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14/09/2002 - 23h41

Detentos vêem no rap a única oportunidade para abandonar o crime

FÁBIO PORTELA
da Folha Online

Já se tornou lugar-comum dizer que a cadeia é uma "escola de bandidos". Mas esta regra também tem suas exceções. Um exemplo é o grupo de rap Comunidade Carcerária, formado por presos que se conheceram dentro do Carandiru.

Eles se apresentam apenas pelo codinome: Krick MC, B.O, F.W e W.O. Todos foram condenados por assalto a mão armada e encontraram, dentro do presídio, a única possibilidade de recuperação.

Ao contrário do que acontece com a maioria dos detentos que passaram pelo Carandiru, os quatro encontraram dentro da cadeia a única oportunidade de se afastarem da vida de crimes.

"É lamentável falar, mas a oportunidade que eu tive aqui dentro eu não tive lá fora", diz B.O. Ele conta que o grupo, mesmo estando preso, já conseguiu gravar um CD e até mesmo um vídeo clipe.

"Quem nos ajudou foi o seu Waldemar [Gonçalves, diretor de Esportes do Carandiru]. Foi a única pessoa que me estendeu a mão na vida, e está aí o nosso CD gravado e até tocando nas rádios", diz B.O.

O grupo conseguiu fazer uma gravação por uma pequena gravadora e os discos já estão sendo vendidos em lojas. "É difícil porque a gente não pode fazer shows, e isso é importante para atrair o público, mas vamos continuar batalhando", diz F.W.

W.O. já cumpriu toda a pena a que foi condenado e está em liberdade desde o ano passado. Os outros três, condenados a 30 anos, já cumpriram mais de um terço da pena e esperar receber benefícios por bom comportamento.

Apesar de afirmarem que o Carandiru mudou as suas vidas para melhor, em razão da música, os integrantes do Comunidade Carcerária são unânimes ao dizer que a Detenção "não vai deixar saudades em ninguém" após a desativação.

"Saudades? Não, não, não. Com certeza, saudades não. Esse lugar guarda muitas coisas ruins. A gente vai ter lembranças, é claro, vai ter saudade de um montão de parceiros que a gente não conhecia e se tornou irmão, não de sangue, mas irmão de coração. Mas saudades da Detenção é difícil por que isso aqui tem que acabar", diz B.O.

F.W concorda, e critica o sistema penitenciário. "Se isso não mudar, essa cadeia vai acabar, mas vai haver outras cadeias em outros lugares com essas mesmas pessoas e o problema vai continuar exatamente igual.

Os rappers também têm um discurso uniforme para criticas as dificuldades que os detentos enfrentam para viver fora da prisão, depois que cumprem suas penas. "O pessoal tem que abrir os olhos porque não basta sair para a rua, tem que abrir uma frente de trabalho para o ex-presidiário, não tratar como doente, como uma doença incurável", diz Krick.

Ele está prestes a ir para o regime semi-aberto, já recebeu a comunicação de seu advogado. O detento acredita que o rap será o caminho para que ele não volte para o crime. "Eu estou saindo daqui, mas não basta só sair, eu vou ter que conquistar a minha liberdade. Eu tenho que ficar lá fora, porque sair daqui eu já saí outras vezes, só que desta vez tem que ser uma saída definitiva."

"Se o preso saísse lá fora e tivesse alguma oportunidade, pode ter certeza que um montão não ia voltar. Tá certo que alguns não têm conserto, é lamentável, mas é verdade. Mas 70% têm conserto sim, mas a sociedade não ajuda nem um pouco", diz B.O.

F.W. concorda que o preconceito impede a recuperação de muitos ex-presidiários."Amanhã ou depois a pessoa volta para a cadeia e vão falar: tá vendo, não tem jeito, acabou de sair e já voltou. Mas alguém deu algum serviço digno e honesto para ele cuidar da família dele? Ele tem que comer, ele tem que dormir, ele tem que se vestir."

Todos esperam receber o benefício da prisão semi-aberta para investirem na carreira artística. Eles destacam que, hoje em dia, cantar rap não é mais uma opção: é a única chance que eles terão de se manter longe da vida do crime.

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