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11/08/2002 - 00h25

Ao BID, prefeitura disse que possuía a terra

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da Folha de S.Paulo

A administração Paulo Maluf na Prefeitura de São Paulo omitiu do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que alguns dos lotes sobre os quais seriam erguidos os prédios do Projeto Cingapura eram privados. No contrato que firmou com o banco e nos relatórios que a ele se seguiram por cinco anos (1996-2000), afirmou que as áreas a serem usadas pertenciam ao poder público _ou, no máximo, a empresas estatais.

Isso significa que a prefeitura não informou ao banco que muitos dos lotes tinham de ser desapropriados _o que custa tempo e dinheiro_ antes de a propriedade dos apartamentos poder ser concedida aos moradores.

As primeiras informações equivocadas estão registradas nos apêndices C e D do Regulamento Operacional do contrato de empréstimo 938-OC-BR.

Consultado pela Folha, o Ministério Público paulista, que desconhecia o erro, disse que ele pode, em tese, caracterizar falsidade ideológica _crime de "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade". A pena pode chegar a cinco anos de prisão.

A existência dos apêndices como parte integrante do contrato de empréstimo está citada no item 2 do documento principal, assinado pelo então prefeito Paulo Maluf e pelo presidente do BID, Enrique Eglesias, em 1996.

Ranking distorcido
Nos apêndices, aparece um ranking _em ordem de prioridade_ das favelas elegíveis para a verticalização. Elas são ordenadas de acordo com seis critérios: distância das redes de infra-estrutura, compromisso prévio com e da população, domicílios em áreas de risco, densidade de ocupação e disponibilidade da área.

No indicador "disponibilidade da área", o Regulamento Operacional do contrato prevê que a favela tenha zero, meio ou um ponto. Vale um quando a área onde ela está é disponível para a concessão de títulos de propriedade sem necessidade de aquisição, desafetação ou autorização legislativa. Se a área precisa de desafetação, a favela tem meio ponto.

Se precisa de aquisição de particulares, não pontua. No ranking, porém, a propriedade real das áreas nem sempre aparece.

A favela Chaparral, por exemplo, quarta no ranking geral, estava, segundo a prefeitura, em terreno público. Teve, por isso, meio ponto em disponibilidade de área, pois alguns lotes, apesar de públicos, deveriam ser livres ou destinados a espaços verdes e de lazer. Por isso tinham de ser "desafetados" _termo técnico usado para dizer que deveriam ter sua destinação alterada por lei.

Na prática, porém, a Chaparral (zona leste) _e o Cingapura que hoje ocupa parte da área original da favela_ estava também sobre terras privadas _uma delas, por exemplo, pertence a uma transportadora para a qual a prefeitura depositou em junho passado R$ 84 mil para conseguir a imissão na posse. Ou seja: a favela não deveria ter pontuado no quesito "disponibilidade de área".

Das favelas cuja urbanização foi financiada pelo BID já se sabe que o mesmo ocorreu com a Dom Macário, a Santo Antônio-Parque Otero e a Heliópolis. Os Cingapuras Nicarágua-Vila da Paz e Madeirit Votorantim, cujas favelas originais aparecem no contrato com o BID como localizadas em áreas da Caixa Econômica Federal e de uma "empresa estatal" também têm trechos sobre lotes de propriedade privada.

Se as informações prestadas fossem corretas, as favelas perderiam posições no ranking, ficando, talvez, atrás de outras que não chegaram a ser verticalizadas.

Lento e insatisfatório
Sem saber exatamente os motivos do atraso na regularização da propriedade dos apartamentos, o BID começa a cobrar, em abril de 1999, que a medida seja executada, já que estava inicialmente prevista para ocorrer no final de 1996, estando o contrato todo terminado em julho de 2000.

É em abril de 1999, pela primeira vez, que os técnicos do BID escrevem, em um relatório de fiscalização, que a execução do programa é lenta e insatisfatória, citando a falta de regularização das terras como um dos motivos.

"A missão registra preocupação com o notório atraso do processo de desafetação das áreas públicas, a regularização das áreas e a titulação da propriedade nas favelas. Esse atraso gera sérias dúvidas na população em relação ao verdadeiro compromisso da prefeitura de entregar os títulos habitacionais, o que pode explicar a inadimplência registrada", escreve Juan Francisco Reyes, chefe da missão de abril de 1999.

Reyes sugere que a prefeitura contrate serviços privados que agilizem a regularização dos imóveis, usando o dinheiro do próprio financiamento _mas em nenhum momento cita que foi informado de que alguns dos empreendimentos estão em área privada. Na ocasião, segundo o representante do BID, ainda se acreditava que a regularização poderia ocorrer dentro do prazo de execução da infra-estrutura.

As recomendações se repetem, sem providências, nos relatórios das missões de inspeção de julho, agosto e dezembro de 1999 e de fevereiro e maio de 2000.

Na primeira visita do BID feita em 2001 _já no governo de Marta Suplicy (PT)_, o programa surge classificado como "duvidoso" em relação ao cumprimento dos objetivos. "A regularização fundiária dos terrenos onde se construíram favelas é muito mais complexa do que se informava ao banco em missões anteriores", escreve Patrício Naveas, do BID.

Uma nova missão do banco chegará a São Paulo na segunda-feira da semana que vem.
 

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