiro a ser cortado", completa.
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