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04/08/2002 - 09h20

Provadores de cigarros são treinados por 4 meses

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da Folha de S.Paulo

As duas salas, juntas, não têm mais do que 40 metros quadrados. Na maior, a dos especialistas, ele se reúnem em volta de uma mesa retangular, com água e maçã para limpar o paladar. Na menor, a dos leigos, nichos de madeira separam os testadores para que um não veja a avaliação do outro. É ali, em Jacarezinho (zona norte do Rio de Janeiro), que a Souza Cruz abriga os provadores de cigarro.

A empresa proíbe fotos do local. Alega que é para proteger os funcionários. A Philip Morris não conseguiu informar na sexta-feira se tinha ou não provadores.

A reportagem acompanhou uma sessão com os especialistas da Souza Cruz. São, em geral, funcionários com curso superior que fazem avaliações mais profundas do cigarro.

As avaliações são feitas por 30 funcionários do departamento de pesquisas e desenvolvimento da Souza Cruz, unidade no subúrbio do Rio que custa US$ 10 milhões por ano, segundo seu gerente, Leopoldo Caruso.

Os provadores são voluntários, segundo ele, mas nem todos são aceitos -é preciso ter sensibilidade para avaliar o fumo.

Todos passam por quatro meses de treinamento. Estudam a diferença entre os fumos usados (Virgínia, Oriental e Burley), aprendem a diferenciar os agentes de sabor colocados no tabaco (extrato de figo, de uva passa, mel ou cacau) e dissecam a engenharia do cigarro (ventilação, compactação do fumo, filtro e papel).

Só depois desse treinamento é que podem participar de dois painéis diários, que duram de 20 a 30 minutos, afirma Caruso. Eles ganham, em média, R$ 300 por mês (ou R$ 9,20 por sessão). Fumam, no máximo, o equivalente a quatro, cinco cigarros, segundo a empresa. Grávidas não podem integrar o chamado painel de fumo.

São analisados cigarros que já estão no mercado, produtos em desenvolvimento e fumos da concorrência. A prova é feita às cegas. A marca do cigarro é coberta com uma fita adesiva vermelha ou preta para que o marketing não influencia na apreciação.

São verificados cinco quesitos: aroma, gosto, potência (se é forte ou fraco), aspectos mecânicos (se acende fácil, se queima bem, se é fácil de tragar) e táteis.

Máquinas de fumar não conseguiram fazer esse tipo de avaliação, segundo Caruso. A Souza Cruz possui essas máquinas, mas sua função é outra: medir o nível de nicotina, alcatrão e monóxido de carbono.

O engenheiro agrônomo Alexandre Melo, 44, provador de cigarros há sete anos, acha que a função não é perigosa: "Sou fumante, conheço os riscos do cigarro e os testes não aumentam em nada esses riscos".

Para Melo, a função de testador deveria ser reconhecida oficialmente. É o grande temor da Souza Cruz. Se for oficializada como atividade de risco, os testadores teriam de se aposentar mais cedo e receber um adicional.

O gerente do departamento de pesquisas da Souza Cruz não vê nenhum dilema ético em testar em humanos um produto de risco, que provoca mais de 50 doenças. "Não vejo nenhuma questão ética no teste. É um produto legal e todos os envolvidos conhecem o risco", afirma Caruso.

Fim da função
O Inca (Instituto Nacional do Câncer), responsável pelo política antitabagista do governo brasileiro, defende o fim da função de provador de cigarro.

"Não tem sentido usar pessoas para testar um produto que é lesivo para a saúde", diz Tânia Cavalcante, 45, chefe da divisão do Programa de Combate ao Tabagismo do Inca. "Não deveria existir esse tipo de ocupação. Isso não combina com uma empresa que se diz socialmente responsável."

Por muito menos, diz Tânia, a Philip Morris teve de pagar uma indenização ao ator americano Wayne McLaren, que interpretava o "homem de Marlboro" nos comerciais da marca. McLaren era obrigado a fumar durante as filmagens e morreu de câncer em 1992, aos 52 anos. A Adesf (Associação em Defesa da Saúde do Fumante), ONG que processa a Souza Cruz e a Philip Morris por fraude contra a saúde pública, também defende a proibição da função.

"Esse trabalho é como um suicídio programado", compara o advogado Mário Albanese, 71, presidente da Adesf. Segundo ele, o fato de o produto testado ser legal não pode se sobrepor aos riscos à saúde que traz.

A Souza Cruz diz que a função de testador existe em outros países. O Inca afirma desconhecer a atividade fora do Brasil.


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